Procedimento só pôde ser realizado depois de decisão judicial; cirurgia pela
qual passou Giselle Gomes Idalgo, de 29 anos, abre perspectivas para que outros
pacientes reivindiquem o tratamento
Equipe de cirurgiões da Associação Portuguesa de Beneficência, de São José do
Rio Preto (SP), realizou com sucesso o primeiro transplante de células-tronco do
País para tratamento da doença de Crohn. A enfermidade, que causa a inflamação
do aparelho digestivo e não tem cura, atinge 5 milhões de pessoas em todo o
mundo, e em seu estágio mais avançado pode levar à morte.
O procedimento, realizado em 14 de outubro de 2013, só foi divulgado agora
porque os médicos queriam ter certeza da recuperação da paciente, a estudante de
farmácia Giselle Gomes Idalgo, 29 anos. Mas o transplante só pôde ser realizado
porque a Justiça deu ganho de causa a ação ajuizada por Giselle e determinou que
a cirurgia fosse paga pelo seu plano de saúde.
A cirurgia abre perspectivas para que outros pacientes de Crohn possam
reivindicar o mesmo tratamento, mas como ele ainda não consta no rol dos
transplantes autorizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e não está na lista
da Agência Nacional de Saúde (ANS) de doenças assistidas pelas operadoras
particulares, é necessário ajuizar ação judicial. "Isso é a judicialização da
medicina porque muitos procedimentos não são autorizados no Brasil", comentou o
hematologista Milton Ruiz, coordenador da unidade de transplantes e de terapia
celular da Associação, e responsável pela cirurgia.
"Não havia outra alternativa para minha paciente. Os medicamentos que ela
tomava não faziam mais efeito e ela já tinha passado por duas cirurgias para
retirada de parte do intestino grosso e do intestino fino", conta o
gastroenterologista Luiz Kaise Júnior, que recomendou o transplante a Giselle.
"Como o Milton Ruiz já utilizava o transplante em outras doenças, pensamos na
possibilidade de realizá-lo com a doença de Crohn, uma vez que esse tipo de
procedimento já era feito nos Estados Unidos." O transplante seguiu protocolo da
Universidade de Chicago, que realiza o mesmo tipo de cirurgia no North Western
Memorial Hospital, da cidade americana. "Viajamos para aquele País e médicos de
lá vieram ao Brasil para viabilizar o transplante."
Ruiz explicou que foram 29 dias entre a preparação da paciente e a conclusão
do transplante. Inicialmente, a paciente recebeu medicamentos para produzir o
volume necessário de células-tronco, em seguida o material foi congelado. Depois
de recuperada, a paciente voltou a ser internada para receber as células, por
infusão periférica. Depois disso, ainda foram necessários mais 17 dias de
internação.
Recuperação
Gisele está totalmente recuperada. Não toma
medicamentos desde que saiu da cirurgia há oito meses. Ela lembra do passado
difícil, quando seu peso caiu de 55 para 32 quilos e teve de largar o trabalho e
a faculdade de farmácia e ainda enfrentar o preconceito da sociedade.
"Em 2010 eu comecei a sentir os primeiros sintomas - dores abdominais fortes,
dores nos ossos e diarreias constantes. Perdi as forças, emagreci, tive de
deixar de trabalhar e estudar e não conseguia nem pegar um copo de água por
causa das dores nos ossos", conta. "Foi muito sofrimento e muito preconceito,
incluindo de peritos do Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS). Felizmente
hoje estou muito bem, não tomo remédios a oito meses e me sinto saudável",
afirma. "Agora quero voltar a trabalhar", diz.
Em 80% dos casos, a doença de Crohn leva às intervenções cirúrgicas e em 33%
à morte. No caso do transplante pode ocorrer a recidiva em cinco anos, mas há
casos em que isso não ocorre. "Para mim, o que importa é que sempre tive
esperança de viver, desde antes do transplante e agora muito mais", diz
Giselle.
Estadão
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