Fazer ao menos 3 refeições por semana com os pais diminui a taxa de distúrbios alimentares nas crianças
Filha de pai hipertenso e de mãe preocupada com sua saúde, Maria Luiza Felippe Ferreira, de 12 anos, já cansou de ouvir que a alimentação saudável é para o seu bem. O que ela não sabia é que uma pesquisa divulgada neste mês pelo Pediatrics, jornal oficial da Academia Americana de Pediatria, mostrou que fazer pelo menos três refeições semanais em família ajuda a controlar a ingestão de alimentos com calorias vazias, reduz a obesidade e afasta crianças e adolescentes da anorexia e bulimia.
Rita e o marido com a filha Maria Luiza, de 12 anos: regras rígidas na hora das das refeições José Patrício/AE
O estudo Is Frequency of Shared Family Meals Related to the Nutritional Health of Children and Adolescents? acompanhou os hábitos alimentares de 182.836 crianças e jovens com idades entre 2,8 anos e 17,3 anos e constatou redução de 12% em sobrepeso no grupo acostumado a almoçar ou jantar com a família. Apontou também um consumo 20% menor de alimentos ricos em calorias e a diminuição de 35% no desenvolvimento de distúrbios alimentares.
A mãe de Maria Luiza, Rita Felippe Ferreira, conta que a filha sempre esteve abaixo do peso e sua preocupação não é com sobrepeso, mas com o elevado triglicérides verificado em seu sangue num exame feito há dois anos. "Se eu já pegava no pé dela, agora pego mais", diz, lembrando que o marido, Nilton Carlos de Oliveira, é hipertenso.
Como não gosta de verdura e raramente ingere frutas, a menina, de 1,66 m e 47 quilos, reclama um pouco do rigor alimentar mantido pelos pais, mas já aprendeu que almoço e jantar são momentos sagrados e deve estar acompanhada da família.
"Ela reclama, me chama de chata, mas sabe o que deve e o que não deve comer", diz a mãe, acrescentando que, às vezes, cede um pouco. No almoço de ontem, por exemplo, Maria Luiza queria pastel e batata frita, mas teve de escolher um deles: comeu pastel. Na casa dela as regras são claras: fazer as refeições diante da TV não é permitido. Comer rápido e deixar a mesa às pressas, também não.
"Sentar à mesa para fazer as refeições pode fazer muita diferença na vida de uma pessoa", afirma o professor livre docente de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Rubens Feferbaum. No Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Infantil Sabará, onde o nutrólogo também trabalha, a recomendação que costuma passar aos pacientes é para que tenham disciplina com os horários das refeições. "Essa coisa de comer de qualquer jeito e em qualquer lugar pode levar a alguns distúrbios nutricionais", observa.
Na opinião de Feferbaum, não há uma receita de refeição ideal para crianças, jovens ou adultos. "Alimentação adequada é aquela que segue a tradição da casa", garante. "Comer carnes, legumes, verduras, raízes e frutas é uma necessidade do organismo para processar os macro e os micronutrientes. Essa variedade é que é importante."
Além de trazer benefícios nutricionais, a refeição com os pais, garantem os especialistas, também favorece a saúde emocional das crianças e os vínculos familiares.
Uma em cada três crianças está acima do peso no País
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009 sobre o estado nutricional da população mostra que a frequência de sobrepeso e obesidade entre as crianças de 5 a 9 anos apresentou aumento expressivo nas duas últimas décadas: uma em cada três tem excesso de peso, segundo o IBGE. Entre os adolescentes, 20% estão acima do padrão da Organização Mundial da Saúde. O excesso de peso, que engloba sobrepeso e obesidade, afetava 10,9% dos meninos de 5 a 9 anos em 1974-1975, chegou a 15% em 1989 e alcançou 34,8% nesta última POF. Nas meninas, o padrão foi semelhante: 8,6%, 11,9% e 32%. A maior concentração de crianças acima do peso é do Sudeste, mas o problema atinge pessoas nas cinco regiões, de todos os grupos de renda.
A pesquisa, que ouviu e realizou medições em 188.461 pessoas de todas faixas etárias e de renda do País, mostrou ainda que no grupo das famílias com maior renda quase metade dos meninos (46,2%) apresentava excesso de peso, ante 26,5% na faixa dos 20% mais pobres.
Nas refeições, diálogo e proximidade
O hábito saudável de reunir a família ao redor de uma mesa para se alimentar, conversar sobre o dia de cada um e dar boas risadas ficou perdido no passado na maior parte dos lares brasileiros. "Um come na sala, outro na cozinha", comenta a especialista em nutrição e alimentação infantil, Vera Lúcia Perino Barbosa. "Para falar com os filhos hoje em dia tem de mandar um torpedo."
Com a experiência de quem preside o Instituto Movere - que oferece prevenção e tratamento para obesidade infantil e já atendeu mais de 1,5 mil crianças e adolescentes desde 2004 - Vera conta que os pais costumam chegar ao instituto afirmando que o filho está com problema de obesidade. "O que alguns pais não lembram é que os filhos são o reflexo deles. Quem faz as compras e quem cozinha não é a criança."
Na opinião dela, o ritual de reunir a família é fundamental, mas o que será servido também deve ser observado com atenção. "Nada é proibido, mas alimentos embutidos (salame, salsicha, linguiça, hambúrguer) não devem estar no cardápio de uma criança. No máximo, podem aparecer muito raramente", ensina. "A gordura desses alimentos com certeza vai aumentar o colesterol da criança ou transformá-la em hipertensa no futuro."
Aprendizado
A auxiliar de dentista Priscila Alice dos Santos de Paula, 31 anos, conta que começou a reunir a família à mesa num esforço conjunto para controlar o peso do filho. Há cinco meses, com o início do tratamento de Guilherme - 10 anos, 1, 58m e 70 quilos -, Priscila resolveu mudar os hábitos alimentares da casa toda. A outra filha, de 5 anos, e também o marido tiveram de se adequar aos horários fixos das refeições e ao cardápio saudável.
Uma das principais mudanças foi excluir o refrigerante. Agora, o líquido só é permitido aos fins de semana e, mesmo assim, não pode ser de cor escura porque, segundo ela, engorda mais. "Quando o marido foge à regra, o Guilherme chama a atenção dele."
Outra coisa que Priscila aprendeu foi a importância de olhar para o alimento e mastigar muito antes de engolir. "O que sacia nossa fome é o cérebro", diz ela. "Qualquer coisa que se faça comendo não entra como informação para o cérebro", acrescenta Vera. "Sem essa informação, a pessoa vai sentir fome mais rápido."
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