Estudo realizado pela UFMG mostra que remuneração médica e renda da paciente se sobrepõem aos indicativos médicos
As cesarianas representam mais da metade dos partos feitos no Brasil, mas, ao contrário do que deveria, a justificativa para a realização desse tipo de parto não é clínica.
A conclusão é um estudo realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A economista Tabi Thuler, autora da dissertação Evidências de indução de demanda por parto cesáreo no Brasil, concluiu que fatores econômicos – de médicos e pacientes – têm sido a principal influência nessa decisão.
Segundo Tabi, a remuneração recebida pelos médicos pelas cesáreas aparece como fator mais “determinante” na escolha do tipo de parto. A análise foi feita com base nos partos realizados por um plano de saúde do estado de São Paulo entre 2004 e 2009. A conclusão é a de que, quanto maior a diferença de valores entre os partos cesarianos e normais, mais cesarianas foram feitas. Nesse caso, a remuneração paga por cesáreas era mais alta.
“Queríamos compreender se havia uma ‘indução de demanda’ para justificar o crescente aumento do número de cesáreas no Brasil. Não encontramos nenhum estudo com o olhar econômico sobre o assunto”, diz.
Tabi conta que já esperava encontrar sinais de que há “incentivos” econômicos para que os médicos optem por realizar partos cesáreos e não normais. Ela se impressionou, no entanto, por não ver os fatores clínicos entre os principais.
A economista explica que os riscos de complicações para mães ou bebês não tiveram influência significativa nas opções feitas pelos médicos do plano de saúde pesquisado. “Foi inesperado”, admite ela. Na base de dados utilizada por Tabi, mais de 90% dos partos feitos nesse período de cinco anos eram cesarianas. Ela só considerou no estudo os procedimentos feitos por médicos que haviam realizado cesáreas e partos normais no período.
Além disso, a renda da paciente apareceu como outro forte indicativo para o parto cirúrgico. Quanto maiores os ganhos da mãe, mais a cesariana aparece como opção. O número desse tipo de parto na capital também foi maior que no interior.
“Espero que o estudo ajude nos debates sobre o gasto que estamos fazendo com saúde e como reverter a quantidade imensa de cesarianas feitas no País”, afirma.
Para a Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), reverter o cenário brasileiro será difícil. Segundo dados recentes divulgados pelo Ministério da Saúde, 52% dos 3 milhões de partos realizados no País em 2010 foram cirúrgicos. A recomendação da Organização Mundial de Saúde é que esse número não supere os 15%. Há dez anos, em 2000, elas representavam 38% dos partos realizados no País.
“Tornou-se cultural a opção pela cesariana, por causa de múltiplas variáveis, mas as mais relevantes são a remuneração médica e a cultura da mulher, que não quer sentir dores. Isso só vai mudar com uma educação em saúde pública maciça para todos os brasileiros, de todas as classes sociais”, ressalta o presidente da Comissão de Gestação de Alto Risco da Fegrasgo, Denis José Nascimento.
Nascimento, que coordena o Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), lembra que os planos de saúde pagam muito pouco aos profissionais. A dedicação que exige um parto normal então, segundo ele, não é valorizada.
“Não tem estrutura que pague um profissional que se dedique a ficar horas e horas a fio ao lado da paciente”, diz. E as mulheres, de acordo com ele, passaram a participar mais da decisão e também querer a comodidade da cesárea.
A justificativa do medo da dor, no entanto, não apareceu como principal para as mulheres entrevistadas em outro estudo, ainda em elaboração pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. As conclusões iniciais mostram que pouquíssimas mulheres escolheram a cesariana por medo da dor do parto normal: apenas 4% das 23.580 entrevistadas. A maioria (25%) diz que a cesárea foi escolhida por falta de dilatação.
Fabiana Ramos Cabral Lambert, 28 anos, acredita que muitos médicos “induzem” as pacientes a acreditarem que necessitam de realizar uma cirurgia por causa da condição de saúde do bebê. Terminando a residência em obstetrícia, a enfermeira conta que se motivou a procurar especialização no acompanhamento de partos por causa da irmã mais velha. Fabiana diz que ela fez duas cesarianas sem indicação.
“Ela sonhava em ter um parto normal. Nas duas vezes, o médico a induziu a acreditar que não teria condições de fazer um parto normal. Um deles nasceu com prematuridade pulmonar. Achei absurdo”, afirma. Fabiana, que tem um filho de um ano e sete meses, também passou por uma cesariana. Até a 30ª semana de gestação, peregrinou por clínicas de Brasília em busca de um médico que fizesse parto normal pelo plano de saúde. Não conseguiu.
Todos os profissionais cobravam à parte pelo parto. Ela compreende que os honorários médicos são ruins, mas critica a falta de opções para quem não pode arcar com esses custos.
“A mãe fica à mercê da situação. Ou vai para o hospital público ou paga por fora. Não dá para julgar os médicos, porque um parto natural pode demorar 24 horas e ele precisa ser remunerado. Mas acho que a existência de equipes multidisciplinares, com enfermeiras obstetras, deveria ser estimulada”.
Por fim, uma complicação fez com que ela tivesse o filho mais cedo. “Fiquei super frustrada e me senti impotente. O que me acalmou foi que tive uma indicação considerável de cirurgia”, conta.
Iêda Campos Vilela, 28 anos, também sonhava com o parto normal. A gravidez não-planejada aos 18 anos, depois do susto, foi um momento de alegria e amadurecimento. A pouca idade, no entanto, fez com que a mãe participasse muito das discussões de condutas.
“Eu sempre falei que queria parto normal. Mas minha mãe, que me acompanhava em todas as consultas, ficava arrepiada toda vez. Tentava me convencer do contrário. Chegou a falar com o médico algumas vezes que não gostaria que eu passasse pelo ‘terror do parto normal’. No 9º mês, ele me disse que o Caio era muito grande para meu corpo, que era bem provável que eu sofresse por horas e terminasse na cirurgia. Optamos pela cesárea”, conta.
Como o médico era de muita confiança, Iêda não acredita que ela a tenha induzido à cirurgia por uma questão de comodidade.
“Ele me induziu ao parto cesáreo, mas realmente não sei se foi por questões reais ou se por comodidade. Como eu confio muito nele, prefiro acreditar que foi por uma questão médica mesmo”, diz. Apesar de a recuperação ter sido tranquila, Iêda sonha em, na próxima gravidez, ter um parto normal.
Fonte Delas
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