Foto: Antonio Cruz/ABr David Uip, médico infectologista, é diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas |
Em 1973, aluno da Faculdade de Medicina da Faculdade de Medicina do ABC, primeiro como voluntário, a seguir como sub-coordenador da área de saúde do Projeto Rondon, no Campus Avançado de Arassuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG), senti de perto a total falta de estrutura para a prestação de assistência médica de qualidade a um povo já sofrido. Tivemos que fazer um parto em plena estrada de terra, pois o serviço de saúde era muito distante, as condições da rodovia eram terríveis e não havia mais tempo.
Éramos um grupo de entusiastas, estudantes motivados, mas sempre sob supervisão acadêmica. Ninguém estava ali se não pela sua própria vontade.
Em 1976, já residente da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, continuei no Projeto Rondon, no Campus Avançado de Marabá, no interior do Pará, onde as dificuldades não eram menores. O atendimento às populações ribeirinhas ocorria após uma linda travessia de barco seguida por uma esburacada e longa estrada.
Há 11 anos, convidado pelo governo de Angola, liderando uma equipe de médicos, enfermeiros e biologistas, coordeno dois projetos, o de prevenção à transmissão vertical do HIV e o de biossegurança nos hospitais nacionais. Chegamos lá logo após o fim de uma guerra civil. Entre outras ações auxiliamos a qualificar os recursos humanos locais para prestar assistência aos doentes de seu povo, por meio de treinamentos e intercâmbios.
Esta experiência de décadas me permite dizer, categoricamente, que não se resolve a carência de médicos no interior do Brasil contratando profissionais estrangeiros sem revalidação do diploma ou um exame de pró eficiência em língua portuguesa.
Qualquer médico brasileiro precisa comprovar o domínio do inglês fluente se quiser estagiar nos EUA, por exemplo. Trata-se de requisito elementar. Na atenção primária em saúde, a conversa com o paciente é fundamental. Se não entender a história do paciente, como tratá-lo?
Nos rincões brasileiros, a carência de estrutura mínima dos serviços de saúde, sem contar a questão do acesso, ainda é, infelizmente, uma realidade em muitos locais. É preciso condições adequadas no local de trabalho e, fundamentalmente, a possibilidade de crescimento em termos de carreira e qualificação. Nenhum médico hoje ficará satisfeito simplesmente em razão do salário.
Preocupa do mesmo modo a proposta do MEC em relação à extensão dos cursos de medicina, com residência compulsória no SUS. Não foi estabelecido de que forma esses alunos serão monitorados à distância ou qual faculdade tem corpo docente suficiente e capacitado para ensinar nas salas de aula e monitorar alunos à distância, simultaneamente.
Se não forem elevados os recursos destinados para a área da saúde, não se faz política pública neste país. Os futuros médicos brasileiros querem lutar por um país melhor, almejam a humanização na saúde, mas antes é preciso dar-lhes subsídio e, acima de tudo, um plano de carreira.
O Instituto de Infectologia Emílio Ribas, referência no tratamento de doenças infecciosas e parasitárias para a América Latina, forma residentes para o país inteiro. Vejo jovens dispostos, que ainda mantêm o romantismo pela profissão e são bem qualificados, mas que não encontram condições mínimas de trabalho em muitos lugares.
O Brasil já avançou bastante nas últimas décadas em saúde pública. A população hoje está vivendo mais e com maior qualidade. Ainda temos muito para avançar na área de ensino, pesquisa e qualificação em medicina. Queremos médicos brasileiros e, até mesmo estrangeiros, com condições adequadas para proporcionar saúde.
Fonte isaude.net
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