Ao receber o diagnóstico de câncer de pulmão, pacientes costumam associar a doença ao tabagismo. Mas, apesar de a grande maioria ser fumante ou ex-fumante quando recebe a notícia, muitos (83%) afirmam nunca ter se imaginado com o problema. O tipo de tumor que mais mata no Brasil é também o que pode ser evitado mais facilmente.
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), 90% dos casos estão relacionados ao fumo. "Surpreendentemente, e apesar de saber que a doença é relacionada ao tabagismo, uma parcela não para de fumar quando descobre o câncer no pulmão", observa o oncologista Gilberto de Castro, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Quem larga o cigarro nessa fase, diz ele, tem melhor resposta ao tratamento em comparação aos que continuam fumando.
Pesquisa recente feita pelo Instituto Ipsos sob encomenda da empresa farmacêutica Pfizer traçou o perfil dos pacientes de câncer de pulmão e o impacto trazido pela doença - que provocou 20.622 mortes em 2008, segundo o mais recente levantamento do Inca.
O resultado das 201 entrevistas feitas em seis regiões do País para a pesquisa Câncer de Pulmão: a Visão dos Pacientes mostrou que, além de impor uma rotina rígida de tratamento, a doença causa mudanças no relacionamento com família e amigos, aumenta a religiosidade e muda completamente os hábitos do doente.
Se, antes do diagnóstico, 75% apontavam a família como o principal grupo de sociabilidade, depois dele essa parcela passa a ser de 81%. Apenas 45% dos pacientes alegam poder contar com os amigos durante o tratamento. Enquanto isso, o apoio irrestrito da família é mencionado por 96%.
Para o oncologista Artur Katz, do Hospital Sírio-Libanês, que coordenou a pesquisa, a mudança é observada com frequência. "O paciente passa a ter vários tipos de compromissos relacionados à doença, como exames e quimioterapia, e os amigos não conseguem acompanhá-lo", diz.
Em parte dos casos, o abalo emocional de receber o diagnóstico leva o paciente a "procurar apoio em todos os níveis", segundo explica o médico Jefferson Luiz Gross, do Hospital A.C.Camargo. "Quem não tinha religião, acaba se agarrando a algum apoio espiritual", comenta.
Segundo a pesquisa, antes de saber da doença, 79% dos pacientes afirmavam ter religião, parcela que pulou para 88% após o diagnóstico. Também foi constatado um aumento na frequência a cultos religiosos. O aposentado Alberto Alvarez, de 77 anos, encontrou na espiritualidade forças para os momentos difíceis ao saber que tinha câncer de pulmão, há 10 anos. "Quando a gente se vê numa situação assim, corre pra todos os lados", diz o católico com simpatia pelo espiritismo, hoje livre da doença.
‘Na minha cabeça, fumar era errado’
Em 1951, quando Alberto Alvarez tinha 17 anos, o cigarro era associado apenas ao glamour e à liberdade. "Naquele tempo, a gente ia ao cinema, assistia àqueles filmes e queria imitar os artistas", conta o aposentado. Na época, a população ainda não sabia que o hábito de fumar estava relacionado a vários tipos de câncer e a doenças cardiovasculares e respiratórias. Também não existiam ambientes livres de tabaco nem imagens desconcertantes na embalagem do cigarro.
Depois de 48 anos, Alvarez reconheceu que era hora de parar. Escolheu uma data emblemática - 9/9/1999 - e fez questão de não avisar a família, para o caso de a empreitada falhar. "Eu tinha na cabeça que fumar era errado. Quando encontrava com um amigo que tinha parado, procurava saber como ele fez."
Às vésperas do século 21, o modo como as pessoas encaravam o fumo também havia mudado. Alvarez conta que ficava triste quando, na fila do banco ou na rua, alguém olhava feio no momento em que ele acendia um cigarro.
Um ano e meio depois de ter abandonado definitivamente o vício, veio o diagnóstico em um check up de rotina: câncer de pulmão. Segundo especialistas, os ex-fumantes só se igualam aos que nunca fumaram no risco de desenvolver câncer 15 anos depois do abandono do cigarro.
Alvarez passou por uma operação complexa e teve de ficar internado durante cinco meses. Em vários momentos, a família foi avisada de que não havia muito mais a ser feito. Hoje, aos 77 anos, ele se considera feliz por estar curado.
Para seu médico, Jefferson Luiz Gross, do Hospital A.C.Camargo, a força de vontade e a cooperação foram essenciais. "A condição emocional é fundamental na evolução do tratamento. Se o paciente se deprime e desiste, ele tende a não resistir." Alvarez conta que não chegou a ficar triste quando recebeu a notícia da doença. "Foi a forma como o médico falou. Ele soube demonstrar o que estava acontecendo, relata, afirmando ter conseguido passar por tudo com tranquilidade porque confiava na equipe que o atendia.
Efeito do cigarro só aparece a longo prazo, diz médico
As ações antitabagistas - que ajudaram a reduzir em quase 50% a parcela de fumantes nas últimas duas décadas no Brasil - devem provocar nos próximos 10 anos um impacto no número de diagnósticos de câncer de pulmão. A previsão é do pneumologista Ricardo Meirelles, da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional de Câncer (Inca). "Acreditamos que esse impacto deva acontecer em um prazo mais longo porque o câncer de pulmão é uma doença lenta. Quem começa a fumar agora, vai ter mais riscos em 25 ou 30 anos."
Para Meirelles, as próximas estatísticas devem mostrar estabilização e queda do número de casos. Mas isso ocorrerá primeiro entre os homens. "Notamos que em alguns países a curva ascendente de câncer de pulmão entre os homens está estabilizando e a das mulheres crescendo. Elas começaram a fumar mais tarde." A estimativa de novos casos de câncer de pulmão para este ano no País é de 17, 8 mil entre os homens e 9.830 entre as mulheres.
O TUMOR EM NÚMEROS NO BRASIL
link Para 2011, estão previstos 27.630 novos casos no País
link Entre os homens, serão 17,8 mil novos pacientes. É segundo câncer mais incidente, perdendo para a próstata, que deve ter 52.350 novos casos este ano
link Entre as mulheres, a doença fará 9.830 novas pacientes. É o quarto câncer mais incidente, perdendo para a mama (49.240), o colo de útero (18.430) e cólon e reto (14.800)
link Trata-se do câncer que mais mata entre a população geral. Em 2008, último dado disponível pelo Inca, ela provocou 13.141 mortes entre homens e 7.480 entre mulheres em todo o Brasil
link 76% dos 201 entrevistados fumavam no ato do diagnóstico
link 29 anos é a média de tempo que fumaram (cerca de 40 cigarros por dia)
link 67% trabalhavam antes do diagnóstico. Desses, 88% trabalhava mais que 8 horas por dia
link Entre os fumantes, 59% relataram terem se sentido culpados no momento do diagnóstico
link 90% dos pacientes submeteram-se à quimioterapia, 65% à radioterapia e 31% à operação
link 87,5% dos pacientes afirmaram que se submeteriam a tratamentos experimentais
link 35% disseram que utilizariam tratamentos alternativos sem indicação do médico
link 90% relacionam o cigarro à doença; 49% citam as questões hereditárias; 36% associam sentimentos negativos ao câncer e 32% citam o estresse
Fonte Estadão
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