Gonza Rodriguez/Arte ZH |
Elas passam pela dor do parto e garantem que não há nada mais sofrido. Eles afirmam que a pior dor do mundo é um chute entre as pernas. Para elas, a sensibilidade a uma enxaqueca muda conforme o período do mês. Para eles, costuma ser estável e aguda. Quando o assunto é dor, a ciência não deixa dúvidas: a igualdade de gêneros não tem vez. São eles os que resistem mais.
O impacto da dor segundo o sexo do paciente é um assunto que ainda intriga a ciência. Já é consenso que as mulheres sofrem com maior intensidade e frequência mesmo quando são acometidas pelas mesmas doenças que os homens — sejam elas uma artrite, dor de cabeça ou muscular. As explicações para isso são muitas e estão ganhando novos contornos.
Durante muito tempo, acreditou-se que os grandes responsáveis eram os hormônios. Como elas possuem menor concentração de testosterona (hormônio masculino que ajuda na redução da dor), teriam um limiar muito mais baixo para o problema.
Mas novos estudos mostraram que as diferenças são muito mais complexas e podem estar também em outro lugar: o cérebro. Ao induzir voluntários a diferentes estímulos dolorosos, pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, acompanharam a resposta cerebral por ressonância magnética e concluíram que os circuitos de interpretação da dor não são os mesmos em homens e mulheres.
Como consequência, estratégias para interromper a sensação dolorosa podem funcionar para eles, mas não para elas. Mesmo assim, ainda hoje as recomendações para tratamentos seguem sendo as mesmas para ambos os sexos.
Muito mais do que aliviar a curiosidade, essas descobertas estão abrindo as portas para o desenvolvimento de novos tratamentos, focados nas características de cada gênero.
Foi a partir dos anos 1990 que o tema das diferenças de gênero sobre dor e analgesia ganharam maior destaque clínico e científico. Além da constatação de que as mulheres são mais sensíveis, estudos epidemiológicos do Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos, indicaram que elas também são as mais suscetíveis a uma série de doenças, como artrite, fibromialgia e distúrbios nas articulações da face. Saiba o que a ciência tem investigado sobre o assunto.
Oscilações hormonais
Conforme dados reunidos pela Associação Internacional para o Estudo da Dor, a oscilação hormonal tem consequências para as mulheres muito mais sérias do que as mudanças no humor tão comuns na TPM.
— Há estudos que mostram que determinadas fases do ciclo menstrual estão relacionadas com a maior sensibilidade à dor. Curiosamente, esses efeitos não são encontrados em mulheres que usam contraceptivos orais, que passam a ter um perfil hormonal mais estável. Isso sugere que os hormônios sexuais podem desempenhar um papel importante para explicar a variação no limiar da dor — afirma Luís Josino Brasil, professor da Clínica de Dor do Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
É o que defende também a neurologista Camila Pupe, membro da Sociedade Brasileira de Neurologia. Conforme a especialista, os hormônios sexuais influenciam todo o sistema nervoso periférico e central e, provavelmente, contribuem de forma importante para as diferenças entre gêneros na percepção da dor. Para elas, além das mudanças mensais, os níveis hormonais se alteram significativamente durante e após a gravidez e a menopausa. Enquanto isso, os homens estão expostos a flutuações muito menores nos níveis hormonais ao longo da vida.
Fatores sociais e psicológicos
A sensação de dor também é envolta em aspectos subjetivos, como a relação com as emoções e o contexto social. Adivanio Cardoso Americo, anestesiologista do Serviço de Dor e Medicina Paliativa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, acredita que a percepção da dor está diretamente ligada a questões emocionais:
— A dor é uma experiência sensorial e emocional, sempre de aspecto individual. Ela é influenciada pela estrutura de personalidade, pelo estado de humor e pelo nível de ansiedade de cada um. E isso independe do gênero.
Já para Silvia Regina de Siqueira, diretora científica da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor, o aspecto cultural é o que traz mais impacto:
— Pela forma como as meninas são criadas, existe uma tendência de aceitar mais que a mulher demonstre seus sentimentos, entre eles a dor. E isso tem um lado positivo, que é o fato de elas se sentirem mais à vontade para buscar tratamentos. Já o homem reluta mais em admitir que precisa de auxílio, e isso pode prejudicar a saúde.
Diferentes interpretações no cérebro
Uma hipótese levantada por um grupo de 21 cientistas e publicada na revista científica Nature Neuroscience em junho deste ano reforçou que as diferenças entre eles e elas estão também no circuito de interpretação da dor, que vai desde o sistema imune até a forma como as informações são recebidas e decodificadas no cérebro.
Experimentos feitos em ratos já haviam mostrado que as micróglias, células que fazem parte do sistema de defesa do organismo, exerciam uma importante função no processamento da dor. Quando ativadas por inflamações e ferimentos, entre outros fatores, elas estimulavam o cérebro a sentir dor. Só que, enquanto nos machos o alívio dos sintomas era interrompido quando o funcionamento dessas células era bloqueado, nas fêmeas o mesmo não ocorreu.
Nelas, é outra célula do sistema de defesa (as chamadas células T) a responsável por dar o mesmo sinal de dor. Por essa razão, interromper o funcionamento das micróglias era inútil para as fêmeas.
— Existe um mecanismo alternativo ligado ao sistema imune de ratas fêmeas, que mantém a dor e sugere a importância de individualizar as pesquisas por sexo. Descobrir que elas processam a dor de modo diferente ajuda também a focar em terapias diferenciadas para cada gênero — complementa o anestesiologista Luís Josino Brasil.
O futuro dos tratamentos
As descobertas recentes sobre o tema têm elucidado muitas questões sobre a dor, mas convergido para uma dúvida em comum: os tratamentos precisam, então, mudar de acordo com o sexo?
Silvia Regina de Siqueira afirma que sim. Conforme a especialista, pesquisas mostram, por exemplo, que machos apresentaram melhores respostas aos opioides — analgésicos à base de ópio — do que fêmeas. Isso já está induzindo muitos médicos a ajustar as doses de analgésicos conforme o gênero do paciente.
— Esse é um começo, mas futuramente teremos muitas mudanças para fazer a partir dessas descobertas, focando as terapias conforme as diferentes respostas de cada sexo — conclui Regina.
Dores mais comuns neles— Dor causada por doenças cardíacas coronarianas
— Pancreatite crônica
— Gota (um tipo de artrite)
— Dores musculares e ósseas decorrentes de traumas
— Pancreatite crônica
— Gota (um tipo de artrite)
— Dores musculares e ósseas decorrentes de traumas
Dores mais comuns nelas
— Enxaqueca
— Dores na coluna
— Fibromialgia
— Dores abdominais
— Enxaqueca
— Dores na coluna
— Fibromialgia
— Dores abdominais
Zero Hora
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