Basta um movimento mais brusco para o osso se fracturar. Às vezes, só um mau jeito. Esta fragilidade óssea é provocada por uma doença genética rara denominada osteogénese imperfeita (OI). Hoje, assinala-se o seu dia internacional, com várias actividades em Belém, Lisboa, para despertar consciências e mostrar que as crianças e os adultos com ‘ossos de cristal’ podem levar uma vida normal.
Muitas das 660 pessoas que se estima terem a doença serão hoje convidadas a participar em várias actividades, como uma prova de marcha e exercícios de ginástica. Há ainda um espectáculo infantil e actuação de palhaços.
Maria do Céu Barreiros, mãe de Marta, de 12 anos e portadora da doença, é presidente da Associação Portuguesa de Osteogénese Imperfeita e conta ao CM que uma das dificuldades que os doentes enfrentam é a falta de um "estatuto" que lhes dê protecção social, como por exemplo o apoio domiciliário.
"Estes meninos têm, com alguma frequência, interrupções escolares devido aos períodos de internamento e de recuperação de fracturas. Têm ainda de faltar à escola para irem às consultas médicas de diversas especialidades", afirma Maria do Céu Barreiros.
A falta de estatuto diferenciado e de apoio social e domiciliário leva a que, segundo Maria do Céu, as crianças tenham insucesso escolar e falta de motivação.
O acesso ao mercado de trabalho não é fácil, devido às limitações físicas dos portadores de OI, que impedem os doentes de exercerem diversos tipos de actividades. As interrupções para idas a consultas médicas ou para a realização de tratamentos nem sempre são bem-vistas pelas entidades empregadoras.
Os doentes queixam-se ainda de serem penalizados com o pagamento das taxas moderadoras, com a falta de acesso a transporte e de comparticipação de medicamentos básicos e essenciais, como analgésicos, anti--inflamatórios e bifosfonatos.
Além destes problemas sociais, os portadores de osteogénese imperfeita, nas situações mais simples, têm mais dificuldade em conseguir um diagnóstico. É que, com frequência, as fracturas nas crianças são confundidas, nos Serviços de Urgência, com o resultado de maus tratos. Nos doentes mais velhos, as fracturas são por vezes consideradas um problema de osteoporose.
"PAIS SÃO INJUSTAMENTE ACUSADOS": Manuel Cassiano, Cirurgião ortopédico
Correio da Manhã – Qual a maior dificuldade no diagnóstico?
Manuel Cassiano – Há casos graves em que o diagnóstico se torna fácil pelas manifestações que as crianças apresentam à nascença. Nas situações mais leves, o diagnóstico é mais complicado, e os pais são injustamente acusados de maus tratos.
– Que conselhos dá aos pais?
– É preciso perceber que tipo de doença tem a criança para esclarecer os pais, pois existem várias formas de osteogénese. Esclarecemos sobre o tratamento, que visa diminuir o número de fracturas, atenuar as queixas e permitir uma melhoria na vida diária.
– Pode-se prevenir a doença?
– Não, porque é uma doença genética. Estão descritas mutações, pelo que pais saudáveis podem ter uma criança portadora da doença.
– E prevenir as fracturas?
– A aplicação de cavilhas nos ossos tornam-nos menos susceptíveis a fracturas.
– Que cuidados devem ter?
– Evitar exercícios de contacto.
Associação apoia as famílias
O diagnóstico da filha Marta, 12 anos, levou Maria do Céu Barreiros a empenhar-se na criação e dinamização da Associação Portuguesa de Osteogénese Imperfeita, que conta com 85 associados. Segundo a responsável, esta doença rara levanta dúvidas aos pais de crianças doentes, que procuram a associação para um encaminhamento para os centros com experiência no diagnóstico e tratamento da doença. A associação, que não tem sede, encaminha os pedidos para os responsáveis da área científica, promove acções pedagógicas e faculta material educativo.
"falto ao serviço para ir ao médico"
Isabel Figueiredo, 48 anos, depende da cadeira de rodas eléctrica para se deslocar devido à osteogénese imperfeita, que lhe deformou a estrutura óssea. Ao longo da vida, precisou de duas cadeiras de rodas, mas não teve qualquer apoio, segundo conta ao CM: "Cada uma custou cerca de 7000 euros."
Actualmente, Isabel Figueiredo não se sente discriminada, mas nem sempre foi assim. Hoje em dia, vai ao café ocupar um pouco do tempo livre quando não está a trabalhar.
Nos dias úteis, das 09h00 às 18h00, trabalha numa empresa de contabilidade, que lhe ofereceu trabalho depois de completar o 12º ano de escolaridade. Já se passaram vários anos.
O "patrão é amigo e sempre compreendeu quando precisei de faltar ao serviço para ir ao médico", sublinha. A discriminação sentiu-a antes do 25 de Abril. "Só fui para a escola quando tinha 12 anos porque os professores diziam que não valia a pena eu estudar", salienta Isabel Figueiredo.
Enfrentou barreiras sociais, mas nunca baixou os braços nem desistiu de lutar pelos seus direitos. "Sempre lutei e digo a toda a gente para fazer o mesmo."
Um dos exemplos da sua luta foi ter conseguido o transporte, facultado pela autarquia de Odivelas, localidade onde reside. Uma carrinha do município vai buscar e levar Isabel a casa e ao emprego. Só teve de mandar fazer uma rampa de acesso à porta de casa.
Perfil
Isabel Figueiredo nasceu em Lisboa e tem 48 anos. Trabalha como contabilista numa empresa que lhe deu emprego após terminar os estudos. Tem o 12.º ano e vive com os pais em Odivelas.
Fonte Correio da Manhã
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