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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Existe luz no fim do túnel para o médico generalista?

Guilherme Brauner Barcellos*
 
Há alguns anos atrás, um dos autores deste texto escreveu outro parecido onde defendia categoricamente que sim – através da Medicina Hospitalar. Recentemente, os autores resgataram o assunto em uma conversa informal, em razão da publicação no New England Journal of Medicine, de junho deste ano, do artigo Primary Care Update – Light at the End of the Tunnel?.
 
“Although there are some encouraging signs…, generalists have long been an endangered species… lack of respect not only is economic and academic but also pervades all of graduate medical education and, ultimately, medical practice”.
 
Finalizamos o debate com o material aqui apresentado. Leva em conta o contraste da realidade que vivenciamos em hospital destaque em diversos rankings de melhores, com a realidade enfrentada no varejo, e que conhecemos por militar no movimento médico sindical ou de formação médica no Brasil. Hoje percebemos importantes obstáculos, não bem considerados no texto anterior.
 
Nosso ponto de partida novamente será a medicina generalista – sua história e situação atual – sob o viés de clínicos de adultos que somos, mas acreditando servir a discussão na perspectiva da Pediatria também:
 
O termo Internal Medicine surgiu formalmente na Alemanha em 1882. Willian Osler ficou marcado nos anos que se passaram como um dos grandes consagradores da especialidade médica que incorporava uma filosofia de cuidado baseada no adulto encarado como um ser único, apesar de complexo, e não a soma de um conjunto desgarrado de diferentes problemas a serem tratados por tantos outros especialistas. Na história da Medicina Interna existe alguns marcos da discussão envolvendo suas dificuldades e perspectivas. Um foi a publicação, em 1987, do artigo intitulado “Why are today’s medical students choosing high-technology specialities over Internal Medicine?“, no New England Journal of Medicine. No início da década seguinte, em duas outras publicações relevantes, na não menos importante revista Annals of Internal Medicine, levantaram a questão (1991, 1992). Foram dois números quase inteiramente dedicados e, em um dos artigos, Nuckolls denunciou que a maioria dos generalistas vinha pouco satisfeita, assim como o interesse pela especialidade por parte dos estudantes seguia sendo comprometido. O título do artigo é “Internal Medicine practice in transition: Implications for curriculum changes”. De 2008, há este excelente material, novamente do NEJM: Redesigning Primary Care.
 
Uma mais recente pesquisa com cerca de 1.000 estudantes de medicina norte-americanos encontrou que apenas 15% pensa em fazer carreira como generalista por opção primária. Outra avaliação encontrou interesse de cerca de metade dos estudantes em seu primeiro dia de Faculdade de Medicina, que progressivamente diminui até números semelhantes aos da anterior.
 
Gente, se a Medicina Interna é tão boa e atual, por que a maioria dos residentes tenta fazer dela apenas um trampolim para uma das sub-especialidades, mais especificamente para alguma área de atuação relacionada com procedimentos? É claro como a luz do sol que o generalismo está afundado em uma importante crise. E o quê falar então do futuro dos clínicos neste cenário de inegável menor desvalorização das especialidades ditas tecnológicas?
 
Bom, se a idade de ouro da Medicina Interna pode ter terminado, seguimos acreditando que oportunidades existem e que podem ser excitantes, embora com uma natureza diferente daquela percebida nas gerações anteriores.
 
A medicina de antigamente era bem menos complexa. Como regra geral, um único médico talvez fosse capaz de assumir o cuidado integral do paciente. De maneira pouco fragmentada, é possível que fizesse isto muito bem, atendendo o mesmo indivíduo no consultório, em domicílio ou no hospital, e, paralelamente, outras tantas pessoas, em lugares diversos. Alguns profissionais eram capazes de fazer este acompanhamento da infância até a morte do seu paciente já idoso, e igualmente se saíam bem. Foram tempos muito positivos para diversos aspectos da (ainda) considerada relação médico-paciente ideal. Mas a realidade mudou, não necessariamente para pior. Simplesmente os tempos são outros.
 
No Medicare (EUA), gastam 60% do orçamento com 20% dos doentes que têm cinco ou mais doenças associadas. Nestes casos, o generalista seria em teoria imprescindível. Em teoria… Leia mais aqui.
 
Atualmente, na rede ambulatorial, a figura do internista está muito em baixa. A fragmentação do cuidado ambulatorial é visível, aberrante e multifatorial, e, em parte, explica a ausência de um coordenador do cuidado. Aliás, uma coisa automaticamente inviabiliza a outra. Talvez exista menor fragmentação quanto menor o nível socioeconômico dos pacientes, cenário ocupado hoje no Brasil pela Estratégia de Saúde da Família, sob o protagonismo de Médicos de Família e Comunidade, de uma especialidade generalista à parte das que nos proporemos a discutir mais a fundo aqui. E que convive com um cenário de baixíssima resolutividade, fator que nos desmotiva.
 
Na Saúde Suplementar ambulatorial, alguns especialistas têm dito que o gerenciamento ambulatorial de pacientes crônicos complexos será um espaço de atuação para o médico generalista onde possa vir a ser mais bem remunerado e valorizado, mas as dificuldades são tremendas, para não dizer inarredáveis, sem mudanças mais abrangentes, como de nosso modelo de remuneração, e que podem demorar. De maneira que o debate generalista versus sub-especialistas, neste cenário, vem tendo, e terá por algum tempo ainda, um único perdedor, salvo exceções que existem, é claro, tanto no plano sistêmico, como individual.
 
No hospital, por sua vez, a complexidade dos pacientes e a complexidade intrínseca das organizações já não permitem abrir mão de um ou de outro. Neste cenário, resta óbvio que o debate generalista versus sub-especialistas já não mais faz sentido. Insistir nesta dicotomia inclusive levará o generalismo a perder espaço ainda mais. É aqui que entra a Medicina Hospitalar, com oportunidades mais tangíveis e excitantes do que àquelas oferecidas aos clínicos na prática ambulatorial, e trazendo consigo facilitadores para o exercício do generalismo como carreira, além de alguns imperativos do moderno movimento de segurança do paciente prontos para sem aplicados, por mais que mudanças como de modelo de remuneração do sistema também sejam necessárias para pleno aproveitamento.
 
Qual o problema? De um modo geral, há oportunidades de trabalho como generalista, e não necessariamente pagam mal. Mas ocupam as vagas perfis profissionais absolutamente heterogêneos, entre sub-especialistas complementando atividade, profissionais em formação e até médicos sem formação além da graduação. A cultura do multiemprego e do plantonismo sem continuidade nos corrói. A competição, de um modo geral, é muito mais disfuncional aqui no Brasil. Se, nos EUA (havendo exceções), deram-se conta que, para ter clínicos ocupando postos de trabalho pouco estimulantes em unidades como salas de recuperação cirúrgica de baixíssima complexidade (a legislação determina a necessidade de alguém para dar a alta médica no momento do ato), deveriam lhes oferecer um cantinho dos hospitais para sua própria atividade, aqui vem prevalecendo a regra do “não quer, tem quem queira” (e o importante é ter, pouco importando o jeito).
 
Não deveria ter havido tanto otimismo no texto original, levando em conta a história da Medicina Intensiva no Brasil, onde, tantos anos depois de ser reconhecida como especialidade, ainda convive com a quase total não profissionalização em alguns estados brasileiros. E o que dizer da Medicina de Emergência, apesar do esforço louvável do pessoal da ABRAMEDE? ? ?
 
Luz no fim do túnel? Como somos por natureza otimistas, acreditamos que sim, mas de maneira provocativa: “If you don’t build your dream someone will hire you to help build theirs”. Sem maior participação dos profissionais da linha de frente não será nada fácil. A Medicina Intensiva em muitos locais é bom negócio somente para colegas donos de “empresas de saúde” que intermediam a relação do hospital com os plantonistas. Este pessoal torce para que, na ponta, não se fortaleçam grupos coesos e organizados. O tipo de emprego que algumas “empresas especializadas” têm oferecido para hospitalistas em nosso meio contempla somente a parte ruim do pacote que é oferecido lá fora ou não passa de plantões sem continuidade, oferecidos sob a rubrica de Medicina Hospitalar (versátil picaretagem). Como já existem incontáveis boas UTIs para se trabalhar Brasil afora, e também alguns bons programas de MH, apostamos no protagonismo de quem neles trabalha para dar seguimento ao que foi plantado. Vimos originalmente dispostos a abraçar “a parte ruim do pacote” ou outras funções de retaguarda apenas. Mas o fato de estarem oferecendo emprego de “hospitalista” exatamente nos mesmos moldes do tipo de atividade que irmão de um dos autores executa, um residente de especialidade cirúrgica que faz plantões clínicos esporádicos para complementar renda, nos está sendo muito prejudicial. Somente incentiva ainda mais o multiemprego e a precarização das relações de trabalho. Estes empresários da saúde dizem que a diferença do que oferecem do tradicional, já que as escalas são semelhantes, é a gestão. Ora bolas, a história tem ensinado que não há milagre em gestão de corpo clinico sem mostrar reais diferenças em como se trata a força de trabalho e sem demonstrar como verdadeiramente se estabelece relações do tipo ganha-ganha.
 
Para fortalecer a medicina generalista no Brasil através da Medicina Hospitalar é preciso promover verdadeiros hospitalistas, abrindo e fortalecendo um mercado de trabalho diferente para internistas e pediatras, principalmente. Fundamental será a parceria de hospitalistas com médicos de família, intensivistas e emergencistas. E um outro tipo de parceria, não menos estratégica, com subespecialistas, estabelecendo um relacionamento saudável.
 
Se parece pouco provável terminar completamente no Brasil com o multiemprego, é factível ter um clínico atuando em dois cenários – um como part-time hospitalist + “Add-On” Services (instituição principal), e outro “bico” qualquer (será que no Brasil inteiro usam este termo pejorativo?). O plantonismo esporádico dificilmente deixará de existir para cada um de nós, e em qualquer modelo assistencial (cobertura de noites e finais de semana, por exemplo). Mas será sempre uma atividade menos nobre, em todo e qualquer aspecto, particularmente em razão do efeito nos pacientes.
 
Autores
Diego Millán Menegotto, R3 de Medicina Interna no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, generalista por opção e Presidente da AMERERS – Associação de Médicos Residentes do Rio Grande do Sul
 
*Guilherme Barcellos, médico contratado do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde atua na assistência e colabora no Programa de Gestão da Qualidade e da Informação em Saúde – Qualis. Diretor do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul.
 
Fonte SaudeWeb

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