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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Cientistas dos EUA usam cepas de E. coli para transmitir mensagens secretas

Bactérias, genes e antibióticos são expressões do mundo da biologia, certo? Pois, agora, elas também fazem parte da área de segurança da informação. Um grupo de pesquisadores norte-americanos desenvolveu uma técnica de criptografia que usa cepas de Escherichia coli para transmitir mensagens secretas. Por meio de engenharia genética, os micro-organismos passam a emitir luz fluorescente que representa caracteres alfanuméricos. A tecnologia, patrocinada pela Darpa (a agência de pesquisa de projetos de defesa dos Estados Unidos), promete ser útil para espionagem e também para a impressão de identificadores em produtos de origem vegetal. E o melhor: com a garantia de que a mensagem se autodestruirá depois de ser lida.

A ideia dos cientistas era criar uma forma de envio de informações sigilosas sem usar aparelhos eletrônicos. No ano passado, eles realizaram testes com sais que reagiam sob uma superfície de nitrocelulose. “A intenção era codificar dados não biológicos em organismos, de forma que a mensagem fosse entregue enquanto o organismo amadurecia”, conta ao Correio o pesquisador Manuel Palacios, do Departamento de Química da Universidade de Tufts. “Há várias maneiras de se fazer isso, mas nós decidimos usar micro-organismos porque eles são relativamente simples de manipular”, completa o especialista, líder do projeto. Os resultados foram publicados na conceituada revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).

Para fazer com que as bactérias se transformassem em “agentes secretos”, Palacios e seus colegas modificaram o DNA das amostras (veja quadro). Essa técnica consiste, basicamente, na inserção de plasmídeos — genes que codificam proteínas dentro da célula. “Cada gene desencadeia uma fluorescência diferente. Essa mesma metodologia é usada para o desenvolvimento de transgênicos ou para mapear como o micro-organismo está infectando um hospedeiro”, explica a professora Tatiana Amábile Passos, do Instituto de Genética e Bioquímica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Depois desse procedimento, as cepas de E. coli usadas na pesquisa norte-americana foram organizadas em sete linhagens, cada qual com a possibilidade de expressar uma tonalidade diferente.

A outra parte do trabalho foi em criptografia: as colônias possibilitaram a criação de 49 possíveis combinações, o suficiente para representar 26 letras do alfabeto e 23 sinais. “Informações não biológicas já haviam sido codificadas no DNA de organismos vivos, mas a leitura desses dados exigia recursos caros de laboratório”, diz o pesquisador Palacios. “Queríamos codificar geneticamente, mas de forma a ter um sinal óptico fácil de ler”, explica. As bactérias foram, então, colocadas sobre uma superfície de nitrocelulose, que permite a permanência dos micro-organismos sem que eles morram ou liberem a fluorescência antes da hora.

Essa superfície, que lembra uma folha de papel, pode, por exemplo, ser enviada pelo correio, como uma correspondência comum. Quando a mensagem chega ao destinatário, basta que a pessoa pressione o material contra outra superfície. Assim, compostos químicos ativam os genes artificiais inseridos nas E. coli, fazendo com que a mensagem, literalmente, salte aos olhos do leitor. Todo esse processo recebe algumas camadas de segurança: além de antibióticos que controlam o crescimento das bactérias, os cientistas também inserem genes resistentes a certos tipos de drogas, o que ajuda a camuflar a mensagem. Somente o destinatário teria a combinação correta de insumos que possibilitariam o aparecimento das bactérias secretas. “A infobiologia tem muitos níveis de codificação. No início, o conteúdo é praticamente invisível”, reforça Palacios. “Vai ser muito difícil que hackers consigam decodificar alguma coisa”, aposta o pesquisador.

Aplicações
A princípio, o trabalho de Palacios e seus colegas tem aplicações na área de inteligência, financiadas por uma das organizações que mais levam isso a sério no mundo: a Darpa, sigla para Agência de Pesquisa de Projetos Avançados de Defesa. “O melhor é fazer parte de um seleto grupo que trabalha com isso. Nós nos sentimos em um filme do James Bond”, compara o pesquisador da Universidade de Tufts. “Queremos ampliar as fronteiras entre a química e a tecnologia.”

Outra aplicação para o método será na marcação biológica de plantas. Nesse caso, a expressão das proteínas fluorescentes pode ajudar a identificar a origem do ser vivo, como se fosse um teste biométrico semelhante ao que reconhece a íris ou a digital de humanos. O próximo passo é, inclusive, esse: codificar mensagens em organismos mais robustos, como esporos (como se fossem os embriões das plantas) e vegetais propriamente ditos. Para Michael Webb, químico da Universidade da Carolina do Norte em Wilmington, que não participou do estudo, esse caminho deve popularizar a criptografia biológica. “As aplicações baseadas em inteligência são interessantes, mas têm um campo bastante estreito. Para que isso realmente decole, a mensagem precisa, de alguma forma, ser criada e codificada pela biologia”, avalia.

Webb sugere um tipo de sistema em que células revelem determinadas informações conforme o ambiente onde estão. Assim, os micro-organismos poderiam, por exemplo, “avisar” se estão em um local com muitos contaminantes. De qualquer forma, o método já merece os louros pela inovação. “Mensagens escritas em bactérias passam completamente despercebidas por pessoas que estejam procurando informações da forma tradicional”, observa o químico. “Eles não apenas escreveram a mensagem usando a biologia, mas também usaram propriedades biológicas, como a resistência a antibióticos, para encriptá-la”, elogiou.

Comuns
E. coli é, na verdade, um grande grupo de bactérias extremamente comuns no organismo humano. Embora a maioria delas seja inofensiva, por vezes, podem provocar doenças como diarreia, pneumonia e infecções urinárias. Este ano, a Europa enfrentou um surto grave de E. coli, que chegou a matar dezenas de pessoas.

Vida artificial
Outro cientista que trabalha em projeto semlehante à criptografia biológica é o norte-americano Craig Venter, um dos responsáveis pela decifração do genoma humano. No ano passado, ele anunciou a criação do primeiro organismo sintético, a bactéria Mycoplasma genitalium, que tem um dos menores genomas existentes. Este ano, Venter e sua equipe inseriram uma mensagem nessa bactéria. “Embora parte da mensagem estivesse codificada, a codificação não foi puramente baseada em biologia”, diz o professor Michael Webb.

Fonte Correio Braziliense

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