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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Nos bancos de esperma, uma loteria genética

Sem testes rígidos ou acompanhamento, doadores de esperma podem gerar até 150 crianças com genes defeituosos ou doenças genéticas

Sharine e Brian Kretchmar, de Yukon, Oklahoma, experimentaram uma série de tratamentos para iniciar uma segunda gravidez. Depois de diversas tentativas frustradas, o médico do casal sugeriu que eles buscassem ajuda em um banco de espermatozoides.

Durante mais de um ano, o casal pesquisou cuidadosamente bancos e doadores de espermatozoides. O doador que eles escolheram era um homem de família, cristão como eles, segundo a empresa. Além disso, o mais importante era o fato de que ele não tinha registro de quaisquer doenças.

O espermatozoide do doador havia sido armazenado no New England Cryogenic Center, em Boston, nos Estados Unidos e, segundo o site do laboratório, testes de doenças genéticas diversas haviam sido realizados em todos os doadores.

O casal Kretchmar, então, decidiu apostar na ideia. Após uma inseminação artificial, Sharine engravidou. Em abril de 2010, ela deu à luz um garoto, Jaxon. O bebê, porém, apresentou problemas para evacuar já no primeiro dia de vida, indicando aos médicos que algo não estava certo. Mais tarde, Jaxon precisou passar por um procedimento cirúrgico. Depois da operação, os médicos não trouxeram boas notícias: o bebê era portador de fibrose cística.

“Nós basicamente ficamos arrasados”, contou Sharine Kretchmar, de 33 anos, que trabalha como enfermeira.

“Primeiro, não ficamos convencidos de que era fibrose cística, porque sabíamos que o esperma havia sido testado. Pensamos que poderia ser outra coisa”, conta.

Entretanto, o esperma, conforme a família descobriu após uma investigação, estava congelado havia mais de 20 anos e era de segunda-mão: havia sido comprado de um laboratório do outro lado do país que foi à falência.

Mas o teste genético mostrou que Jaxon portava de fato os genes da fibrose cística. Sharine Kretchmar não tinha ideia de que era portadora, mas ficou chocada ao descobrir que o doador também era. O esperma doado, eles descobririam mais tarde, tinha décadas, tendo sido originalmente doado por um laboratório localizado no outro lado do país e congelado desde então. Ainda não está claro se ele foi devidamente testado.

Infelizmente, a experiência dessa família não é a única. Nos Estados Unidos, é alto o número de crianças concebidas a partir de espermatozoides doados que enfrentam doenças genéticas sérias, herdadas de homens que nunca conheceram. Entre as doenças, estão defeitos cardíacos sérios, distrofia muscular, neurofibromatose tipo 1 e síndrome do X frágil, a forma mais comum de retardamento mental em garotos.

Centenas de processos já foram documentados, mas é provável que haja milhares além deles, segundo Wendy Kramer, fundadora do Donor Sibling Registry (“Registro de Irmãos por Doadores”, em tradução livre), um site que ajuda famílias a contatarem outras cujos filhos foram concebidos com esperma do mesmo doador.

A doação de óvulos também apresenta riscos, mesmo que menores, quando comparados à de espermatozoides. Os doadores de esperma não têm mais chances de terem doenças genéticas, mas podem gerar um número muito maior de crianças – 50, 100 ou até 150 – cada uma delas carregando os genes defeituosos e sendo, assim, um vetor para espalhar ainda mais o problema na população em geral. A dimensão do problema está cada vez mais aparente, com o surgimento de comunidades online como a de Kramer.

“É preciso haver visibilidade e algum tipo de regulamentação do setor”, afirma.

Não há dados nos Estados Unidos com relação ao número de crianças que nascem a partir de sêmen doado, porque as mães não têm a obrigação de registrar essa informação. Há, porém, estimativas do nascimento de mais de 1 milhão de crianças concebidas com esperma ou óvulos doados anualmente.

A Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) exige que os doadores de esperma se submetam a testes que verificam a incidência de diversas doenças. Contudo, a regulamentação não exige que os bancos de esperma testem a presença de doenças genéticas no esperma.

Alguns dos melhores laboratórios realizam tais testes mesmo sem a obrigatoriedade, de acordo com as diretrizes promulgadas por organizações como a Sociedade Norte-Americana de Medicina Reprodutiva, que estimula os laboratórios a fazerem testes de doenças como a fibrose cística no esperma, caso a família apresente histórico da doença. Contudo, no geral, o doador passa por testes, mas não o sêmen.

Porém, o cumprimento dessas diretrizes não é obrigatório, e as práticas de testes genéticos variam amplamente ao redor dos Estados Unidos. Os críticos do setor têm exigido a realização de exames médicos e genéticos obrigatórios e sistemáticos em todos os doadores.

“Dispomos hoje de testes genéticos que estão disponíveis por cerca de 200 dólares, de modo que não há razão para os bancos de esperma não proporcionarem esse serviço aos clientes”, disse Kramer.

O setor de fertilidade, no entanto, tem resistido à ideia há muito tempo.

“Como a reprodução humana é e sempre será uma proposta arriscada, é impossível remover todos os riscos e incertezas implicados nesse processo”, disse Sean Tipton, diretor de relações públicas da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva.

“Nunca seremos capazes de dar conta de tudo. Com o aperfeiçoamento das capacidades técnicas dos exames genéticos, os bancos vão oferecer esse serviço. Mas testar tudo vai custar extremamente caro.”

A falta de registros regulatórios também dificulta que os bancos de esperma avisem as famílias relacionadas, e até mesmo os doadores, quando uma doença genética é descoberta em uma ou mais crianças. E as famílias dos doadores não são obrigadas a comunicar nascimentos ou doenças aos bancos de esperma.

Como a clínica não tem como saber se o esperma de um doador é defeituoso, pode ser que esse esperma continue a ser vendido por muito tempo após os problemas virem à tona.

Pamela Callum, consultora em Genética do California Cryobank, o maior banco de esperma do país, descobriu recentemente que um doador do banco tinha passado o gene da neurofibromatose tipo 1, ou NF1, para cinco filhos.

O caso foi relatado na edição de fevereiro do periódico Human Reproduction. A NF1 pode causar tumores benignos em nervos da pele, do cérebro e em outras áreas do organismo, contribuir para a ocorrência de problemas de aprendizagem e aumentar o risco de tumores cerebrais, leucemia e outros cânceres.

“A doença havia sido diagnosticada em outras duas crianças, mas os pais nunca nos contaram”, disse Callum.

“Se tivéssemos sabido antes, talvez tivéssemos conseguido retirar esse doador do catálogo mais cedo.”

“Nunca vamos conseguir eliminar as doenças genéticas. Isso é simplesmente impossível. Por isso o acompanhamento é tão importante.”

Vários dos maiores bancos de sêmen dos Estados Unidos estão tentando criar um registro nacional de doadores, um banco de dados centralizado e permanente para agregar os registros de doadores de sêmen e óvulos. As informações são de Scott Brown, diretor de comunicação do California Cryobank, que tem liderado a iniciativa.

Esse tipo de registro poderia ajudar a prevenir uma série de doenças genéticas entre os filhos dos doadores, uma vez que facilitaria a comunicação entre os pais e os bancos de sêmen. Dessa forma, os bancos teriam como eliminar os doadores que pudessem ser portadores de doenças sérias.

Max Jackson, de 18 anos, morador de San Rafael, na Califórnia, descobriu que sofria de um defeito cardíaco letal conhecido como cardiomiopatia hipertrófica, ou CMH, quando a família de um de seus “irmãos genéticos” – criança que carrega as mesmas características genéticas de seu doador – entrou em contato com o banco de sêmen para avisar sobre a doença. O doador se submeteu a um exame e descobriu que era portador da enfermidade.

Pelo menos outras oito crianças geradas a partir desse sêmen também são portadoras do mesmo problema cardíaco. Duas delas usam marca-passos e um garoto de dois anos faleceu recentemente por causa do problema, segundo consta de uma descrição do caso publicada no periódico da Associação Americana de Medicina.

Jackson, aspirante a rapper, deve tomar remédios para controlar a doença, e tem que manter sua frequência cardíaca abaixo de certo nível para não correr risco de sofrer uma parada cardíaca – a CMH é uma das principais causas de ataques cardíacos em jovens atletas. Recentemente, ele encontrou seu doador de esperma pela primeira vez, e descobriu que o homem e sua esposa também têm um filho com CMH.

“Ele disse que se sentia horrível por ter me passado a doença”, disse Jackson. “Eu acho que fiquei com menos medo da morte desde que descobri que tenho CMH. Isso me fez perceber a facilidade com que podemos morrer. Eu posso morrer durante uma corrida.”

A vida do casal Kretchmar mudou para sempre com a doença do filho. A fibrose cística é uma doença degenerativa crônica que causa a acumulação de muco no pulmão, além de problemas no sistema digestivo e em outras áreas do organismo. A expectativa de vida para os portadores é de cerca de 37 anos.

Jaxon, que hoje tem dois anos, precisa tomar cerca de 20 comprimidos todos os dias – ele aprendeu a engolir pílulas antes mesmo de aprender a andar, contou a mãe. Além disso, usa o nebulizador várias vezes por dia, e precisa vestir constantemente um colete que ajuda a amenizar a congestão nos pulmões.

O casal Kretchmar processou o Centro Criogênico New England, o banco que vendeu o esperma usado para conceber Jaxon. Descobriu-se que o esperma comprado veio do Rocky Mountain Cryobank, de Jackson, Wyoming, fechado alguns anos atrás. O espermatozoide foi doado há mais de 20 anos.

Uma porta-voz do Centro Criogênico New England, Jacalyn Fallman, disse que seu banco recebeu documentos do Rocky Mountain Cryobank que dizem que o doador tinha se submetido ao teste que verifica a presença de fibrose cística, mas acrescentou: “Parece que o teste realizado pelo Rocky Mountain estava com defeito”.

“Um dia terei de explicar ao Jaxon que a dor e as dificuldades que ele suporta todos os dias são desnecessárias e deveriam ter sido evitadas”, disse Sharine Kretchmar.

“Saber que eu não posso fazer com que meu filho deixe de sentir dor me dá uma sensação de impotência.”

Fonte iG

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