O advogado Ricardo Ayub, hoje com 51 anos, não gostava de ir ao médico. Mantinha uma vida saudável para não precisar visitar o doutor. Quando tinha 21 anos, no entanto, sentiu-se mal enquanto dirigia e viu que era prudente fazer um check-up
Os exames de sangue já detectaram uma anormalidade: colesterol muito alto. Os níveis de colesterol total de Ayub estavam por volta de 600 mg/dL, enquanto o desejável gira em torno de 200 mg/dL.
“Procurei um cardiologista, mas fui atendido de uma forma muito precária na época [30 anos atrás]. O tratamento foi feito com uma estatina, por três meses, além da recomendação de fazer exercícios físicos e manter uma alimentação bem controlada, e depois fazer um novo exame de sangue”, conta. Os níveis de colesterol abaixaram, mas continuaram fora da meta que o deixaria fora de risco.
“Meu pai também tinha colesterol alto, então, minha preocupação era com o coração, já que ele infartou aos 42 anos”, conta Ayub. Os avós também morreram por problemas cardíacos. “Eles também tinham colesterol alto”.
Mutação do colesterol
Ayub conta que, na época, o pai já estava sendo atendido pelo Instituto do Coração (Incor), em São Paulo, e era o período em que eles estavam começando a fazer os exames genéticos para detectar hipercolesterolemia familiar (HF), ou colesterol alto herdado dos pais.
“Chamaram meus irmãos e eu para o exame. Eles não tinham nada, mas eu tinha a mutação do colesterol”, explica o advogado.
Até agora, Ricardo faz acompanhamento para manter os níveis de colesterol dentro do padrão. Com outros tipos de estatinas, ele acaba tomando um verdadeiro coquetel de medicamentos diariamente. “Tomo seis remédios, e não posso ficar um dia sem tomar. Se vou viajar, a primeira coisa que faço é pegar meus medicamentos.
Hoje, meu colesterol total está em torno de 190 e o LDL está controlado”, conta.
Uma cada 200 pessoas
Estima-se que 60% da população brasileira esteja com níveis de colesterol acima do recomendado, mas isso pode ser devido à má alimentação ou ao sedentarismo. No caso da hipercolesterolemia familiar (HF), a causa é genética, há uma mutação nos genes que fazem com que o colesterol fique muito mais alto do que o da população normal. Uma a cada 200 pessoas sofre com o problema.
Preocupação com os filhos
Essa mutação pode ser transmitida aos filhos. E aqueles que herdam a mutação desenvolvem colesterol mais alto do que o normal. Alguns chegam a ter valores de colesterol duas vezes mais altos do que o das outras pessoas. Outros, chegam a quatro. E aqueles que herdaram o gene do pai e da mãe, sofrendo duplamente, chegam até a seis vezes o valor normal, correndo risco alto de ter problemas cardíacos muito cedo.
O cardiologista e diretor da Unidade Clínica de Lípides do InCor, em São Paulo, Raul dos Santos, explica que o HF não é uma doença rara e que deve ser tratada. “Pelo fato de o colesterol estar alto desde o nascimento, as pessoas já são expostas a valores que normalmente seriam apenas na vida adulta, então, consequentemente, correm um risco muito grande de ter problemas cardiovasculares ainda jovens, pelo fato de a exposição ser muito precoce”, explica Santos.
Ele conta que 25% dos homens que carregam a mutação genética que aumenta o colesterol vão ter infartado ou ter morrido até os 40 anos de idade. As mulheres, pelo fato de serem mais protegidas com o hormônio estrogênio, ganham cerca de 10 anos a mais, infartando por volta dos 50 anos.
Primeiro infarto é aos 13 anos
Para aqueles que herdaram o gene que aumenta o colesterol do pai e da mãe, a situação é ainda mais grave. A média do primeiro infarto é aos 13 anos de idade. Esse problema, no entanto, é mais raro. Estima-se que haja cerca de 200 pessoas nessas condições no Brasil.
Colesterol alto não dá sintomas
“O grande problema da HF é que é assintomática, então, só se faz o diagnóstico se dosar o colesterol. A maior parte dos pacientes é diagnosticada quando um jovem infarta e, aí, você dosa o colesterol, vê que está muito alto, suspeita da HF e chama os outros familiares assintomáticos para fazer o diagnóstico”, conta o diretor da Clínica de Lípides do InCor. Parentes de primeiro grau são diagnosticados primeiro. Confirmado o colesterol alto em alguns deles, é possível estender para o resto da família.
Tratamento
A cardiologista Maria Cristina Izar, da Associação de Portadores de Hipercolesterolemia Familiar e professora da Unifesp, explica que, no caso das pessoas que tem HF, a alimentação não influencia muito na melhora do colesterol. “Ela contribui, mas não é capaz de trazer o colesterol para os níveis normais”, diz.
Isso não significa que quem tem colesterol alto pode sair comendo alimentos gordurosos por aí. Manter uma boa alimentação ajuda a não piorar ainda mais o problema. O tratamento, então, é medicamentoso. Atualmente os pacientes são tratados com estatinas e ezetimibe, nas doses recomendadas pelo médico. Há outro medicamento que pode ajudar os portadores de HF. O pedido de aprovação já está sendo analisado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o medicamento que reduz cerca de 60% do colesterol além das estatinas e ezetimibe.
Esse remédio, o evolocumab, é um anticorpo monoclonal que inibe a proteína PCSK9, que, quando em muita atividade, destrói os receptores responsáveis por “recolher” o colesterol ruim circulante na corrente sanguínea e mandar embora. Esse medicamento deve atingir uma parcela da população de pessoas com hipercolesterolemia familiar que não conseguem chegar aos níveis normais de colesterol somente com estatinas e ezetimibe.
A expectativa da farmacêutica fabricante, Amgen, é que o medicamento seja aprovado no Brasil até 2017. Nos Estados Unidos e na Europa ele está aprovado desde a metade deste ano.
iG
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