Brasília – Um levantamento da Fundação Oswaldo Cruz mostra que a maior parte
dos estudos conduzidos de 2006 para cá por universidades e institutos aponta o
agrotóxico 2,4-D, usado para combater ervas daninhas de folha larga, como
causador de danos à saúde humana, animal ou ao meio ambiente.
Segundo a pesquisadora e toxicologista Karen Friedrich, responsável pelo
levantamento, os resultados contrastam com os encontrados por empresas privadas
em relação à substância. Os dados foram apresentados durante audiência pública
no Ministério Público Federal (MPF) para discutir a liberação no mercado de
sementes transgênicas de milho e soja resistentes a esse tipo de agrotóxico.
O MPF e alguns pesquisadores temem o aumento do uso de 2,4-D por produtores
rurais caso esses organismos geneticamente modificados sejam autorizados no
país.
Para Karen, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deveria
reavaliar a permissão para uso do herbicida no país. Consequentemente, não
poderiam, também, ser permitidas as sementes transgênicas resistentes a ele. "Um
produto transgênico resistente ao 2,4-D só vai causar o aumento do consumo de um
agrotóxico que era para ser proibido. Estudos de pesquisadores isentos mostram
relação com danos como má-formação fetal, mutações genéticas, câncer. A maioria
foi feita em animais de laboratório, mas alguns em população humana", destacou a
pesquisadora.
De acordo com Karen, uma entidade da sociedade civil ou um parlamentar pode
encaminhar o pedido de reavaliação à Anvisa. A substância foi reavaliada pela
última vez em 2006, e mantida. No entanto, de acordo com a pesquisadora, de lá
para cá foram feitas mais pesquisas sobre o 2,4-D.
Karen Friedrich ressalta ainda que a Anvisa enfrenta dificuldades nos
processos de reavaliação, que são interrompidos por muitos recursos judiciais.
"Em 2008, ela [Anvisa] indicou 14 [agrotóxicos para reavaliação] e ainda não
conseguiu terminar a análise de todos. Proibiu quatro, manteve dois e os outros
ainda estão aguardando", informou. No Brasil, diferentemente do modelo adotado
em países em que há reavaliação periódica, quando um agrotóxico é registrado,
sua autorização é permanente. Ela pode ser revista, no entanto, caso estudos
evidenciem que a substância pode trazer riscos à população ou ao meio
ambiente.
Outro representante da Fundação Oswaldo Cruz, Luiz Cláudio Meirelles,
destacou o fato de que o 2,4-D está na classe dos herbicidas que podem liberar
dioxina em seu processo de fabricação. Trata-se de uma impureza suspeita de
causar danos reprodutivos e alguns tipos de câncer. Há uma preocupação pelo fato
de o Brasil não ter laboratório adequado para medir a dosagem de dioxina na
sustância. "Acho que é um produto que, no mínimo, tem que ser descontinuado,
caminhando para o banimento."
Enquanto, na avaliação da Fundação Oswaldo Cruz, o 2,4-D não é adequado para
uso, empresas privadas alegam que o herbicida não causa danos, desde que usado
da maneira e na dosagem corretas. O médico toxicologista Flávio Zambrone,
presidente do Instituto Brasileiro de Toxicologia e consultor da Força Tarefa,
grupo formado por quatro empresas – Dow Agrosciences, Atanor, Milenia e Nufarm
–, afirma que não há dados conclusivos vinculando o 2,4-D a danos à saúde e ao
meio ambiente.
"O perigo é inerente à substância. Mas, se a exposição for em dose segura,
não apresenta risco", disse Zambrone. Segundo ele, o agrotóxico apresentou o
mesmo pacote de dados que outros pesticidas e passou por testes em animais antes
de ser aprovado no Brasil. "Quando você passa de animais para homens, as doses
são em um valor 100 vezes menor."
Outro argumento favorável ao 2,4-D apresentado toxicologista é que o
herbicida está registrado em 70 países e, até o momento, não foi suspenso por
eles. Recentemente, houve reavaliação no Canadá e nos Estados Unidos, com
manutenção da permissão para o produto. Quanto à dioxina, ele acredita que a
ausência de um laboratório que meça a dosagem no Brasil não é motivo para
descontinuar o uso do agrotóxico. "É uma impureza séria, mas tem dose segura. Se
não temos laboratório, temos que criar ou fazer [o teste da dosagem] fora",
defendeu.
Após a audiência pública de hoje, equipes técnicas do Ministério Público
Federal vão redigir pareceres. A partir desse material é que o órgão vai decidir
os próximos passos com relação ao 2,4-D e às sementes resistentes ao agrotóxico.
Atualmente, estão em curso inquéritos civis instaurados pelo MPF, para avaliar
irregularidades na liberação das sementes transgênicas pela Comissão Nacional de
Biossegurança (CTNBio) e a segurança da permanência do 2,4-D no mercado
brasileiro.
Agência Brasil
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