Foto: UNICAMP Teste em laboratório manipula átomos e moléculas |
O paciente recebe uma injeção sob a pele. O líquido aplicado transforma-se em um gel, que contém nanopartículas "recheadas" com fármaco anti-inflamatório. Aos poucos, o organismo começa a receber doses do fármaco a partir do depósito formado ali.
Essa será a aplicação de uma nova formulação desenvolvida em pesquisa de mestrado apresentada pela química Letícia Paifer Marques, na pós-graduação do Instituto de Química da Unicamp, sob a orientação do professor Francisco Benedito Teixeira Pessine.
Trata-se da tecnologia Depot (depósito) para entrega modificada de dois fármacos empregados como anti-inflamatórios, a dexametasona e a betametasona, encapsulados em nanopartículas lipídicas sólidas. "Uma vez introduzido no organismo, o fármaco vai sendo liberado gradativamente", afirma Pessine.
Na prática, isso pode permitir que pacientes em tratamento prolongado recebam doses menores desses anti-inflamatórios, com menor frequência, e apresentem menos efeitos adversos, como retenção de líquido pelo organismo, em aplicações de curto prazo, e até complicações mais severas já estudadas, como catarata, em decorrência de consumo frequente e prolongado desses dois medicamentos.
"Alguns dos efeitos adversos ocorrem porque o medicamento é distribuído sistemicamente no organismo. Então, se a entrega for realizada no local da inflamação, os efeitos sistêmicos podem ser menores", explica Letícia, autora da pesquisa.
Por enquanto, os experimentos foram realizados em laboratório, para o desenvolvimento das nanopartículas que carregam o fármaco e da tecnologia Depot, que assegura a entrega controlada dos medicamentos. Por se tratar de algo inovador para os dois tipos de fármacos escolhidos, a dexametasona e a betametasona, o professor Pessine prepara o processo de pedido de patente dessa nova tecnologia com o apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp.
Existem outras possibilidades para a entrega controlada de medicamentos, já utilizadas pela medicina, por meio de implantes colocados no organismo de pacientes, mas isso exige a realização de procedimento cirúrgico, o que é dispensável pela técnica Depot, segundo os pesquisadores. Basta uma injeção, o "bioimplante" está colocado no doente.
Por analogia, é possível comparar a entrega com sistema Depot a uma bomba sob medida, dimensionada (em sua capacidade de explosão e de efeitos) e planejada para atingir um alvo específico, com o menor resultado de danos colaterais em razão do ataque, a exemplo das estratégias modernas de emprego militar.
Manipulação de átomos e moléculas
Para compreender melhor a novidade, é preciso saber que nanotecnologia envolve a manipulação de átomos e moléculas, em tamanhos que os cientistas chamam de "nanoescala", ou seja, um nanômetro é a bilionésima parte do metro, o equivalente a um milhão de vezes menor que o diâmetro da cabeça de um alfinete ou 80 mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo.
Em laboratório, Letícia produziu nanopartículas lipídicas carregadas com fármaco e um sistema de entrega do medicamento, formado por polissacarídeos que, em contato com o corpo, transformam a solução líquida no gel que será gradativamente assimilado pelo organismo.
É a temperatura do corpo que ativaria, quimicamente, a formação do depósito de anti-inflamatório sob a pele, depois da aplicação de injeção subcutânea. Os produtos usados para a fabricação das nanopartículas são biocompatíveis e biodegradáveis, destaca a química.
"Uma pessoa poderia ficar pelo menos seis dias sem receber nova aplicação do fármaco", afirma Letícia. Nesse caso, o paciente receberia uma injeção e apresentaria uma leve saliência sob a pele, no local onde foi criado o depósito químico de medicamento.
A dexametasona e a betametasona são medicamentos da classe dos corticosteroides que atuam no tratamento e prevenção de processos inflamatórios de diversas naturezas.
Na pesquisa, Letícia não alterou a estrutura química dos fármacos e trabalhou com o princípio ativo, não o medicamento que é vendido em farmácias. Desse modo, a manipulação com nanotecnologia não interferiu nas propriedades dos medicamentos, explica a autora do trabalho de mestrado, que contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
As nanopartículas são produzidas através da utilização de um aparelho conhecido como homogeneizador, que agita os componentes da formulação a uma velocidade de até 18 mil rotações por minuto, desta forma as nanopartículas carregadas com os fármacos estudados um de cada vez, pois os medicamentos não foram combinados são produzidas. O processo de preparo dura 40 minutos, mas são necessárias mais 24 horas em geladeira para estabilização.
O futuro
Desenvolver uma tecnologia Depot não é tão simples. Segundo o professor Pessine, orientador da pesquisa, os dois fármacos estudados apresentam estruturas químicas parecidas mas, mesmo assim, foram liberados em quantidades e velocidades diferentes ao longo dos ensaios in vitro, por isso a necessidade de mais estudos para cada tipo de fármaco a ser investigado com esta tecnologia.
A equipe do professor dará continuidade a outras pesquisas nessa mesma área para aplicar a nova técnica e outros fármacos. "Isso representa a possibilidade de mais conforto para os pacientes em tratamento", avalia Pessine, ao comentar sobre o potencial da técnica.
Isaude.net
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