O número de usuários que recorrem às farmácias da Prefeitura atrás desses medicamentos subiu 47% entre 2010 e 2014, passando de 592,8 mil para 874,4 mil pacientes; antidepressivos foram o tipo mais receitado. Médicos pedem cautela na prescrição
São Paulo - Em quatro anos, o número de usuários de medicamentos tarja preta na rede municipal de São Paulo cresceu 47%, passando de 592,8 mil pessoas, em 2010, para 874,4 mil em 2014. São 281,6 mil novos consumidores de antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos que recorreram às farmácias da Prefeitura no período.
Segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde, os moradores da capital consumiram no ano passado 166,8 milhões de comprimidos para transtornos psiquiátricos, 52% a mais do que em 2010.
Entre os tarja preta, os antidepressivos lideram: meio milhão de pessoas usaram o medicamento em 2014, e a expectativa da Prefeitura é de que o ano de 2015 registre recorde no consumo desse tipo de remédio. De 1.º de janeiro a 30 de setembro deste ano, 471,8 mil pessoas retiraram antidepressivos nas farmácias municipais.
O segundo tarja preta mais consumido na rede municipal em 2014 foram os ansiolíticos, calmante que ajuda a reduzir a ansiedade. São 203,3 mil usuários, e mais da metade toma Rivotril. Já os antipsicóticos, com 130,7 mil pacientes, tratam transtornos que causam alucinações, como a esquizofrenia.
Para Anderson Sousa Martins da Silva, psiquiatra da rede, uma das razões para o aumento do uso de medicamentos tarja preta é a diminuição do preconceito em relação aos transtornos psiquiátricos, o que estimula mais pessoas a procurar ajuda. “A própria Associação Brasileira de Psiquiatria tem feito campanha contra a psicofobia, esse estigma em torno dos pacientes psiquiátricos. Hoje as pessoas percebem cada vez mais que a depressão é uma doença como qualquer outra e precisa de tratamento”, diz.
O crescimento do estresse e da violência nas grandes cidades também são fatores importantes para o aumento das doenças mentais. “Muitas vezes, a pessoa associa um quadro de depressão a um evento-gatilho, como a morte de alguém ou uma separação, mas também é comum o problema aparecer sem uma motivação aparente, após anos de pressão e estresse crônico no trabalho, por exemplo”, afirma Silva.
Demanda reprimida
Professor do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Jair de Jesus Mari afirma que o crescimento de distribuição de medicamentos na rede municipal atende a uma demanda reprimida. “Não acredito que exista um fenômeno de medicalização. O que acontece é que, antes, as pessoas tinham menos acesso. Mesmo com esse aumento, estimamos que 50% das pessoas com depressão em São Paulo não recebem tratamento.”
O especialista afirma ainda que os números da Secretaria Municipal da Saúde desmentem o mito de que depressão é “doença de rico”. “Na verdade, as classes mais pobres têm risco maior pela própria condição precária de vida, dificuldades financeiras, baixo acesso ao lazer e violência. É positivo oferecer à população de baixa renda um tratamento que sabidamente é deficiente”, ressalta.
Mari afirma, no entanto, que é preciso ampliar também o acesso a outros serviços essenciais ao tratamento dos pacientes com transtornos psiquiátricos. “A oferta de psicoterapia não me parece tão ampla quanto a dos medicamentos. E o melhor tratamento é sempre aliar as duas coisas.”
Estratégias
O secretário municipal da Saúde, Alexandre Padilha, concorda que nenhuma estratégia isolada dá conta do problema. “Não podemos lidar com o tema de transtorno mental e de depressão em São Paulo só dispensando medicamento. Existe algo no modo de viver na cidade de São Paulo que leva as pessoas a quadros de saúde mental. É crescente isso.”
Diante do aumento de consumo e de usuários nos últimos quatro anos, a Prefeitura elaborou duas estratégias de estímulo ao uso racional desses medicamentos. A primeira é a promoção da saúde. A gestão quer aproveitar os espaços públicos para gerar mais atividades e convivência. De acordo com o secretário, as 157 Unidades Básicas de Saúde promovem grupos de prática corporal e integrativa.
“Estamos orientando esses grupos para que façam atividades fora dos muros. Pode ser nas praças, na frente das unidades. Precisamos inundar a cidade não só de medicamentos, mas de práticas corporais, estímulo às atividades físicas e convívio entre pessoas.”
A Prefeitura vai, ainda, editar um protocolo, previsto para o primeiro semestre de 2016, em que pretende sensibilizar profissionais da saúde mental para o uso “mais racional” dos medicamentos. “Queremos deixar mais clara qual é a indicação desses medicamentos”, afirma Padilha.
Estadão
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