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domingo, 8 de junho de 2014

Conveniência, medo e desinformação transformam os índices de cesárea em epidemia nacional

Conveniência, medo e desinformação transformam os índices de cesárea em epidemia nacional  Tadeu Vilani/Agencia RBS
Foto: Tadeu Vilani / Agencia RBS
Americana Maureen Turnbull Arbelo, 36 anos, quer ter
um parto natural
Quase um milhão gestantes no país são submetidas ao procedimento todo ano
 
Apolo, filho de Zeus, removeu da barriga de sua amada, Corônis, o filho Esculápio, deus da medicina. O procedimento, conta a mitologia greco-romana, foi realizado após a gestante morrer em trabalho de parto. Uma incisão abdominal também teria sido realizada, segundo historiadores, para fazer nascer o imperador Julio César, em 100 a.C. Reconhecida historicamente como um procedimento indicado para salvar a vida de mães e bebês durante o parto, a cesárea tem alcançado índices tão altos que virou motivo de polêmicas e discussões ao redor do mundo. E no Brasil não é diferente.
 
Por vontade própria ou indicação médica, quase um milhão gestantes no país são submetidas à cesariana todo ano. Dados da maior pesquisa sobre parto já realizada no país, Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento, coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Ministério da Saúde, revelam que o índice de partos por procedimento cirúrgico é de 52% e supera, em muito, a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) — que indica taxas ideais entre 10% a 15% dos nascimentos.
 
A origem do problema parece estar no meio do caminho entre a descoberta da gravidez e o temido e sonhado dia do nascimento: cerca de 70% das entrevistadas pela pesquisa desejavam, no início da gestação, um parto vaginal.
 
Entre os fatores que elevam a taxa de cesáreas às alturas, os especialistas apontam, sobretudo, a ansiedade do final da gestação, o receio de que a criança possa sofrer algum dano durante o parto normal, o medo da dor e a comodidade de poder marcar o dia e a hora. São muitos os mitos que cercam o nascimento, e é a falta de informação o principal motivo da tomada de decisões antecipadas ou equivocadas, garante o médico Edson Cunha Filho, obstetra do Hospital São Lucas da PUCRS e plantonista do Hospital Moinhos de Vento:
 
— O medo de não saber a hora certa e a angústia de que a qualquer momento o processo do parto possa ser desencadeado podem dar à gestante a falsa impressão de que a cesariana é melhor, mais prática e mais garantida. É necessário muito estímulo, paciência e convicção do obstetra para que as pacientes continuem perseverantes na ideia do parto normal — relata.
 
Mas nem sempre o profissional exerce o papel de protagonista na história. O número de cesáreas eletivas — aquelas programadas antes de a grávida entrar em trabalho de parto, sem urgência médica — salta quando as angústias da futura mãe vão de encontro aos interesses do médico, que muitas vezes acha mais confortável agendar os procedimentos sem ter de ficar à espera do parto normal, explicou a coordenadora da pesquisa, Maria do Carmo Leal.
 
Controle versus imprevistos
Para a obstetra Maria Lucia Opperman, chefe do Centro Obstétrico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), muitos médicos optam pelo procedimento cirúrgico porque conseguem ter um maior controle sobre o nascimento, o que não necessariamente ocorre no parto normal, quando o profissional precisa esperar o ritmo natural da paciente e dos processos que envolvem o nascimento, muitas vezes imprevisíveis.
 
— É uma realidade lamentável que demonstra a distorção dos valores da nossa sociedade atual, e como os eventos fisiológicos saudáveis estão distantes de muitos de nós. Compromissos marcados são mais convenientes para qualquer agenda. O importante é refletir sobre as consequências dessa conveniência — explica a obstetra Brena Melo, conselheira da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
 
As complicações possíveis
As altas taxas de cesáreas no Brasil, consideradas por especialistas como uma epidemia, trazem consigo uma série de justificativas: "a cesárea é mais segura" e "não vou sentir dor" são algumas das frases mais comuns. Os riscos, entretanto, são pouco valorizados. Conforme o obstetra Edson Cunha Filho, a cesariana pode causar uma série de complicações, entre elas as chances de a criança nascer prematura (nos casos de cesáreas agendadas), aumento no risco de problemas respiratórios para o bebê e problemas pós-cirúrgicos, como infecções, para a mãe.
 
— O índice de complicações é de três a cinco vezes maior do que no parto normal. A cesariana tem indicação, sim, e salva vidas, mas deveriam ser respeitadas as suas verdadeiras indicações — alerta.
 
Nem todo nascimento seria bem-sucedido de maneira natural, por limitações de saúde ou físicas da mãe, do bebê ou de ambos. Mas, quando a mãe está saudável, o bebê bem encaixado e tudo fluindo bem, o parto normal é a melhor opção. E os benefícios são diversos:
 
— Menor tempo de internação hospitalar, menor risco de infecção, menor risco de acidentes tromboembólicos e de sangramento, recuperação materna mais rápida e com menos dor, reforço no vínculo afetivo mãe e bebê, favorecimento do aleitamento materno e menor incidência de desconforto respiratório no recém- nascido — explica o especialista.
 
Sete meses e oito médicos depois, Maureen se prepara para o parto
Parir um filho no Brasil pareceu, pelo menos por algumas semanas, uma boa ideia para a americana Maureen Turnbull Arbelo, 36 anos. Nascida no estado do Colorado, a então estudante se mudou para Porto Alegre há sete anos para concluir o doutorado. Encantada com o estilo de vida dos gaúchos, decidiu ficar, casou com um brasileiro e abriu uma empresa de ensino. Ao descobrir a gravidez, chegou a comemorar o fato de estar aqui. Lá, conta Maureen, os partos são muito medicalizados, sem o incentivo ao parto humanizado.
 
Sua observação é confirmada pela obstetra Maria Lucia Opperman, chefe do Serviço de Obstetrícia do HCPA. Conforme a especialista, publicação recente do American College of Obstetrics and Gynecology revelou que, no EUA, em 2011, uma em cada três gestantes fez cesárea. O que Maureen não sabia é que esse número é comparável à média dos hospitais públicos brasileiros, e inferior à média dos hospitais privados, de 88%:
 
— Tenho uma amiga de infância que mora na Inglaterra e que engravidou no mesmo período. Ao conversarmos, logo nas primeiras semanas de gestação, ficamos contentes porque estávamos grávidas fora dos Estados Unidos. Só que ela tinha motivos pra comemorar, e eu não.
 
Dados do Health and Social Care Information Centre, órgão do governo britânico, informam que 25,5% dos partos entre 2012 e 2013 foram cesáreas. Esse número, ainda que acima do recomendado pela OMS, é muito inferior ao de outros países. Entre os motivos, o esforço do governo para que as gestantes priorizem o parto normal, e porque a profissão de parteira é reconhecida por lei desde 1902.
 
Pelo direito de participar da decisão
No Brasil, Maureen enfrentou dificuldades para encontrar um médico que lhe passasse segurança:
 
— Visitei sete médicos. Todos diziam que o parto normal tinha "poréns", e nenhum se mostrava muito disposto a trocar ideias, explicar detalhadamente os procedimentos.
 
Praticante de yoga e entusiasta do parto humanizado, ela não desistiu. Foi na oitava tentativa, e já com cinco meses e meio de gravidez, que a americana encontrou uma obstetra disposta a conversar sobre as decisões do parto. Mas aí veio a questão do hospital. Somente uma instituição da Capital permite a presença de uma doula e do pai da criança na sala de parto, duas pessoas que ela quer por perto durante o nascimento do primeiro filho. Hoje com sete meses de gestação, ela se prepara para o parto com caminhadas e alimentação especial:
 
— Não consigo entender porque é preciso lutar por algo que deve ser natural. A decisão sobre o parto deveria ser tomada em conjunto, entre o médico e a gestante. Se não der pra ser natural, tudo bem, mas não quero ser manipulada. Quero saber que tentei, quero poder discutir os riscos e as possibilidades com o profissional.
 
Zero Hora

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