Como alguém pode ser velho demais para se beneficiar de exames contra o câncer? Essa pergunta é recorrente, mas nunca foi respondida de maneira satisfatória. Agora ela voltou a surgir, no contexto de um polêmico estudo sobre o exame de prevenção ao câncer de próstata conhecido por PSA (sigla em inglês para "antígeno prostático específico"). O artigo, publicado em "The Journal of Clinical Oncology", indica que homens na casa dos 70 anos estão sendo examinados num ritmo quase duas vezes superior ao dos homens com 50 e homens entre 80 e 85 estão sendo examinados com a mesma frequência daqueles 30 anos mais jovens.
"Isso é intrigante", disse o principal autor, Scott E. Eggener, urologista da Universidade de Chicago. "Esperávamos que os homens jovens e saudáveis, com mais chances de se beneficiar, estariam sendo examinados com maior frequência e que esse ritmo diminuiria entre os idosos".
A Sociedade Americana do Câncer e a Sociedade Americana de Urologia desencorajam os exames de detecção para homens com expectativa de vida inferior a 10 anos. O câncer cresce tão lentamente que os exames poderiam levar esse mesmo tempo para mostrar qualquer benefício.
Recentemente, a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA concluiu que os exames de detecção deveriam ser interrompidos aos 75 anos. Mary Barton, diretora científica do grupo, afirmou que essa conclusão se baseou em "mais do que apenas uma falta de dados". "Os dados que temos para esse grupo sugerem que a situação acaba só gerando prejuízos", acrescentou ela.
Porém, embora homens de 80 anos tenham muito mais chances do que os de 50 de ter doenças crônicas e uma expectativa de vida limitada, a idade não deveria ser um fator decisório, afirmou Eggener. "As condições de saúde e a expectativa de vida são muito mais importantes", disse. "Há homens de 50 anos que não precisariam dos exames e outros com 70 que poderiam ser beneficiados".
O novo estudo incluiu apenas dados nacionais de 2005, o ano mais recente em que estavam disponíveis. Mesmo assim, segundo Durado Brooks, diretor de câncer de próstata e colorretal na Sociedade Americana do Câncer, "não há motivos para acreditar que isso tenha mudado significativamente desde 2005".
Médicos listam diversas razões para os exames preventivos continuarem indefinidamente enquanto os homens envelhecem, incluindo exigência do próprio paciente, medo de práticas negligentes e incentivos financeiros, além da falta de compreensão dos próprios médicos sobre os riscos e benefícios dos exames.
"Existem muitas pressões", declarou Gerald L. Andriole, cirurgião urologista da Universidade de Washington. "O que promove os exames agressivos não são apenas dados". Andriole está conduzindo um estudo, para o Instituto Nacional do Câncer, com 76 mil homens que não perceberam benefícios após 10 anos de exames. Os homens tinham entre 55 e 74 anos quando o estudo começou. Exames de PSA são controversos em qualquer idade.
Apoiadores do exame afirmam que o estudo do instituto foi inconsistente e citam um estudo europeu com 162 mil homens, entre 55 e 69 anos, que mostrou uma queda de 20% no número de mortes por câncer de próstata devido ao exame.
Críticos do exame apontam falhas no estudo europeu, acrescentando que existe uma razão lógica para ter sido difícil mostrar um benefício do exame. Eles afirmam que o câncer de próstata é um câncer comum, encontrado nas autópsias da maioria dos homens --embora eles muitas vezes não soubessem disso. O câncer pode ser fatal, mas costuma crescer tão lentamente que os homens morrem com ele, e não por causa dele.
Para a maioria dos homens, o exame preventivo só causa danos por levar a biópsias e tratamentos com efeitos colaterais desagradáveis. E ele poderia não ajudar a curar muitos cânceres de próstata fatais, pois esses cânceres poderiam já ter se espalhado para fora da glândula, atacando microscopicamente outros órgãos muito antes do exame de PSA indicar um possível problema.
Um exame de PSA positivo geralmente leva a uma biópsia e, se for encontrado um câncer, à decisão sobre tratá-lo ou não. Quase todos os homens optam pelo tratamento, que inclui cirurgia de remoção da próstata ou radiação para destruir o câncer. Os efeitos colaterais podem incluir impotência e incontinência.
Mesmo homens mais jovens devem pesar os males do exame preventivo, disse Lisa Schwartz, da Dartmouth Medical School em New Hampshire. "Nós também temos o potencial de destruir suas vidas", afirmou.
Um motivo para o tratamento ser a escolha mais comum é a dificuldade de saber se um câncer é fatal. Patologistas conseguem diferenciar um câncer aparentemente agressivo de outros tipos; porém, mesmo se o tecido obtido na biópsia possuir somente células tumorais menos agressivas, existe uma possibilidade real de haver mais células agressivas ainda ocultas na próstata.
Mesmo com essa incerteza, segundo especialistas, a maioria dos homens que recebe tratamento não morreria pelo câncer de próstata, e isso se aplica especialmente aos idosos, mais frágeis e com menor expectativa de vida.
Contudo, alterar uma prática médica pode ser uma tarefa árdua.
"Sempre que uma prática fica impregnada, é muito complexo erradicá-la", declarou Brooks. "É mais difícil se livrar de um comportamento anômalo do que adotar um novo".
Andriole disse que o próprio conceito de "não fazer exames" já é bastante complicado. "A coisa mais difícil do mundo é não procurar por um câncer e não tratá-lo", explicou. E os médicos possuem muitos incentivos para examinar. Muitas vezes eles temem ser processados caso não façam um exame e o paciente descubra ter um câncer fatal. Além disso, há os incentivos financeiros.
"Urologistas ganham dinheiro encontrando formas de realizar biópsias e administrar tratamentos", afirmou Andriole. O exame de detecção, segundo ele, "é promovido pelos hospitais e pela indústria. E muitos pacientes exigem fazê-los".
Brooks contou que viaja por todo o país e conversa com muitos clínicos-gerais a respeito do exame preventivo. Com isso, percebeu que muitos deles possuem concepções equivocadas sobre os benefícios dos exames.
"Muitas vezes eles não avaliam as desvantagens e não compreendem a demora dos benefícios", disse. Segundo Brooks, há o fator adicional de que os médicos costumam "superestimar a detecção precoce como fator para elevar a taxa de sobrevivência".
Outro fator, segundo Brooks, está no tempo gasto para discutir os prós e contras do exame com os pacientes. Geralmente é mais fácil simplesmente pedir o exame.
Bruce Roth, professor de medicina da Universidade de Washington, afirmou que o ideal seria o médico levar toda a saúde de um homem em consideração, e não apenas a idade, ao solicitar testes de PSA. Mas se um homem foi examinado ano após ano, pode ser difícil sugerir uma interrupção --pois ele pode não viver por muito mais tempo.
Alguns homens afirmam que as precauções não se aplicam a eles. J. Allen Wheeler, morador de 82 anos de Portland, no Oregon, disse ter realizado seu último exame de PSA em janeiro. Seu médico o pede rotineiramente, contou ele, acrescentando: "Para ser honesto, já faz parte de meu exame físico. Meu médico simplesmente faz sem perguntar --esse é o entendimento entre nós".
Wheeler, que classifica sua saúde como "bastante boa", não consegue se enxergar parando com os exames. Ele gostaria de saber se tiver câncer, embora possa decidir não ser tratado.
Um homem de 75 anos de Connecticut, que não quis divulgar o nome para proteger sua privacidade, declarou ter feito os exames porque estava saudável e queria continuar assim. "Acho que vou viver até os 100 anos", afirmou ele. Um exame recente de PSA encontrou um pequeno câncer e ele não quer arriscar a sorte --esperando que o tumor cresça devagar e não lhe cause problemas.
"Estou pensando seriamente em remover a coisa toda", disse. "Hasta la vista".
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