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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O câncer atinge de modo diferente em países pobres e ricos

Nos Estados Unidos, a idade média em que o câncer de colón surge é 69 anos para homens e 73 para mulheres. No Chade, a expectativa de vida média ao nascimento é cerca de 50 anos


As crianças que sobrevivem ao parto – e à má nutrição e à diarreia – têm grandes chances de morrer de pneumonia, tuberculose, influenza, malárias, Aids ou mesmos acidentes de trânsito antes que suas células acumulem as mutações que causam o câncer de colón.

Na verdade, nenhum tipo de câncer chegou às 15 maiores causas de morte no Chade – na Somália, na República Central Africana ou em outros lugares onde a expectativa média de vida está por volta dos 50 anos. Muitas pessoas morrem de câncer, e seus números estão se multiplicando porque as populações crescem rapidamente e por causa da falta de cuidados médicos. Mas primeiro vêm essas outras ameaças.

A situação é muito diferente da dos Estados Unidos, onde oncologistas estão trabalhando para livrar um ex-presidente de 91 anos de um melanoma metastático, um dos cânceres mais mortais. Um dos remédios que Jimmy Carter está tomando, um novo agente imunoterápico chamado Keytruda, custa US$ 12.500 por mês, além do custo da cirurgia e do tratamento com raios radioativos guiados por computador.

Carter, um homem religioso, diz que está preparado para conhecer o criador. Mas se encontra entre os afortunados que teve primeiro o luxo de experimentar os remédios mais caros que a medicina tem a oferecer. Até agora a abordagem parece estar funcionando, encolhendo seus tumores cerebrais até que ficassem invisíveis. Se houver uma reincidência, os médicos tem a opção de combinar o Keytruda com outra terapia do sistema imunológico recentemente aprovada, a próxima linha de defesa. Em meados deste ano, no encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, o doutor Leonard Saltz, chefe de oncologia gastrointestinal do Centro de Câncer do Memorial Sloan Kettering, estimou que as contas médicas para esses coquetéis podem chegar a US$ 300 mil por ano.

Isso apenas para uma pessoa. Para aqueles com a vontade e os recursos, a guerra contra o câncer passou a significar empurrar gradualmente, em direção a alguma imortalidade imaginada, o direito supremo à vida. Não parece haver nenhum limite ao que nós — a sociedade em abstrato — vamos concordar em pagar para estender vidas já longas e bem vividas.

O vice-presidente Joe Biden estava imaginando mais desses atos que desafiam a morte quando, tomando emprestada uma metáfora, pediu recentemente um “tiro na lua” para acabar com o câncer — infusões adicionais de dólares que, a julgar pelo passado, iriam em grande parte para a pesquisa que ajuda pessoas mais velhas a se tornarem ainda mais velhas.

Crianças com leucemia, linfomas ou osteosarcomas também podem se beneficiar, junto com alguns jovens e aqueles que estão chegando ao auge da vida, como o filho do vice-presidente, Beau Biden, que morreu este ano de um tumor no cérebro com 46 anos. Mas a média de idade de diagnósticos de câncer de todos os tipos no país é 66 anos. Setenta e oito por cento dos casos são diagnosticados em pessoas com 55 anos ou mais. Cânceres entre crianças, que estão entre os mais curáveis, continuam raros.

No mundo em desenvolvimento, o câncer é bem diferente, como ilustrado nos mapas feitos pela Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer da Organização Mundial de Saúde. Os países com maior incidência, como os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e os da Europa Ocidental, aparecem em azul escuro. Com exceção da África do Sul, quase todo o continente africano é azul claro ou branco. O mapa pode ter duas funções — mostrar os lugares com padrões de vida mais altos e, consequentemente, os com maiores expectativas de vida. Mas essa é apenas parte da história. Os cânceres que surgem em países pobres têm muito menos probabilidade de ser superados.

Um número desproporcionalmente grande desses casos é resultado da ação de agentes infecciosos. Veja os mapas internacionais de novo e pegue aqueles que mostram a incidência mundial de câncer cervical, que é causado pela infecção do papiloma vírus humano. Esse mapa é quase uma imagem reversa dos de câncer colorretal ou de mama – principais formas em lugares mais ricos. Para o câncer cervical, os azuis escuros que denotam problemas estão concentrados em lugares como o Mali, enquanto os países mais ricos, com taxas menores, ficam em branco.

Esse é um câncer que poderia praticamente ser extinto de todos os lugares com vacinação de HPV, e esses esforços estão acontecendo em regiões mais pobres. As infecções também são um fator importante para os cânceres de estômago e fígado. Um grande tiro na lua focado em todos esses problemas poderia salvar milhões de pessoas que ainda têm muito o que viver.

À medida que o desenvolvimento econômico e a saúde pública melhoram, as disparidades diminuem, como foi descrito em uma atualização na semana passada feita por epidemiologistas da Sociedade Americana de Câncer. A expectativa de vida vai aumentar devagar e, junto com ela, a taxa geral de casos de câncer. Os cânceres dos pobres gradualmente darão lugar aos dos mais afluentes. E vão crescer na lista dos mais mortais, substituindo as doenças antigas.

Isso já está acontecendo em países como a Índia, onde mais pessoas estão acima do peso e vivem vidas menos ativas – fatores de risco para casos malignos do cólon e seios. As mulheres que evitam ou renunciam a ter filhos também correm mais risco para câncer no seio e outros tipos ginecológicos.

Mais pessoas também conseguem pagar por um suprimento fixo de cigarros – e viver as décadas adicionais que multiplicam as mutações cancerosas. A China se uniu à América do Norte e à Europa nas taxas de câncer de pulmão, e outros países parecem determinados a fazer o mesmo.

O doutor Vincent T. DeVita Jr., famoso oncologista americano, nomeou seu novo livro “The Death of Cancer” (“A Morte do Câncer”, em tradução livre) prevendo uma época “em que todos seremos capazes de curar quase todos os cânceres” com um fluxo em constantemente aperfeiçoado de medicamentos e de outros tratamentos de ponta que ainda serão descobertos.

Talvez isso aconteça, se pudermos pagar. Mas há muitos tiros na lua menos tecnológicos, mais baratos e no final, mais heroicos contra o câncer ainda por fazer – aqueles que poderiam salvar as vidas de jovens na África e por todo o mundo. 

Uol/The New York Times

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