A importância não só ética (administrativa), mas também judicial da observância da Resolução CFM 1802/06
Por Verônica Mesquita
A responsabilidade civil decorrente da atividade médica é um tema extremamente interessante, sendo que a do anestesiologista encontra posições jurisprudenciais que não são uniformes.
Por onde tudo começa?
Por um dos princípios fundamentais do Código de Ética Médica – CEM, II, que reza que “O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional”.
E continua pela correta e legível anotação no prontuário do paciente.
A Resolução CFM nº 1.802/06, dispõe sobre a prática do ato anestésico e tal norma implica num código de conduta do anestesiologista de seguimento obrigatório.
Os artigos da Resolução citada determinam o que o anestesiologista deve fazer antes, durante e depois da aplicação da anestesia. Cabe destaque para:
a) o ato anestésico é decisão soberana e intransferível do anestesiologista – portanto, caso ele decida pela não realização, o cirurgião não poderá se sobrepor e determinar que o ato anestésico seja realizado;
b) avaliação pré-anestésica com antecedência, de preferência antes da internação hospitalar – a consulta deve ser pormenorizada com a verificação das condições clínicas, procedimento proposto, entre outros.
c) manter a vigilância permanente do seu paciente – ou seja, não pode o anestesiologista sair para consulta ou descanso, ainda que no mesmo serviço de saúde.
d) realização simultânea de anestesia em pacientes distintos - não pode o mesmo anestesiologista cuidar de mais de um paciente no centro cirúrgico. A sua responsabilidade segue até a alta do paciente da sala de recuperação pós-anestésica e com atendimento de um paciente por vez.
e) documentação mínima dos procedimentos anestésicos que inclui: ficha de avaliação pré-anestésica, ficha de anestesia e ficha de recuperação pós-anestésica.
Condutas médicas que não atendem a Resolução em estudo ferem também diversos dispositivos legais, por exemplo: CEM (arts. 1º e 2º), Constituição Federal (arts. 1º, III e 5º, X) e Código de Defesa do Consumidor – CDC (art. 6º, I e III).
Quando não ocorre nenhuma complicação no ato cirúrgico ou mesmo no pós-cirúrgico, tais condutas violadoras das normas referidas são arquivadas com o prontuário do paciente, no entanto, situação diversa acontece quando o paciente sofre dano e busca a sua reparação no Judiciário.
Jurisprudência
Tem-se notado o aumento das ações de responsabilidade civil oriundas do chamado “erro anestésico”.
Partindo-se da premissa de que a relação médico-paciente é de consumo, aplica-se o CDC. E que a sua obrigação é de meio, vale dizer, não tem a cura como o fim, mas sim a aplicação dos seus conhecimentos técnicos e esforços no tratamento proposto apura-se a culpa (responsabilidade subjetiva) representada pela negligência, imprudência ou imperícia e o estabelecimento do nexo causal, ou seja, que a conduta omissiva ou comissiva do médico tenha causado o dano ao paciente para, ao final, ser imposta a responsabilidade civil (ou não).
Neste sentido a jurisprudência do TJSP: responsabilidade subjetiva e obrigação de resultado:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. Erro Médico. Ação movida por genitores e pela vítima menor em razão de complicações posteriores à cirurgia de hérnia, sofrendo o paciente parada cardiorrespiratória enquanto aguardava na Sala de Recuperação Pós-Anestésica Anestesia realizada com as cautelas devidas - Não há obrigação do anestesista, em casos de normalidade, de acompanhar o paciente durante todo o período em que permanecer na Sala de Recuperação, onde fica aos cuidados da Enfermagem e dos médicos de plantão - A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais deve ser apurada mediante a verificação de culpa (art. 14, § 4º, Lei n. 8.078/90), tratando-se, portanto, de hipótese de culpa subjetiva. Prova pericial que afasta qualquer conduta culposa. Agravo retido não conhecido - Recurso desprovido. (Apelação cível 0015228-59.2006.8.26.05, rel. Alcides Leopoldo e Silva Júnior, j. 24-06-2014)”
O TJSC já se posicionou no sentido contrário: a obrigação do anestesiologista é de resultado:
“ANESTESIOLOGISTA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. O compromisso do anestesista nasce com a preparação do assistido e vai até que o estado de saúde deste seja restabelecido após a intervenção cirúrgica. Consequentemente, tal qual ocorre com os profissionais da área da medicina estética, o anestesista responde por uma obrigação de resultado, qual seja, trazer o paciente ao seu estado normal de saúde após a intervenção a que se submeteu. (...)" (Apelação Cível n. 2010.079530-6, da Capital, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 06-12-2012).”
Seja a obrigação de meio ou de resultado, ora não se debaterá isso, fato é que as determinações impostas pela Resolução em debate, caso atendidas e devidamente documentadas, poderão fazer a diferença entre a procedência e a improcedência da ação indenizatória por responsabilidade civil.
Em ações desta natureza o prontuário do paciente, no qual os documentos referidos são integrantes, serão periciados. E foi o que ocorreu no caso abaixo e teve como decisão o afastamento da responsabilidade do anestesiologista.
Seja a obrigação de meio ou de resultado, ora não se debaterá isso, fato é que as determinações impostas pela Resolução em debate, caso atendidas e devidamente documentadas, poderão fazer a diferença entre a procedência e a improcedência da ação indenizatória por responsabilidade civil.
Em ações desta natureza o prontuário do paciente, no qual os documentos referidos são integrantes, serão periciados. E foi o que ocorreu no caso abaixo e teve como decisão o afastamento da responsabilidade do anestesiologista.
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROCEDIMENTO ANESTÉSICO. PARADA CARDIORRESPIRATÓRIA. AUSÊNCIA DE ERRO MÉDICO. Caso em que a autora foi submetida à cirurgia, sofrendo parada cardíaca após a intervenção. Prova pericial conclusiva de terem sido adotadas as corretas técnicas médicas, inexistindo falha ou erro na prestação do serviço, bem como em relação à reversão da parada cardíaca. Ausência de nexo causal entre a conduta do clínico e as sequelas apresentadas pela autora. Risco inerente ao procedimento anestésico utilizado. Inexistência de erro médico. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70057335499, TJRS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 20/02/2014).”
Nenhum comentário:
Postar um comentário