Foto: Reprodução |
Transexuais e travestis estampam os cartazes das campanhas
contra o preconceito, pela capacitação profissional e alertando sobre a
transmissão do HIV expostos pelas paredes. Estamos na Vila Mariana,
bairro de classe média alta em São Paulo, no Ambulatório de Saúde
Integral para Travestis e Transexuais (ASITT).
Vinculado
à Secretaria de Estado da Saúde, o local recebe em média 70 visitas por
dia – em dias mais atribulados, são oferecidos 100 atendimentos.
Algumas transexuais vêm ao ambulatório produzidas, e se parecem com as
fotos nos cartazes, outras não. Mas todas estão ali para cuidar da saúde
mental e física, em busca de tratamento hormonal e de cirurgia de
mudança de sexo. “A maior parte dos nossos trans nasceram biologicamente
homens, mas têm identidade de gênero feminina”, explica Artur Kalichman,
médico sanitarista e diretor-adjunto do CRTA (Centro de Referência e
Treinamento em DST/Aids, do qual o ASITT faz parte). “Elas estão fazendo
a transição para mulheres.”
Na primeira visita, cada paciente é
entrevistado, passa por avaliação médica e mental, e dali é orientado
sobre o tratamento indicado. O espaço conta com cinco psicólogos e um
psiquiatra, dois clínicos gerais, um infectologista, um ginecologista,
um urologista, um endocrinologista e um proctologista, que além do ASITT
atende em outros setores da instituição.
Para
quem procura o ambulatório, o sentimento é ambíguo. Por um lado, há a
felicidade de encontrar um lugar onde suas questões serão entendidas,
atendidas – e resolvidas. Por outro, a lentidão no encaminhamento do
tratamento é angustiante.
Thomas Carrilho Tomihero,
transhomem de 22 anos, já esteve no ambulatório três vezes. “A primeira
foi em fevereiro, me pediram uns exames e marcaram a próxima consulta
para abril. Voltei em abril, marcaram o retorno para julho. Em julho,
marcaram para outubro”, conta ele.
Diante da lentidão para obter o laudo que atesta que ele é transexual e
possibilita que comece o tratamento hormonal, Thomas procurou uma
psicóloga particular. “Só com esse laudo você pode dar continuidade ao
tratamento”, diz ele, que seguiu fazendo terapia com essa psicóloga, mas
não deixa de elogiar a existência do ambulatório. “A maioria dos
atendentes entende e respeita você. Minha psicóloga foi até lá se
informar e disse que achou muito bom. É bom que exista um lugar como
esse, mas é demorado para caramba.” Thomas é minoria no ambulatório:
nasceu biologicamente no corpo de uma mulher e assumiu a identidade
masculina. Para completar a transição, quer fazer tratamento hormonal e
cirurgia para retirar os seios. Por enquanto, o jeito é esconder as
curvas com uma cinta modeladora.
Desde 2010
A psicóloga Judit Lia Bussanello
é a diretora do ASITT, criado pelo então governador José Serra em 2010.
Uma senhora de cabelos castanhos curtos, óculos e voz calma, Judit cita
de cabeça alguns casos mais marcantes que acompanhou ali. Lembra-se
especificamente de um transexual masculino que, enquanto era menina
ainda, se mostrava agressiva, não se sentia confortável com suas roupas e
brinquedos e tentou mutilar as próprias mamas. “Como todo homem
transexual, ela era uma menina que se sente menino”, explica, contando
que chegaram a diagnosticar a criança como esquizofrênica. No ASITT eles
entenderam as necessidades reais do menino.
O
ambulatório funciona das 8 da manhã às 20 hs., e as consultas têm de ser
agendadas com antecedência. Como a primeira consulta é mais longa, deve
ser marcada no máximo até às 18 horas. “Foi a primeira vez em que
estive num ambulatório especializado em transexuais. O atendente me deu
várias informações, preenchi uma ficha com o nome social e, com algumas
exceções, foi assim que passei a ser chamado ali”, lembra Thomas.
“Fizeram minha carteirinha com nome social e marcaram minha primeira
consulta para dois ou três meses depois. O primeiro a me atender foi o
clínico geral.”
Três consultas depois, Thomas ainda não começou a
tomar hormônio. Quando será a hora da cirurgia, então? “Até conseguir
chegar ao ponto de ser operado pode demorar 10 anos”, se resigna ele.
“Conheço três pessoas que frequentam lá e nenhum foi operado ainda.”
Fila lenta
Artur
Kalichman conta que nem todo transexual está interessado numa cirurgia
de mudança de sexo, mas que todos, sem exceção, procuram alguma
intervenção corporal para mudar a aparência externa – e interna também,
considerando que o ambulatório oferece sessões de fonoaudiologia para
adequação da voz ao gênero. “Tem que analisar caso a caso e ver o quanto
de fato a transexual quer mudar o seu corpo para adequá-lo à identidade
de gênero. Algumas querem colocar peito, outras querem se operar e
chegar até o fim da transição. Os meninos querem tirar os seios, o
útero. Tudo depende do grau de incômodo que eles têm com o gênero ao
contrário.” Ele explica ainda que a legislação brasileira exige que
antes de se submeter à cirurgia de mudança de sexo o transexual complete
dois anos de acompanhamento psicológico. “Não julgamos que a
transexualidade seja uma doença em si, mas muitos chegam aqui vítimas de
preconceito, com uma história de vida muito dura. Então procuramos
oferecer suporte e apoio à saúde mental.”
Artur consente que
realmente a fila anda devagar. “Normalmente são mais de dois anos de
espera”, diz ele. Todas as cirurgias são feitas no Hospital das
Clínicas, por médicos que podem ser ginecologistas, urologistas,
cirurgiões plásticos ou gerais. “A única porta que temos no Brasil para
esse tipo de cirurgia no setor público é o HC. A expectativa é conseguir
outros hospitais e ambulatórios para fazer as cirurgias e acolher essa
população.” No ritmo atual, é realizada uma cirurgia por mês. “Não é uma
cirurgia simples, mas também não é extremamente complexa. Não é uma
cirurgia cardíaca. Não sei dizer qual o tempo de duração de uma cirurgia
desse tipo.”
O médico dá uma boa notícia: “Temos tentado ampliar
o número de serviços e recentemente o Ministério da Saúde criou uma
linha de cuidado para travestis e transexuais e quer com isso
identificar outros serviços necessários.” E uma má: “ Duas questões são
complicadas ainda para os travestis: o pomo de adão para elas e o
neopênis para eles. A ciência ainda tem de avançar um pouco mais para
resolver esses dois impasses na mudança de sexo.”
Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais
Rua Santa Cruz, 81 - Vila Mariana, São Paulo, SP
Telefone : (11) 5087-9833 - Diretoria
Agendamentos ou reagendamentos de consultas (11) 5087-9984 - das 8:00 as 11:00
iG
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