Não. Não é preciso ser especialista em nenhuma área para exercer a medicina de forma plena, ou seja, em todos os ramos.
Mas a questão não se fecha aqui. O olhar para este tema deve ser mais abrangente, pois a prática não é tão simples como possa parecer.
Para exercer a medicina deve haver a graduação em Faculdade de Medicina devidamente reconhecida pelo Ministério da Educação (decreto 5.773/06, nos arts. 27 e 28), o registro do diploma (art. 15 da lei 3.268/57) e a inscrição do médico, ambos no CRM (Preâmbulo, III do Código de Ética Médica - CEM).
A partir de então, o profissional estará apto à prática do ato médico, definido como tal na Resolução 1.627/01 do Conselho Federa de Medicina (CFM), no artigo 1º: “...todo procedimento técnico-profissional praticado por médico legalmente habilitado e dirigido para: I. a promoção da saúde e prevenção da ocorrência de enfermidades ou profilaxia (prevenção primária); II. a prevenção da evolução das enfermidades ou execução de procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (prevenção secundária); III. a prevenção da invalidez ou reabilitação dos enfermos (prevenção terciária).”
A medicina é uma ciência complexa e dinâmica e impõe o aperfeiçoamento técnico e ético constante do médico. E, dada a riqueza de circunstâncias e elementos dos órgãos, membros, tecidos, sistemas, estruturas, entre outros, do ser humano, bem como suas patologias, surgiram as especialidades.
Assim, o CFM, a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Nacional de Residência Médica (CNRM) uniram esforços para estabelecer critérios para o reconhecimento, a denominação, o modo de concessão e registro de título de especialista e certificado de área de atuação médica, disciplinados pela Resolução 1634/02 do CFM.
Deve o médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e utilizar o progresso científico em benefício do paciente, este é um princípio fundamental ditado pelo CEM (V).
No entanto, o fato de não ter o médico o título de especialista não lhe retira o direito de exercer amplamente a medicina.
Mas este exercício deve ser pautado na responsabilidade e no preparo, haja vista que o médico responderá por seus atos profissionais que devem estar fincados na retidão ética e científica. Sem se esquecer que na outra ponta desta relação está uma vida humana.
É vedado ao médico, por exemplo, praticar ou indicar atos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no País (art. 14 do CEM), como também é vedado deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente (art. 32 do CEM).
O médico que não se especializou, ou seja, que não aprofundou seus conhecimentos técnicos e científicos em determinada área e que venha a adentrar em especificidades no atendimento ao paciente, corre enorme risco de incidir em várias vedações do CEM, a exemplo das citadas acima.
E a conduta profissional do médico que gere dano ao paciente, diante da falta de conhecimento técnico específico, poderá caracterizar imprudência, imperícia ou negligência e acarretar sanções perante o CRM, além de amargar condenações nas justiças cível e criminal.
Ampla, mas não ilimitada
Para evitar ou diminuir riscos quanto à responsabilidade solidária, bem como com vistas à proteção dos pacientes, os tomadores de serviços dos médicos, a exemplo de hospitais e planos de saúde, podem exigir deles a prova da habilitação técnica e científica para atos profissionais de especialidades médicas, ou seja, o título de especialista. Isso porque a faculdade de exercer a medicina é ampla, mas não é ilimitada, vez que encontra insuperável obstáculo na normatização de proteção à saúde, à vida e à integridade física do paciente, começando pela Constituição Federal, passando pelo Código de Defesa do Consumidor e Código Civil.
Neste contexto, a exigência em questão não fere o direito do médico ao exercício da sua profissão. E é neste sentido o posicionamento do Cremesp: “...o direito legal de atuar em qualquer dos ramos e especialidades não desobriga o médico de agir com o máximo do zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e com o uso do melhor do progresso científico em benefício do paciente. O uso do melhor do progresso científico só é possível aos médicos experientes e tecnicamente habilitados.[1]”
Vale dizer: quanto menor o conhecimento técnico específico, maior a possibilidade de erro. Logo, o médico até pode exercer amplamente a medicina, mas, se for prudente e consciente, não o fará. Certamente não nos referimos aos casos de urgência ou emergência em que se deve ministrar os cuidados iniciais para preservação da vida, caso ausente outro médico mais habilitado, e encaminhar imediatamente o paciente para o especialista que o caso requer.
[1] Consulta 129.043/07. Ementa: “As instituições médicas podem exigir de seus membros a comprovação da qualificação técnica e científica necessária para prática de atos profissionais que exijam especialização.”
postado por Verônica Cordeiro da Rocha Mesquita
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