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Não é a falta de estrutura, mas a negativa familiar o principal motivo para que um órgão não seja doado no Brasil. De todas as mortes encefálicas e que, portanto, os órgãos poderiam ser transferidos para pacientes que correm risco de morte, pouco mais da metade se transforma em doação. O número é alto e cresceu de 41%, em 2012, para 47% em 2013, segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).
De acordo com o nefrologista José Medina Pestana, a principal justificativa das famílias para não doar órgãos é o fato de nunca terem conversado sobre o desejo de doar. “Por isso, insistimos que isso tem que ser assunto de família”, diz o integrante da ABTO.
Quando isso não é um assunto resolvido, cabe a uma equipe do hospital responsável pela captação de órgãos explicar à família que a morte encefálica já é a morte. Quando ela é decretada é porque ocorreu a parada definitiva e irreversível do cérebro e do tronco cerebral, o que provoca em poucos minutos a falência de todo o organismo.
No Hospital Bandeirantes, coube a uma integrante desta equipe conversar com a professora de língua portuguesa Gizele Caparroz de Almeida, 50 anos. Na festa de Ano Novo, seu marido, Varlei de Almeida, sentiu uma forte dor de cabeça. Era mais uma vítima de um AVC hemorrágico.
Na segunda-feira do dia 6 de janeiro deste ano, menos de uma semana após o AVC, Varlei morreu. “A gente não sabia o que era morte cerebral. A gente nunca tinha falado sobre doação de órgãos. Se tem um mito em família é o mito da morte. Ninguém está preparado para isto. Eu não estava”, lembra Gizele.
Gizele conta que a atuação da enfermeira captadora de órgãos foi fundamental não só para que os órgãos fossem doados, mas também para que a família entendesse o que estava acontecendo e trabalhasse o luto. Além de explicar que a morte cerebral é irreversível, a profissional explicou que tinham sido feitos testes neurológicos e clínicos que atestavam a morte.
“A enfermeira Tamires fez muito mais que uma captação de órgãos. Foi um apoio psicológico para todos nós. Explicou o que estava acontecendo, o que era morte cerebral, respondeu nossas perguntas. É uma situação irreversível, mas não sabíamos disso e ainda tínhamos esperança que ele se recuperasse de uma espécie de coma. Principalmente minha filha mais nova ainda tinha muitas esperanças de que o pai sobrevivesse", lembra Gizele.
Após a conversa - em que participaram Gizele, as duas filhas (de 14 e 20 anos), o sogro e a cunhada - o fígado, os rins e a pele de Varlei foram doados. A família não pode doar o coração, pois os remédios durante a internação de cinco dias comprometeu a doação do órgão.
“A doação é uma forma de transformar a dor em algo bom. As pessoas podem fazer algo bom de uma situação de extrema tristeza como esta que estou vivendo. Eu sei que é uma visão romântica, mas a doação ajuda a pensar que ele continua”, diz Gizele. “Estávamos casados há 25 anos, no ano passado fomos viajar, trocamos aliança. É uma dor imensa. A morte foi de uma hora para outra. A gente tem – e eu não vou falar tinha – uma família linda. Mas não tem ruptura quando se tem amor”, completa.
No início de março, Gizele voltou a dar aula. “Acho que é melhor não parar, né?”. Na primeira semana de aula os alunos fizeram um projeto sobre o acidente de Santa Maria, onde mais de 200 pessoas morreram. “Os meus alunos escreveram crônicas lindas sobre o que aconteceu e um dos temas abordados foi a necessidade de muitos receberem doação de pele. Não tinha banco suficiente no Brasil”, lembra.
iG
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