Em artigo, Denise Eloi, presidente da Unidas, aponta medidas urgentes para conter a escalada de custos assistenciais impulsionada pelas OPMEs
As órteses, próteses e materiais especiais, conhecidas pela sigla OPME, abrangem uma enorme gama de insumos utilizados em procedimentos médicos. São as válvulas, marcapassos, catéteres, sondas, balões, cânulas, drenos e toda sorte de fios, placas, enxertos, cimentos, produtos feitos de ligas e materiais especiais, entre outros. Populares principalmente em tratamentos cardiológicos, neurológicos, gastroenterológicos e ortopédicos, e sempre presentes nas intervenções cirúrgicas, as OPMEs estão no centro de um problema que tem assombrado o sistema de saúde suplementar no Brasil: a escalada dos custos assistenciais.
Estudo de caso feito pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) dá uma amostra da pressão que as OPMEs têm exercido sobre os gastos dos planos de saúde. Baseado em números de uma operadora de plano de autogestão com atuação no estado de São Paulo, o levantamento feito pela pesquisadora Amanda Reis Almeida Silva (série IESS 0049-2014) mostra que, no período de cinco anos entre 2007 e 2012, os gastos da empresa com OPME aumentaram 120,4% – no mesmo período a Variação de Custos Médicos Hospitalares (VCMH) foi de 88,1% e o IPCA, de 31,9%. Em razão desse aumento desproporcional, a fatia das OPMEs no custo assistencial total passou de 30% para 38,6%. Em pesquisa realizada pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde – UNIDAS, no ano de 2013, envolvendo 79 de suas filiadas, os custos com esses insumos representaram 54,2% dos gastos no regime hospitalar, que compreendem a 49,9% do total das despesas assistenciais.
Em princípio, o peso das OPMEs nos gastos dos planos de saúde com assistência decorre de duas realidades: dos preços elevados de produtos que envolvem tecnologia avançada e pagamentos de royalties; e da sua crescente utilização, que pode ser atribuída aos avanços da medicina nos tratamentos e também ao fato de que os planos de saúde tornaram esses tratamentos acessíveis a uma maior parcela da população. Essas duas questões, em condições normais de mercado, já seriam causa de preocupação para o financiamento da assistência, pelo impacto que têm sobre os gastos. Mas a situação se agrava – e muito – em razão de uma combinação de fatores que envolvem tanto os preços como o uso das OPMEs.
O problema aparece, numa ponta, nas grandes e dificilmente justificáveis variações entre os preços de produtos similares, e por vezes até iguais. Uma das causas dessas discrepâncias está na forma como as OPMEs são comercializadas. Nesse segmento, a produção envolve, em muitos casos, artigos protegidos por patentes exclusivas (o que gera situações de monopólio), e a comercialização dos produtos, no Brasil, é marcada pela baixa concorrência na importação e distribuição.
A questão se complica, na ponta do atendimento médico-hospitalar, pela falta de diretrizes sobre a utilização de OPMEs nos procedimentos, baseadas na melhor relação de custo e efetividade para o tratamento dos pacientes. Quando o hospital ou a clínica apresentam a conta, o plano de saúde pode questionar aqui e ali, mas não tem autoridade para julgar se o que foi feito e o material usado atendiam ao melhor critério de custo e efetividade, se era necessário usar esta ou aquela OPME, de tal ou qual marca e se não havia exagero na quantidade empregada. Resta-lhe simplesmente pagar a conta.
E, neste ponto vale a pena abrir parênteses para lembrar que engana-se o paciente se acreditar que o problema está resolvido porque “é o plano de saúde que paga”. Porque, no momento seguinte, os custos contabilizados pela operadora vão entrar no cálculo dos reajustes das mensalidades e vão ser distribuídos entre todos os beneficiários do plano. Ou seja, não há órtese nem prótese grátis. No caso das autogestões, que não aplicam as mesmas regras de mercado para o reajuste dos planos, esses valores terminam sendo incluídos no rateio realizado entre seus beneficiários, ou inseridos na sua contribuição, seja qual for o modelo de custeio da operadora.
A tempestade fica perfeita quando entra em cena outro problema, gravíssimo, que é o vício de alguns maus profissionais que se dispõem a receber pagamentos de fabricantes ou distribuidores em troca da prescrição de determinados produtos ou marcas. Esses mimos são chamados, à boca pequena, de “chocolates”. Pois bem, quando se combinam “chocolates”, preços artificiais (de um mercado em que quase não há concorrência), falta de diretrizes sobre o uso mais adequado das OPMEs e falta de informação para os clientes que pagam a conta, o resultado é a cena que temos diante de nós: custos cada vez mais altos, planos cada vez mais caros, ameaça de crise.
As OPMEs, como se vê, não são uma questão isolada, mas têm um papel destacado no complexo de problemas que provocam a escalada dos custos assistenciais. Tampouco elas são um problema que afeta apenas a saúde suplementar – ao contrário, o Sistema Único de Saúde é certamente o maior consumidor de OPME do País. Para equacionar essa questão, que afeta tanto os custos dos planos privados de assistência como o orçamento público da saúde, justifica-se, portanto, que haja uma combinação de esforços de todas as partes envolvidas – autoridades do governo, agência reguladora, operadoras, hospitais, entidades profissionais, órgãos de defesa da concorrência e do consumidor.
Uma agenda com esse propósito deveria incluir, entre outras coisas: estabelecer políticas para importação, distribuição, comercialização e uso de OPME; definir parâmetros técnicos para sua indicação clínica; elaborar e divulgar diretrizes e protocolos clínicos de utilização que tornem mais evidente a necessidade dos materiais em cada caso; adequar o quadro jurídico para coibir práticas indevidas, sem prejuízo da autonomia médica; estabelecer ações de defesa da concorrência para reduzir barreiras à competição na distribuição desses produtos.
Essas medidas são um passo necessário e urgente para conter a escalada de custos assistenciais e, ao mesmo tempo, assegurar as condições que permitam aos beneficiários da saúde suplementar e da saúde pública o acesso ao uso de OPME, tão importantes para o sucesso dos tratamentos, segundo as melhores práticas médicas e a melhor relação de custo-efetividade.
*Denise Eloi é presidente da União das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS)
Saúde Web
Em princípio, o peso das OPMEs nos gastos dos planos de saúde com assistência decorre de duas realidades: dos preços elevados de produtos que envolvem tecnologia avançada e pagamentos de royalties; e da sua crescente utilização, que pode ser atribuída aos avanços da medicina nos tratamentos e também ao fato de que os planos de saúde tornaram esses tratamentos acessíveis a uma maior parcela da população. Essas duas questões, em condições normais de mercado, já seriam causa de preocupação para o financiamento da assistência, pelo impacto que têm sobre os gastos. Mas a situação se agrava – e muito – em razão de uma combinação de fatores que envolvem tanto os preços como o uso das OPMEs.
O problema aparece, numa ponta, nas grandes e dificilmente justificáveis variações entre os preços de produtos similares, e por vezes até iguais. Uma das causas dessas discrepâncias está na forma como as OPMEs são comercializadas. Nesse segmento, a produção envolve, em muitos casos, artigos protegidos por patentes exclusivas (o que gera situações de monopólio), e a comercialização dos produtos, no Brasil, é marcada pela baixa concorrência na importação e distribuição.
A questão se complica, na ponta do atendimento médico-hospitalar, pela falta de diretrizes sobre a utilização de OPMEs nos procedimentos, baseadas na melhor relação de custo e efetividade para o tratamento dos pacientes. Quando o hospital ou a clínica apresentam a conta, o plano de saúde pode questionar aqui e ali, mas não tem autoridade para julgar se o que foi feito e o material usado atendiam ao melhor critério de custo e efetividade, se era necessário usar esta ou aquela OPME, de tal ou qual marca e se não havia exagero na quantidade empregada. Resta-lhe simplesmente pagar a conta.
E, neste ponto vale a pena abrir parênteses para lembrar que engana-se o paciente se acreditar que o problema está resolvido porque “é o plano de saúde que paga”. Porque, no momento seguinte, os custos contabilizados pela operadora vão entrar no cálculo dos reajustes das mensalidades e vão ser distribuídos entre todos os beneficiários do plano. Ou seja, não há órtese nem prótese grátis. No caso das autogestões, que não aplicam as mesmas regras de mercado para o reajuste dos planos, esses valores terminam sendo incluídos no rateio realizado entre seus beneficiários, ou inseridos na sua contribuição, seja qual for o modelo de custeio da operadora.
A tempestade fica perfeita quando entra em cena outro problema, gravíssimo, que é o vício de alguns maus profissionais que se dispõem a receber pagamentos de fabricantes ou distribuidores em troca da prescrição de determinados produtos ou marcas. Esses mimos são chamados, à boca pequena, de “chocolates”. Pois bem, quando se combinam “chocolates”, preços artificiais (de um mercado em que quase não há concorrência), falta de diretrizes sobre o uso mais adequado das OPMEs e falta de informação para os clientes que pagam a conta, o resultado é a cena que temos diante de nós: custos cada vez mais altos, planos cada vez mais caros, ameaça de crise.
As OPMEs, como se vê, não são uma questão isolada, mas têm um papel destacado no complexo de problemas que provocam a escalada dos custos assistenciais. Tampouco elas são um problema que afeta apenas a saúde suplementar – ao contrário, o Sistema Único de Saúde é certamente o maior consumidor de OPME do País. Para equacionar essa questão, que afeta tanto os custos dos planos privados de assistência como o orçamento público da saúde, justifica-se, portanto, que haja uma combinação de esforços de todas as partes envolvidas – autoridades do governo, agência reguladora, operadoras, hospitais, entidades profissionais, órgãos de defesa da concorrência e do consumidor.
Uma agenda com esse propósito deveria incluir, entre outras coisas: estabelecer políticas para importação, distribuição, comercialização e uso de OPME; definir parâmetros técnicos para sua indicação clínica; elaborar e divulgar diretrizes e protocolos clínicos de utilização que tornem mais evidente a necessidade dos materiais em cada caso; adequar o quadro jurídico para coibir práticas indevidas, sem prejuízo da autonomia médica; estabelecer ações de defesa da concorrência para reduzir barreiras à competição na distribuição desses produtos.
Essas medidas são um passo necessário e urgente para conter a escalada de custos assistenciais e, ao mesmo tempo, assegurar as condições que permitam aos beneficiários da saúde suplementar e da saúde pública o acesso ao uso de OPME, tão importantes para o sucesso dos tratamentos, segundo as melhores práticas médicas e a melhor relação de custo-efetividade.
*Denise Eloi é presidente da União das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS)
Saúde Web
Nenhum comentário:
Postar um comentário