Rio- Uma nova arma dará força redobrada à luta contra as constantes epidemias de meningite A que atingem a África e deixam milhares de mortos. Ontem, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deu o sinal verde para a introdução de uma vacina (a MenAfriVac) no programa de imunização dos países que compõem o chamado “cinturão africano da meningite”, que se estende do Oeste do Senegal ao Leste da Etiópia, com 26 nações. A vacina já vinha sendo usada para combater surtos ocasionais desde 2010, e sua eficácia ultrapassou os 90% na ocasião.
Uma pandemia ocorreu na década de 1970 e, na ocasião, atingiu também o Brasil. Novas pesquisas levaram ao desenvolvimento de imunizantes mais eficazes, e, desde então, a doença está sob controle por aqui e nos demais continentes. Há casos esporádicos durante o ano e surtos ocasionais. Nos últimos quatro anos foram notificados, no país, cerca de 80 mil casos de meningite, mas a maioria do tipo B.
No entanto, o problema persistiu no continente africano. Na verdade, grandes epidemias da meningite A são registradas desde 1940 e costumavam ocorrer a cada oito ou dez anos na África Subsaariana.
Nas últimas décadas, esse intervalo foi se encurtando, atingindo cada vez mais países do Sul, como Angola e República do Congo e se tornando um problema grave de saúde pública do continente. Em 1996, mais de 250 mil pessoas foram infectadas, e 25 mil morreram em apenas alguns meses pela contaminação com o sorogrupo A.
Segundo o pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) David Barroso, essas mudanças nos padrões da epidemia são difíceis de prever, porque dependem de fatores do ambiente, das bactérias e até dos seres humanos, os hospedeiros. No caso africano, a dificuldade de conter o problema ocorre ainda por causa do alto custo da vacina do tipo A eficaz em crianças abaixo de 2 anos.
— Há várias vacinas para conter a meningite atualmente. Mas não havia uma do sorogrupo A de baixo custo e que fosse eficaz para crianças pequenas. Este novo imunizante custa menos de US$ 1 por dose — comentou Barroso, que se anima. — Não acredito ser possível erradicar o sorogrupo A, mas é uma perspectiva real de reduzir os casos e eliminar as grandes epidemias. Pela primeira vez, há uma arma eficaz para lutar contra esse flagelo na África.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou no final do ano passado uma vacina conjugada para a prevenção da meningite dos tipos A, C, W e Y, para crianças a partir de 1 ano. Já estava disponível na rede pública a do sorogrupo C. Na rede privada, há outras vacinas contra a meningite disponíveis. Segundo Barroso, as demais vacinas existentes são administradas no caso de surtos, e não haveria necessidade de introduzir a MenAfriVac no país.
Mais de 215 milhões de doses administradas
O anúncio da OMS significa que a nova vacina está dentro dos padrões internacionais de qualidade, segurança e eficácia, e que pode, portanto, ser administrada também em crianças menores de 1 ano na África. Resultados de dois estudos clínicos com crianças em Gana e Mali que usaram a vacina foram apresentados em outubro do ano passado no painel do grupo de especialistas em imunização da OMS (o Sage), e, na ocasião, concluiu-se pela recomendação de uma dose aos bebês de 9 meses.
A MenAfriVac já tinha sido autorizada para uso em pessoas de 1 a 29 anos em campanhas de vacinação esporádicas. A meningite é uma doença que atinge principalmente crianças abaixo de 2 anos, por isso a importância de se vacinar o quanto antes.
— Uma campanha inicial de vacinação com a MenAfriVac foi muito eficiente em reduzir os casos de meningite A — afirmou Marie-Pierre Préziosi, diretora do Projeto de Vacina contra a Meningite (MVP, na sigla em inglês), um grupo que surgiu da parceria entre ONGs e a OMS. — Mas a epidemia retornaria quando o número crescente de recém-nascidos fosse maior que o da população.
Agora, com esta decisão, autoridades de saúde poderão assegurar que a proteção será mantida a partir da rotina de imunização de crianças.
Com a medida da OMS, as agências da ONU poderão comprar a vacina para uso rotineiro em programas de imunização nos países do cinturão, e ela serve ainda como um endosso de qualidade a outros países interessados em adquiri-la em eventuais surtos.
Desde que começaram as campanhas, em 2010, a vacina já foi administrada em 215 milhões de pessoas em 15 países do cinturão da meningite: Benim, Burkina Faso, Camarões, Chade, Costa do Marfim, Etiópia, Gana, Mali, Níger, Mauritânia, Nigéria, Senegal, Sudão, Togo e Gâmbia. A eficácia maior foi confirmada no Chade, em 2012, quando pesquisadores revelaram uma dramática redução na transmissão e incidência da meningite A, uma queda de mais de 90% após a vacinação.
A OMS informou que já vem trabalhando com os países africanos para assegurar uma transição tranquila entre as campanhas ocasionais e o programa de imunização definitivo. Sete países — Burkina Faso, Camarões, Chade, Gana, Mali, Níger e Nigéria — vão introduzir a vacina já neste início de 2015.
— Estamos a meio caminho de introduzir a vacina no cinturão da meningite, e as primeiras ações foram de muito sucesso, mas ainda não podemos declarar uma vitória contra a epidemia na África Subsaariana — comentou Jean-Marie Okwo-Bele, diretor do Departamento de Imunização da OMS.
— Se dormirmos sobre os louros e não acabarmos o trabalho, as epidemias retornarão de forma mais grave nos próximos anos. A eliminação das epidemias vai demandar um comprometimento político dos países do cinturão para completar as campanhas temporárias e introduzir o programa de vacinação. Assim, e apenas assim, vamos vencer esta batalha.
Doença com letalidade de até 40%
Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabela Balallai afirma que a notícia é boa não apenas para a África, mas para todo o mundo:
— Com a globalização, o mundo fica cada vez menor. O controle nesse cinturão minimiza o risco de que a doença volte a países em que a não é prevalente, não só por meio de pessoas que para lá viajam como para pessoas que vêm de lá. Hoje, para se evitar uma doença, é preciso ação global.
A meningite pode ser causada tanto por vírus quanto bactérias, sendo essa última modalidade a mais grave e com chances de provocar epidemias. Há 13 sorogrupos identificados, porém os mais comuns são A, B, C, Y e W135. Estas bactérias causam inflamações das membranas que revestem o sistema nervoso central e inflamações generalizadas. Acometem geralmente crianças e adultos jovens, mas no caso de epidemias também podem atingir outras faixas etárias. É uma doença de evolução rápida e muito letal. Segundo Isabela, o tipo da doença em questão tem até 40% de letalidade, no caso de países pobres, onde o acesso a tratamento é dificultado.
— É uma doença grave, que deixa sequelas neurológicas e pode levar à amputação de membros. É rápida e muito agressiva, capaz de matar em 24 horas. Mesmo em países que têm uma boa estrutura de saúde, com condições de tratamento, a letalidade não é menor do que 10%.
O Globo
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