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terça-feira, 5 de março de 2013

Diagnósticos errados ajudam a fazer de Porto Alegre a capital brasileira líder no uso de drogas para hiperatividade

Entre crianças e adolescentes, desatenção e agitação
podem acabar justificando o uso do remédio
Entre 2009 e 2011, uso de metilfenidato aumentou 75% na faixa dos seis aos 16 anos em todo o país
 
Como maior centro de diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) no país, é compreensível que a capital gaúcha acabe também tendo também o maior índice de casos da doença diagnosticados. Esses e outros fatores tornaram Porto Alegre a capital brasileira líder em consumo de medicamentos para o problema, segundo pesquisa divulgada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no último dia 18. Mas os especialistas admitem: muitas pessoas — entre elas, crianças e adolescentes — utilizam esses remédios sem necessitá-los.
 
Coletados a partir dos registros do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) da agência, os dados mostraram que, entre 2009 e 2011, o uso de metilfenidato — comercializado no Brasil com os nomes Ritalina e Concerta — aumentou 75% na faixa dos seis aos 16 anos.
 
Defensor da ideia de que o medicamento ajuda a reduzir um sério problema do desenvolvimento humano e infantil, o psiquiatra Luis Augusto Rohde, responsável pelo Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade do Hospital de Clínicas, concorda que, em muitos casos, a prescrição é feita indevidamente, em consultas rápidas. Entre os adultos, o problema maior são as pessoas que apenas desejam aumentar o desempenho nos estudos. Entre crianças e adolescentes, desatenção e agitação podem acabar justificando o uso do remédio.
 
A questão é que nem toda criança agitada e distraída tem TDAH. O diagnóstico é bem mais complexo do que isso, alerta a psicóloga Lilian Shontag. Mesmo que a criança apresente todos os sintomas — desatenção, impulsividade, baixa tolerância a frustração, tendência a se distrair facilmente e excessiva atividade em hora e lugar errados — pode não ter a doença.
 
No seu consultório, a psicóloga Alice Peres Duarte recebe inúmeras crianças com o problema diagnosticado. A maioria delas, no entanto, poderia estar recebendo um tratamento que não se encontra na farmácia:
 
— Vejo crianças muito novas sendo tratadas indevidamente. Da amostra que atendi, boa parte não precisaria estar sendo medicada. Precisava, sim, era de pais mais presentes.
 
Segundo Alice, são crianças ansiosas, carentes, que fazem uma série de peripécias para chamar a atenção. Elas têm um estilo de vida solitário e atitudes que, às vezes, extrapolam o limite da gracinha e resultam em comportamentos atrapalhados ou desatentos. E fazem isso para atrair o olhar dos responsáveis.
 
Os efeitos costumam ser notados na escola, quando professores diagnosticam dificuldade na aprendizagem ou veem crianças que querem fazer tudo ao mesmo tempo, mas não conseguem terminar nada. O fato faz com que alguns professores indiquem que os pais procurem tratamento. A psicóloga conta que vários pacientes chegam recomendados pelas escolas.
 
— Elas querem soluções a curto prazo. Mas muitas vezes a criança é encaminhada, medicada, e os conflitos continuam. Cada criança tem uma história. Não se pode uniformizar o tratamento.
 
Professores e pais ajudam no diagnóstico
Um dos transtornos neurológicos do comportamento mais comuns da infância, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) afeta de 8% a 12% das crianças no mundo. Os fatores que levam à doença podem ser hereditários e comportamentais, copiados dos pais ou responsáveis. O problema é quando ela não é diagnosticada ou o diagnóstico é feito de forma errada.
 
Estudo do oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, do Instituto Penido Burnier, de Campinas, mostrou que, das 365 crianças que começaram a usar óculos de grau durante projeto desenvolvido pelo braço social do hospital, 36,2% ficaram menos agitadas, 57% ganharam concentração e 51,1% passaram a finalizar tarefas que antes não finalizavam. Significa que um par de óculos pode eliminar alguns dos principais comportamentos que caracterizam a doença — falta de atenção, agitação, dificuldade de concentração e de relacionamento interpessoal. Resultado: segundo os pesquisadores, a maioria das crianças que usava medicamentos para TDAH teve diagnóstico errado. Das 128, só 27,3% tinham a doença.
 
O psiquiatra Luis Augusto Rohde explica por que o diagnóstico não é tão simples:
 
— Não existe divisão entre o grupo dos "atentos" e o dos "desatentos". O transtorno é um conceito gradual, como o de altura ou pressão arterial. O que fazemos com a TDAH é colocar um ponto de corte a partir do nível de intensidade em que os sintomas causam prejuízo funcional na vida do indivíduo.
 
Adriana Fork Perez, psicóloga e terapeuta familiar, diz que, embora existam protocolos para a avaliação, na prática a soberania do diagnóstico é clínica:
 
— É preciso observar o comportamento da criança no dia a dia e estar atento às queixas da escola e da família.
 
Mesmo com o diagnóstico correto, outra pesquisa afirma que os medicamentos não são eficazes. Divulgado no mês passado, o estudo do Centro de Crianças da Universidade Johns Hopkins (EUA) publicado no Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry revela que nove em cada 10 crianças com TDAH moderado ou grave continuam a enfrentar os sintomas muito tempo depois de seus diagnósticos originais. Mostrou, também, que inúmeras crianças que tomam medicamentos para o problema tinham sintomas tão graves quanto aqueles que estavam sem medicação.
 
A psicóloga Adriana, porém, tem outra experiência no consultório:
 
— O uso da medicação é muito eficaz na diminuição da intensidade dos sintomas.
 
Apoio familiar
Diferentemente do que muitas pessoas pensam, crianças com o problema de déficit de atenção ou hiperatividade são muito criativas e cheias de ideias. O problema delas é organizar essas ideias. Sem diagnóstico e tratamento, elas tendem a se tornar adultos confusos e com mais dificuldade de executar e finalizar tarefas. Além de medicamento e psicoterapia, é necessário o envolvimento familiar, explica a psicóloga Adriana Fork Perez. A proposta é que se ajude a criança a extrair o melhor de seu potencial e desempenho.
 
— Tanto a criança quanto a família costumam se sentir muito melhor depois que compreendem o que está acontecendo — diz ela.
 
Efeitos colaterais
Entre os efeitos colaterais associados ao metilfenidato, estão, a curto prazo, perda de apetite, irritabilidade e cefaleia, e, a longo prazo, diminuição no crescimento e problemas cardiovasculares. É por isso que é importante acertar na dose e fazer a utilização do medicamento em consonância com tratamento de psicoterapia. Segundo o psiquiatra Luis Augusto Rohde, a corrente terapêutica que mais tem apresentado soluções rápidas para frear o problema é a cognitivo-comportamental.
 
Aposta no tratamento multidisciplinar
Agitado, impulsivo, sem limites. Era assim que o filho de Maria do Carmo* se comportava quando ela percebeu que havia algo errado com a criança de apenas seis anos. Ao procurar ajuda psicológica e psiquiátrica, a mãe soube que o diagnóstico era de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). A partir dali, foi para a internet pesquisar sobre o assunto.
 
Moradora do interior do Estado, teve a sorte de encontrar na Capital uma médica especializada e logo começou uma bateria de exames para confirmar o diagnóstico. Após eletrocefalograma, testes motores e muita conversa com os pais, o resultado foi confirmado por exclusão, e optou-se pelo tratamento reunindo medicação e psicoterapia. A sorte é que a família tem plano de saúde e condições para desembolsar cerca de R$ 200 mensais para pagar a medicação. Do contrário, teria de esperar em média dois anos na fila para obter tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
 
Um equipe multidisciplinar reunindo neurologista, pediatra, psicopedagogo, entre outros profissionais, está tratando o menino há um ano e meio. Até acertar a medicação, foram testados três tipos de comprimidos. Porém, apesar de considerar a importância do remédio, a mãe diz que ele não é tudo — é preciso atuar em várias frentes, estabelecer rotinas e controlar.
 
Caso o transtorno não fosse identificado na infância, o menino poderia crescer acompanhado por uma série de problemas, e é isso que Maria do Carmo tenta evitar. Ela conta que, desde que descobriu o transtorno, passou a frequentar o encontro mensal do grupo de apoio da Associação Brasileira de Déficit de Atenção, onde aprendeu formas de lidar com a questão e pôde também compartilhar com outras mães seus desafios na criação do filho. Esse apoio a fortaleceu, inclusive, para enfrentar a resistência da própria família em relação ao tratamento.
 
* O nome foi alterado porque a entrevistada não quis se identificar
 
Como lidar com a doença
 
Na escolaEscolher a escola com cuidado ajuda a criança a obter sucesso no processo de ensinoaprendizagem. É recomendável não sobrecarregar a jornada com excesso de atividades extracurriculares. Em relação ao estudo, a dica é tentar as opções que mais se adaptem à realidade da criança. O contato próximo com os professores também ajuda a compreender melhor o que se passa em sala de aula.
 
Em casa
Dar instruções diretas e claras e ensinar à criança que ela não deve interromper suas atividades, mas tentar finalizar aquilo que começa. Estabelecer uma rotina diária com os horários para almoço, jantar e dever de casa. Manter o ambiente arrumado como forma de otimizar as chances para sucesso e evitar conflitos.
 
Comportamento
Advertir construtivamente o comportamento inadequado. Preparar a criança para mudanças que alterem sua rotina. Incentivar a exercer uma atividade física regular. Estimular a autonomia, considerando a sua idade, e que a criança cultive amizades. Ensinar também formas de lidar com situações de conflito (pensar, chamar um adulto, esperar).
 
Fonte Associação Brasileira de Dédicit de Atenção

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