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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Projeto usa botos do rio Negro (AM) para reabilitar crianças com deficiências

O fisioterapeuta Igor Simões Andrade com Wendel Albuquerque, 3, em sessão de boto-terapia no rio Negro (AM)
Renzo Gostoli/Divulgação
O fisioterapeuta Igor Simões Andrade com Wendel Albuquerque,
3, em sessão de boto-terapia no rio Negro (AM)
Leonardo Cavalcante, 15, nada tão bem que poderia ser chamado de menino-boto. Há oito anos, quando começou a fazer terapia com botos-cor-de-rosa, no rio Negro, em Iranduba (25 km de Manaus), ele mal andava. "Não tinha equilíbrio, só caía", diz.
 
Leonardo nasceu sem os braços e com uma diferença de altura entre as pernas.

Ele foi um dos primeiros pacientes de boto-terapia do fisioterapeuta Igor Simões Andrade, 37, que adaptou para a realidade amazônica uma técnica de tratamento já existente no exterior, feita com golfinhos em cativeiro.
 
"No primeiro dia tive medo de tudo", lembra o menino, que aprendeu a nadar imitando o movimento dos animais. "Vejo como eles fazem e vou atrás. Hoje peguei carona com um, nadei ao lado e depois fiquei em cima dele", conta.
 
Desde o início do projeto, aprovado há quatro anos pelo Ibama, Andrade contabiliza cerca de 600 atendimentos, quase todos feitos de graça em crianças com deficiências motoras, síndrome de Down ou doenças do sangue, como anemia falciforme, encaminhadas por instituições parceiras do terapeuta.
 
Leonardo Cavalcante, 15, antes da sessão de boto-terapia
Renzo Gostoli/Divulgação
Leonardo Cavalcante, 15, antes da sessão de boto-terapia
 
A atividade, que antes era feita uma vez por mês com o apoio de um hotel da região, vai ser ampliada agora graças a uma parceria com a Ampa (Associação Amigos do Peixe-Boi). O objetivo é atender 70 crianças por ano. Hoje há fila de espera.
 
"Meu sonho é fazer uma sessão por semana", diz Andrade. A cada encontro, ele leva a um flutuador no meio do rio um grupo de quatro ou cinco crianças. Antes de cair na água, elas são atendidas individualmente pelo fisioterapeuta, que é especialista em rolfing, técnica de terapia corporal surgida nos EUA.
 
Depois, as crianças ficam na água de 20 a 30 minutos, quando tocam o animal e fazem exercícios inspirados no rolfing. "Imitamos movimentos do boto, trabalhamos a força nas pernas, capacidade respiratória, flexibilidade."
 
Mineiro radicado em Manaus desde 2005, Andrade conquistou a amizade de um grupo de botos brincando com bolinhas. "A empatia foi instantânea, mas me preparei por quase um ano antes de trazer as crianças."
 
Hoje são cerca de 20 animais, que ficam livres e são atraídos pelas bolinhas na hora da sessão. Alguns têm até nome, como Moleque e Menteco.
 
O paciente-modelo, Leonardo, vai a todas as sessões e ajuda a monitorar novos adeptos, como Ezequiel Ruiz da Silva, 6, que está no quarto encontro. A avó, Maria Auxiliadora de Oliveira Ruiz, 53, já vê resultados. "Ele era muito inquieto, tem problemas na coordenação motora. Agora está mais centrado, até a professora elogiou."
 
Bicho terapêuta 
A terapia assistida por animais não é novidade. As técnicas mais conhecidas usam cães ou cavalos, mas há também terapia com pássaros, coelhos, roedores, gatos.
 
Em geral, o animal serve como ponte entre o paciente e o terapeuta, quebrando o gelo e fortalecendo o vínculo, diz Ceres Faraco, veterinária e doutora em psicologia.
 
"Ele serve como motivação para o tratamento. Pode ser usado para tratar pessoas com transtornos psiquiátricos, motores e doenças degenerativas."
 
Segundo o fisiatra Daniel Rubio, da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, apesar dos bons resultados, ainda falta comprovação científica para os resultados das terapias com bichos. Mais ainda para a que usa golfinhos ou botos.
 
"Sem dúvida há uma riqueza de estímulos, principalmente em associação ao meio aquático. Mas não há garantias de seus benefícios."
 
Faraco faz ressalvas quanto à segurança do tratamento. "Não são animais previsíveis como cães. Eles podem interagir de forma violenta. Há risco de passar ou pegar uma infecção do animal."
 
Segundo Andrade, não há casos de infecções entre crianças do projeto. Vera Silva, pesquisadora do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e conselheira da Ampa, diz que as crianças não têm doenças que possam transmitir aos botos. "A convivência com eles é prazerosa, tudo contribui para melhorar a motivação dos pacientes."
 
Folhaonline

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