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terça-feira, 17 de maio de 2011

Dona de casa conta experiência com hospital psiquiátrico

A dona de casa Cirlene Ornelas, 49, de Ipatinga (MG), conheceu um hospital psiquiátrico na adolescência, ao acompanhar o irmão.

Mais tarde, internou o marido e o filho na mesma instituição e ao mesmo tempo.

Hoje, ela milita na causa da reforma psiquiátrica por meio da associação Loucos por Você, que criou para apoiar famílias de doentes mentais.

*
"Eu tinha 14 anos quando meu irmão, de 22, teve a primeira crise. Uns diziam que era coisa do demônio. Outros, que era pura malandragem. Ou droga.

Quando o levei para um hospital psiquiátrico pela primeira vez, em Belo Horizonte, fiquei assustada com a quantidade de gente perambulando. Dava medo.

Não demorou muito e eu me casei, aos 17 anos. Logo depois, meu marido teve um surto, no final dos anos 70. Passei a ter ele e meu irmão internados. Na época, não havia outra opção.

Meu marido foi internado mais de 30 vezes. Por anos, passei assim: ele melhorava, voltava para casa, depois ia para o hospital de novo. Fomos construindo nossa família em meio a essa rotina.

Tive três filhos. Achei que tudo estava calmo até que notei que o Juninho, o mais velho, ficava muito tempo parado. E depois, eufórico.

Ele tinha 14 anos na primeira crise. Pedi a Deus para que fosse neurológico, mas, para o nosso desespero, o médico o encaminhou a um psiquiatra. Sabia que era um caso sem volta.

O diagnóstico foi esquizofrenia, só que mais grave do que a do meu marido e do meu irmão.

As primeiras crises duravam horas. Depois, dias. Até que ele ficou dez meses assim. Ele dizia que ouvia vozes e se autoagredia. Chegou a introduzir pregos de 12 cm nas mãos e nos pés ''ele queria amenizar a dor de Jesus.

ELETROCHOQUE E FUGA

Internei meu filho pela primeira vez em 1997, aos 16 anos. Os enfermeiros foram buscá-lo e o seguraram com as mãos para trás. Me senti a última das mães.

Por duas vezes, internei marido e filho juntos, no mesmo hospital.

Uma vez, pediram permissão para fazer eletrochoque, e eu autorizei. Achei que poderia valer a pena. Mas, na terceira sessão, meu marido teve uma parada cardíaca com meu filho por perto.

Só soube dias depois. Eu ficava quase sem contato.

Um dia, avisaram que meu filho tinha fugido. E eu aqui, a 200 km de distância, sem saber o que fazer. Achei que ia perdê-lo para sempre.

Foram três horas de agonia, até que um homem ligou dizendo que meu filho estava ao lado dele. Ele tinha 18 anos.

Eu não tinha medo de estar com meu filho, mas sim que ele se ferisse e o ferissem.

Uma vez, no carro, ele tentou me enforcar. 'Filho, por que isso?', perguntei. E ele: 'Ah, mãe, porque tem um bicho saindo da sua boca'.

Fiquei muito triste de pensar no sofrimento dele em ver essas imagens. Eu sabia que precisava compreendê-lo.

Após duas internações, decidi que nunca mais o levaria a um hospital psiquiátrico. Então, tranquei-o em casa. Oito dias depois, ele teve uma crise e quebrou todos os vidros. Foi a pior coisa.

Aos poucos, passei a deixá-lo andar sozinho. Quanto mais eu o deixava livre, mais ele melhorava.

Meu outro irmão ficou doente há uns nove anos. Numa crise, fui a São Paulo tirá-lo do hospital psiquiátrico. Aqui, ele melhorou.

CONSTRUIR FAMÍLIA

Sempre me perguntam como é construir uma família em meio a tantas crises. Eu digo que nós levamos uma vida anormal o mais normal possível. É claro que a família sofre, e muito. Mas quem tem a doença sofre ainda mais.

O Juninho morreu com 29 anos. Eu estava em casa e ele disse que ia sair. Ele encontrou uns amigos e achamos que estava tudo bem.

Mas, em alguns momentos, ele falava que 'vozes' mandavam ele fazer certas coisas. Nesse dia, ele se pendurou de uma altura de uns 18 metros e caiu.

Quando cheguei para socorrê-lo, ele desabou nos meus braços. Dizia que me amava e não queria morrer.

Eu faria tudo novamente. Meu filho morreu, mas morreu livre e comigo ciente do que estava acontecendo. Eu não me perdoaria se ele morresse em um hospício.

Às vezes, é difícil conseguir atendimento.

Precisamos de serviços que substituam o hospital psiquiátrico. Aqui, temos Caps tipo 2, mas não são suficientes. É preciso transformá-los em tipo 3, que abrem 24 horas.

Outra dificuldade é ter um serviço aberto e profissionais com postura manicomial. Temos que mostrar que os doentes mentais são capazes. E fazer a reforma psiquiátrica acontecer."

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