Pesquisa começou há 14 anos na instituição
Pesquisadores do Hemocentro de Ribeirão Preto, da USP (Universidade de São Paulo), desenvolveram, por engenharia genética, o fator VIII recombinante, um dos responsáveis pela coagulação sanguínea. O medicamento é indicado para o tratamento de hemofilia A, responsável por 90% dos casos de hemofilia — condição genética em que há uma desordem no mecanismo de coagulação do sangue.
Na hemofilia A, o paciente sangra sem controle porque há falta do fator VIII. Há duas formas de tratamento disponíveis: a reposição desse coagulante, obtido do plasma humano, a partir das doações de sangue; ou esse fator pode ser produzido por engenharia genética, o fator VIII recombinante, como explica o coordenador do estudo Dimas Tadeu Covas.
— A grande vantagem do recombinante é que você pode escalonar isso no volume que necessita. O País não é dependente de doadores de sangue.
O fator obtido por engenharia genética também dispensa os testes para garantir que o sangue doado não esteja contaminado por HIV ou hepatites. Hoje, o fator VIII produzido a partir do plasma humano é importado pelo governo brasileiro e distribuído pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Quatro multinacionais dominam a técnica do fator VIII recombinante e o governo fornece esse tipo de medicamento apenas quando há decisão judicial. O Ministério da Saúde está negociando com um laboratório estrangeiro acordo para transferência de tecnologia para o fator VIII recombinante. O contrato prevê a incorporação de técnicas nacionais.
Técnica
A pesquisa do Hemocentro de Ribeirão Preto começou há 14 anos. Foram criadas colônias de camundongos hemofílicos. Depois, os pesquisadores isolaram o gene do fator VIII e o clonaram em um vetor. Esse vetor foi usado para infectar as células, que são mantidas em cultura.
— O vetor permite que o gene do fator VIII seja inserido no genoma dessa célula; várias cópias do gene são inseridos no genoma da célula, e a célula passa a ser fábrica desse fator. Esse fator é secretado em ambiente de cultura, purificado, e transformado em medicamento.
Os pesquisadores, agora, buscam financiamento para ampliar a escala de produção, ainda em nível laboratorial.
— Estamos na fase de estudos pré-clínicos em camundongos. Já demonstramos que o fator que conseguimos produzir é ativo em camundongos, inibe hemorragias e estamos agora tentando passar para a fase clínica — produzir em escala maior para fazer o estudo de segurança em pacientes.
Covas teme que o anúncio de transferência de tecnologia esvazie a pesquisa nacional em torno do tema.
— Não digo que possa atrapalhar, mas tira esse produto da lista de prioridades do País. Nós vamos continuar a pesquisa.
Entretanto, o secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, disse que o projeto de transferência de tecnologia do fator VIII recombinante vai "estimular a produção de pesquisa".
— Nós garantimos, em todos os contratos, que não há nenhuma restrição à pesquisa nacional. Com esse acordo, quebro o gargalo que leva ao vale da morte que há entre a pesquisa e a produção. A boa ideia cai nesse vale e não chega à população.
Há uma cláusula de sigilo que impede o Ministério de informar com qual laboratório está negociando. O acordo prevê a distribuição do fator VIII recombinante ainda este ano e o treinamento de equipes da Hemobrás, estatal de produção de hemoderivados que está sendo erguida em Pernambuco.
— Teremos um ganho na estabilidade da oferta e também de economia. Gastaremos quatro vezes menos com o fator recombinante que é comprado por decisões judiciais.
De acordo com Gadelha, entre 8 mil e 9 mil brasileiros dependem desse fator de coagulação — cerca de 10% recebem o medicamento recombinante por ordens judiciais.
Fonte R7
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