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domingo, 5 de junho de 2011

Propaganda de Medicamentos no Brasil - um discurso pra lá de persuasivo!

Excelente este trabalho de Paula Renata Camargo de Jesus, doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e Pesquisadora em Comunicação e Saúde. Professora das universidades: UNISANTA, de Santos e IMES, de São Caetano do Sul/ Brasil.

Boa leitura!

Há tempos alguns questionamentos fazem parte da vida dos brasileiros, sobretudo daqueles que se preocupam com a saúde desse povo. O medicamento deve ser considerado um produto industrial submetido às lógicas comerciais de modo que a demanda social criada induza o seu consumo?

Medicamento é mercadoria comum? Doente pode ser visto como consumidor qualquer? Farmácia é supermercado? "Vale tudo" na propaganda de medicamentos para se vender mais? A resposta mais lógica a todos esses questionamentos seria: NÃO. Mas não é bem assim que acontece no Brasil.

A falta de ética faz com que a população brasileira seja grande vítima da saúde. A indústria farmacêutica, que investe milhões em pesquisas buscando a cura das pessoas, é a mesma que não mede esforços ao recorrer a todo tipo de marketing e propaganda para esvaziar as prateleiras das farmácias.

Em quem confiar? Se até mesmo grande parte dos pesquisadores e médicos questiona-se, com os altos investimentos em centros de pesquisa, patrocinado pela indústria farmacêutica?

Como se não bastasse o poder da indústria farmacêutica em altos investimentos de marketing, ela encontra como parceira a mídia de massa, que legitima algumas informações e divulga muitas vezes, sem responsabilidade, medicamentos a leigos, que não deveriam receber determinada informação sem orientação do profissional da saúde.

Mas enquanto existe preocupação na questão da venda dos medicamentos para curar determinada doença, alguns especialistas têm se preocupado com a questão da venda desenfreada de medicamentos causada pelo próprio uso desnecessário de medicamentos, ou seja, de substâncias utilizadas em alguns medicamentos que geram dependência, até mesmo no caso das doenças de fundo psicológico, que em algumas pesquisas comprovou a eficácia do placebo (a pílula constituída de farinha).

A ausência do médico, ou o pouco tempo de dedicação do mesmo ao paciente pode gerar um estímulo ao consumo de determinado medicamento. Dez minutos de consulta e diversas prescrições médicas, podem acelerar o processo de automedicação.

O marketing da dor não deixa dúvidas quanto aos altos investimentos em propaganda. O discurso persuasivo da propaganda de medicamentos está presente na  mídia de massa através de frases, expressões, enfim palavras que produzem efeitos fantásticos, principalmente quando repetidos em: rádios, emissoras de televisão, revistas, outdoors e até no material de ponto de venda das farmácias e drogarias; nas revistas semanais, destaca nas capas a chegada de novas drogas que prometem curas
milagrosas; no rádio, patrocinando os locutores líderes de audiência e programas jornalísticos de muita credibilidade, nos outdoors anunciando anti-stress, vitaminas, xaropes e fortificantes; na televisão, com os testemunhais de artistas famosos interpretando papel persuasivo e médicos utilizando sua própria imagem para propagar determinado medicamento.

As estratégias mercadológicas utilizadas pela indústria vão desde visitas de propagandistas aos consultórios, farmácias, drogarias e hospitais, à distribuição de brindes e premiação aos envolvidos diretamente na venda dos medicamentos: farmacêuticos e balconistas. As promessas de cura se multiplicam e a sensação de reagir a elas é de total impotência.

Mas vale destacar uma herança histórica e cultural. Ao pesquisar a história da propaganda no Brasil, nota-se que os primeiros anunciantes potencialmente conhecidos, foram os medicamentos. Dos cartazes em bondes, aos primeiros anúncios de revistas, a promessa de cura sempre acompanhou a propaganda de medicamentos.

E não há dúvida que através da poesia, os jogos de palavras deram vida persuasiva aos primeiros anúncios da propaganda brasileira, como o de Bastos Tigre "Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem ao seu lado. E, no entanto acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o Rhum Creosotado." (Temporão, 1986, p 36).

Os "reclames" como eram chamados os anúncios, eram aparentemente ingênuos, pois não havia um especialista para escrever a respeito de medicamentos. Ora os médicos davam seus depoimentos, ora os poetas eram contratados para escrever, enquanto artistas plásticos e pintores ilustravam os anúncios, quase sempre com imagens de sofrimentos, com a promessa de cura pelo medicamento.

"Larga-me...deixa-me gritar!..." era o discurso do Xarope São João, veiculado na Revista da Semana, no Rio de Janeiro, em 1900. Esse xarope utilizava a imagem de um homem, como se estivesse amordaçado, significando a ameaça da tosse, bronquite, rouquidão. O xarope era o grande salvador.

O texto ainda dizia frases como: "...é a única garantia de sua saúde....é o remédio científico, apresentado sob a forma de um saboroso licor. O único que não ataca o estômago, nem os rins..."

Mas naquela época, certamente um mercado efervescente como o da indústria farmacêutica, conseqüentemente o publicitário, não deixaria de ver com outros olhos a poesia que tanto contribuiu para as práticas comerciais de uma época. O curioso é perceber que ao resgatar o passado pode-se entender melhor o presente, analisando os discursos persuasivos e polissêmicos existentes nos anúncios de medicamentos no Brasil, então, desenvolvidos por artistas plásticos, poetas e escritores.

Em uma época sem lei, normas ou fiscalização de controle a respeito do conteúdo das mensagens da
propaganda, muito menos dos discursos nelas empregado. A indústria farmacêutica, que viu nascer o século passado, acumulou muito da prática artesanal e empírica. Inicialmente conhecida como botica (nome dado às farmácias administradas por famílias) a indústria farmacêutica passou os trinta primeiros anos de existência produzindo remédios através de insumos extratos vegetais e produtos de origem animal (Temporão, 1986, p 26). Sua evolução, assim como a da propaganda brasileira, aconteceu gradativamente. Hoje, falar de propaganda sem falar dos primeiros anunciantes, ou seja, medicamentos (os populares remédios) é praticamente impossível.

O destaque para os anúncios com uma melhor elaboração, se deu na chegada das revistas: Revista da Semana, O Malho, Cri-Cri, A Careta, Fon-Fon, a Lua. Aliás, A Lua, uma revista de 1910, de São Paulo (Temporão, 1986, p 39) teve como anunciante, em quase todas as edições, o Xarope Bromil, famoso pelo slogan: "cura a tosse em 24 horas" (pouco provável em tempos de controle e fiscalização da linguagem na propaganda de medicamentos, em tempos atuais).

Naquele tempo, os anúncios de medicamentos elaborados por Olavo Bilac, Emílio Menezes, Hermes Fontes, Basílio Viana e Bastos Tigre, que ousou parodiar Os Lusíadas para o medicamento Dermol: "Toda pessoa previdente e cauta que a vida pauta com muita atenção, seja do povo ou da nobreza o Escol, usa Dermol e sempre o tem à mão". Eram escritores e poetas que seguiram anos e anos, junto aos artistas plásticos, desenhistas e pintores brasileiros, desenvolvendo a criação da propaganda
dos medicamentos.

Temporão cita em seu livro "Propaganda de Medicamentos e o Mito da Saúde" que os componentes: escritos e icônicos, respectivamente a marca e slogans ou textos, e os desenhos, marcaram época em quase todas as publicações da época. "O nosso discurso verbal está permeado de imagens, ou como Peirce diria, de iconicidade" (Santaella e Nöth, 1998, p 14).

Durante a 1ª Grande Guerra, a linguagem dos anúncios, principalmente os de medicamentos, parecia nitidamente ligada ao período difícil que o mundo encontrava-se. Santogen "dá auxílio e levanta exaustos os que caem por falta de energia e vitalidade", Alcatrão-Guyet "a polícia dos pulmões", Rhodine "em nada se parece com outros comprimidos", Urudonal "lava o sangue, amacia as artérias e
evita a obesidade" e Xarope de Grindélia "pedir e exigir sempre contra tosse" (Ramos e Marcondes, 1995, pp 28-29).

A linguagem sempre acompanhou as fases históricas, não seria diferente com a linguagem publicitária, que tornou a propaganda de medicamentos popular. "O antes e o depois", estratégia utilizada até os tempos atuais pela propaganda, fez parte do anúncio do Xarope Peitoral de Alcatrão, estampando duas fotos, com o bom resultado do produto, em 1895: "Eu era assim, cheguei a ficar assim! Sofria horrivelmente dos pulmões, mas graças ao milagroso xarope peitoral de alcatrão e
jatahy, consegui ficar curado e bonito" (Temporão, 1986, p 42).

O grande anunciante do setor chegaria em 1917, a Bayer. Com campanhas regulares, a empresa alemã, investiu alto em publicidade. A Bayer destacava-se pela originalidade dos textos e pela qualidade gráfica dos anúncios. Era característica sua associar seus produtos às palavras como: original, puro, científico para contrapor os produtos nacionais. Eram muitos os produtos da Bayer: Adalina "a fonte da juventude eterna", Bayaspirina "silêncio", Instantina "num instante vae-se o mal" e outros, sempre utilizando a marca e reforçando-a com um slogan. Aliás, o centenário
"Se é Bayer, é bom", de Bastos Tigre, eternizou a marca. Dores em geral, principalmente cefaléias, ganharam destaque nos anúncios, com medicamentos como Cafiaspirina: "Se alguma dor o domina, tome Cafiaspirina".

Amadores ou profissionais, ingênuos ou aparentemente ingênuos, os anúncios não eram muito diferentes de seus autores. Alguns ganharam dinheiro, outros não. Monteiro Lobato é um exemplo de escritor que se tornou autor de anúncios publicitários, transformando o fortificante Biotônico Fontoura em um marco na história da propaganda de medicamentos brasileira.

Verdadeira obra prima da propaganda de medicamentos brasileira, Jeca Tatuzinho foi criado por Monteiro Lobato para Biotônico Fontoura, cujo slogan era "o mais completo fortificante". Tatuzinho era um personagem fraco, amarelo, que ao tomar o fortificante ficava saudável. O sucesso foi tão grande, que Lobato passou a divulgar as virtudes da Ankilostomina e do Biotônico Fontoura, o que certa vez impressionou Rui Barbosa, pela simplicidade e popularidade, tanto do personagem, como da maneira que era querido por todos (Ramos e Marcondes, 1995, p 35).

Monteiro Lobato chegou a abrir mão de Jeca Tatuzinho criado para seu amigo Cândido Fontoura, como gratidão pelo fortificante ter feito bem à saúde do escritor.

O personagem ficou famoso e a marca não menos conhecida e consumida durante gerações. O que Monteiro Lobato fez pela propaganda de medicamentos, principalmente para o Laboratório Fontoura, é um verdadeiro patrimônio histórico. Biotônico Fontoura ainda existe e faz propaganda.

Não que essa herança histórica e cultural justifique tais procedimentos utilizados pela indústria farmacêutica atualmente, mas pode ser utilizada como referência para se compreender o discurso na propaganda de medicamentos.

Mesmo hoje, com fiscalização, com o controle da ANVISA, ainda há de se preocupar com a linguagem persuasiva utilizada na propaganda de medicamentos de venda livre. "Tomou Doril, a dor sumiu" é uma frase de efeito, portanto um slogan que envolve uma série de implicações, não apenas éticas, já que se trata de medicamento e não de mercadoria comum, mas de um discurso que envolve promessa.

As palavras, quando utilizadas na propaganda de medicamentos, deveriam assumir um compromisso com o consumidor, provável doente, fragilizado! O fato de ser utilizada como instrumento persuasivo não anula a responsabilidade com o social, para isso existem leis, que não são cumpridas, seja por falta de uma "severa" fiscalização ou por questões de ordem política.

O falar a verdade não compromete o discurso da propaganda legal. O uso adequado das palavras na propaganda de medicamentos pode dar credibilidade à indústria farmacêutica. Atualmente a percepção que se tem é que o discurso da propaganda de medicamentos é pra lá de persuasivo, chega a ser irresponsável e mesquinho.

http://www.cit.sc.gov.br/propaganda/pdfs/artigos/propaganda_no_brasil.pdf

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