Prof. Dr. Pedro Puech*
14/04/2011
Especialista questiona resolução que orienta os médicos a não prescreverem OPMEs. Para ele, medida afeta o profissional e também o usuário
O Conselho Federal de Medicina (CFM), órgão que possui atribuições constitucionais de fiscalização e normatização da prática médica, publicou, em 25 de outubro de 2010, a Resolução CFM n° 1.956/2010, que orienta os médicos a não prescreverem próteses, órteses e outros materiais implantáveis pelo nome comercial. O profissional deve apenas "determinar as características (tipo, matéria-prima, dimensões), bem como o instrumental compatível, necessárias e adequadas à execução do procedimento", sendo "vedado ao médico assistente requisitante exigir fornecedor ou marca comercial exclusivos".
Esta medida, segundo o CFM, visa evitar acordos entre médicos e fabricantes de tais produtos, o que pode fazer sentido se considerarmos que há bons e maus profissionais em qualquer área, inclusive na classe médica. Entretanto, em minha opinião, quando se fala em reduzir o poder de decisão de alguém que tem conhecimento técnico e lida diretamente com a vida das pessoas, alguns aspectos devem ser analisados:
A marca, independente do produto em questão, é um atestado de qualidade e confere uma relação de confiança com o consumidor. Ela orienta nossas decisões de compra de eletrodomésticos, automóveis, telefone e tudo o que consumimos, porque pressupõe uma história e serve como indício de que aquilo que estamos comprando foi feito por alguém ou por uma empresa que construiu seu nome ao longo do tempo. Claro que há casos em que uma marca reconhecida pode oferecer produtos ou serviços de qualidade inferior, mas isso só faz deteriorar a própria marca, pois quebra a relação de confiança.
Quando o assunto é a escolha de próteses, órteses e materiais especiais implantáveis, não é diferente. E um fator a mais deve ser considerado: de quantas próteses um paciente vai precisar durante sua vida? Uma, talvez duas, o que significa que uma escolha inadequada terá consequências muito mais sérias se compararmos à aquisição de outros tipos de bens ou produtos. Assim como servem de referência ao paciente, as marcas também conferem credibilidade e confiança para embasar a decisão dos médicos.
Sem a determinação da marca, os planos de saúde terão mais chances de vetar a aprovação do uso de materiais mais caros, que geralmente são os mais recentes e os que oferecem os melhores resultados. Qual médico não optaria por oferecer a possibilidade de uma recuperação mais rápida ou de uma cirurgia menos invasiva, diminuindo o sofrimento de seu paciente? Vale lembrar que estamos falando sobre procedimentos médicos que muitas vezes oferecem risco de morte, como a colocação de válvulas cardíacas, além de situações que podem afetar seriamente a qualidade de vida de uma pessoa, como a implantação de uma prótese na perna ou na mama.
A Resolução prevê a possibilidade de o médico rejeitar um produto que considere inadequado, e neste caso, deve notificar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e indicar pelo menos três marcas ao plano de saúde ou ao gestor da saúde pública. Se mesmo assim ainda houver divergência, pode recorrer a um árbitro - um especialista da área que tem até cinco dias úteis para se pronunciar.
Com isso, a burocracia bate à porta do consultório e afeta não só o profissional como também o paciente, pois ambos ficam nas mãos dos planos de saúde, que ganham o poder de decidir qual produto será utilizado, muitas vezes considerando apenas o aspecto financeiro.
Assim, na realidade, houve uma troca do decisor: ao invés de um profissional que estudou no mínimo oito anos, deixamos nas mãos de uma empresa, que como qualquer outra, busca reduzir custos para lucrar mais. Do jeito que as coisas caminham, em breve nem mesmo o médico poderá ser escolhido pelo nome que, em última instância, é a marca do profissional.
Os pacientes terão que descrever apenas as características de quem procuram. Imagine: Ginecologista, que tenha consultório na zona sul, que atenda no período da manhã, que não atrase mais que 15 minutos, e com mais de cinco anos de prática. E o plano de saúde irá dizer a qual médico o paciente deve confiar sua saúde.
*Prof. Dr. Pedro Puech Leão é professor titular de Cirurgia Vascular e Endovascular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
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