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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Casos de febre chicungunha chegam a 1,16 milhão no continente

AP/Derric Nimmo
Doença é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti 
Em janeiro do ano passado, eram apenas 111 registros. Propagação é mais acelerada que a do ebola em países do Oeste africano
 
Rio -  Há cerca de um ano, a febre chicungunha aportava nas Américas. Por se tratar de uma doença nova — contra a qual não há vacina nem imunidade na população local —, ela fez alarde. Pouco a pouco, a preocupação diminuiu e foi engolida pela atenção dada ao ebola, muito mais letal e fora de controle em países do Oeste Africano. Nesse meio tempo, o número de casos no continente americano rapidamente passou de 111, em janeiro de 2014, para impressionante 1,16 milhão, entre suspeitos e confirmados, até 23 de janeiro, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
 
Nem mesmo o ebola tem velocidade de propagação tão acelerada: 22 mil casos foram registrados entre o início da epidemia, em março passado, e a última quarta-feira, segundo a OMS. Além disso, com poucas e controladas exceções, é circunscrito à África. O chicungunha, porém, está próximo e já deflagrou surtos em cidades brasileiras. Poucos morrem pela doença (foram 172 registros no continente, contra oito mil mortes por ebola na África), mas seus sintomas são fortes: febre alta e dores articulares, em princípio; dores de cabeça e musculares, náuseas, vômitos, erupções e vermelhidão na pele e, eventualmente, conjuntivite. O pior é que podem perdurar meses, às vezes, mais de um ano.
 
— É verdade que o ebola mata muito mais, mas não podemos avaliar a intensidade de uma epidemia e a necessidade de atenção só pela taxa de letalidade. O chicungunha avança rapidamente pelo continente e vem causando enorme sofrimento aos doentes — comenta Celso Ramos, infectologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no Rio. — Além disso, tem provocado colapsos em sistemas de saúde de alguns países caribenhos, devido ao número enorme e repentino de pacientes.
 
O antropólogo francês Jean-François Véran viu de perto esse cenário. Morador do Rio, ele foi enviado pela ONG Médicos Sem Fronteiras ao Haiti em maio do ano passado a fim de realizar uma pesquisa sobre a dengue. Chegando lá, exatamente quando houve a declaração oficial da epidemia de chicungunha, seu foco de trabalho mudou.
 
— Eu já tinha trabalhado no Haiti no pico da epidemia de cólera, quando aprendi um ditado popular:
 
“os micróbios não matam os haitianos”. Era uma espécie de grito de orgulho nacional da capacidade do povo de resistir a esse mal, já que tantos outros o abatiam. Mas, no caso do chicungunha, o sofrimento é grande demais. Ouvia-os dizendo nunca terem sentido dores tão fortes. Andava pelas casas de Léogâne, e todas tinham pelo menos um doente completamente prostrado — relata o pesquisador.
 
O Haiti registrou mais de 64 mil casos até o último dia 23, número que Véran acredita estar subestimado. Ele cita que, entre a primeira e a última semanas de maio, 41% da população local foram infectados; além disso, 241 dos 400 profissionais de saúde (60%) estavam entre eles. Algumas cidades do país chegaram a ficar desabastecidas de paracetamol, um dos remédios indicados no tratamento. Na ocasião, Véran se somou às vítimas:
 
— Tentamos nos proteger, mas a presença do mosquito era generalizada. Fiquei incapacitado quatro dias inteiros. Depois, como precisava concluir a pesquisa, fui a campo, mas continuei com dores na coluna e nas mãos por três a quatro meses.
 
No Brasil , pico de transmissão está por vir
Véran destaca que a coexistência do chicungunha e da dengue é um desafio sério para a prevenção e o controle vetorial. Isso porque ambos os vírus são transmitidos pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus e, por isso, têm padrões de infecção parecidos, embora sejam doenças diferentes.
 
Anteriormente, os focos principais de infecção por chicungunha eram a Ásia e a África. Em dezembro de 2013 foi registrado o primeiro caso na ilha caribenha de Saint Martin, e, desde então, a doença tomou grandes proporções nas Américas, inclusive com alguns (poucos) casos autóctones nos Estados Unidos. A estimativa é a situação começar a melhorar na América Central, onde já ocorreu o pico epidêmico, e piorar no Sul, alerta Pilar Ramón-Pardo, assessora regional de manejo clínico de doenças infecciosas da Organização Pan-Americana de Saúde, ligada à OMS.
 
— A febre terá grande impacto este ano e nos próximos, quando esperamos ver as consequências das sequelas crônicas — afirma Pilar. — A urbanização descontrolada e sem planejamento, a falta de serviços básicos e de gestão ambiental, assim como as mudanças climáticas, são alguns fatores que contribuem para que o problema continue crescendo, apesar dos esforços dos países.
 
Superintendente de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Estado do Rio, Alexandre Chieppe diz estar bastante atento à situação.
 
— A possibilidade de epidemias explosivas de chicungunha é muito grande, pois o risco de propagação é maior que o da dengue, e é um vírus contra o qual a população brasileira ainda não tem imunidade — explica. — O período de janeiro a maio preocupa muito, especialmente a partir de março, quando o calor diminui, e as chuvas são mais regulares. O pico de transmissão está por vir.
 
Por enquanto, o estado registrou 44 casos, todos importados. Este mês houve três notificações. O verão seco que vem incomodando cariocas pode, ao menos, minimizar o risco de disseminação dos mosquitos, já que eles proliferam em locais de água parada. Os números de dengue, ressalta Chieppe, já são os mais animadores dos últimos anos.
 
O Ministério da Saúde também alerta para a possibilidade de novas ocorrências e reforça: a eliminação dos criadouros dos mosquitos transmissores é a melhor forma de prevenção, especialmente pelo controle de locais de água parada e sem proteção. Em dezembro, o órgão distribuiu R$ 150 milhões a estados e municípios para o reforço das ações de controle. No próximo dia 7, promoverá o segundo Dia D de mobilização contra o mosquito Aedes aegypti.
 
Surtos em Feira de Santana e Oiapoque
A situação carioca não se compara às de Oiapoque (AP) e Feira de Santana (BA). Segundo as vigilâncias de saúde locais, até meados de janeiro foram confirmados 1.552 e 1.009 casos, respectivamente, quase o total do Brasil. Famílias inteiras foram tomadas pela doença, que, no original (chikungunya), na língua do povo makonde, da Tanzânia, significa “aqueles que se dobram”, alusão às fortes dores características. Foi na Tanzânia que se registrou o primeiro surto, em 1952.
 
Não há tratamento específico além de repouso e do uso de analgésicos e anti-inflamatórios. Testes rápidos de diagnóstico são caros e inexistentes na maioria dos países. Tampouco existe vacina. Além de integrante do grupo de trabalho da ONG Global Virus Network (GVN) contra o chicungunha, Scott Weaver é coordenador de uma pesquisa de imunizante pela Universidade do Texas (EUA) e diz haver nove projetos internacionais em curso, dois deles já sendo testados em humanos. Ele explica que há apenas um vírus da febre (a dengue tem quatro), o que facilitaria o desenvolvimento do produto:
 
— O empecilho financeiro é maior que o científico. As grandes farmacêuticas resistem ao investimento. Um dos motivos é que, após a epidemia, a população se torna imune ao vírus.
 
Por isso, uma das propostas do grupo de trabalho da GVN é cobrar ações mais integradas:
 
— A seriedade do ebola nos forçou a pensar em formas de viabilizar a vacina, mesmo num cenário de mercado incerto. Consórcios internacionais de várias nações e indústrias são necessários, pois a disseminação de vírus não é um problema isolado, representa uma ameaça global.
 
 O Globo

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