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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Técnicas de neuroimagem ajudam a prever problemas como a dificuldade de aprendizado e tendência ao abuso de drogas

Tema gera polêmica e envolve complexos debates éticos
Outros especialistas, contudo, alertam que o método é impreciso e pode gerar problemas se for usado, por exemplo, para decisões judiciais
 
Como uma vidente que examina as linhas das mãos de um cliente, cientistas vasculham cada área do cérebro do paciente à procura de respostas sobre o futuro. Eles acreditam que a mente possa guardar informações não somente sobre doenças, mas também sobre traços de personalidade e tendências comportamentais que o indivíduo nem tenha desenvolvido ainda.
 
São os neuromarcadores, características físicas que podem ser detectadas em imagens de exame de ressonância magnética e revelar a complexa natureza do comportamento humano. Desvendar esses sinais, defendem alguns pesquisadores, tornaria possível o tratamento de distúrbios, a prevenção de problemas de aprendizado ou até mesmo o combate a vícios de forma mais eficiente e personalizada. O tema, contudo, gera polêmica e envolve complexos debates éticos.
Provavelmente, a maneira mais óbvia de empregar essa técnica seria antes de um tratamento clínico, como forma de apontar qual a melhor abordagem para aquele paciente. No caso de pessoas que sofrem com um vício, por exemplo, há diversos sinais que indicam se um indivíduo tem uma tendência maior a sofrer uma recaída depois de um tratamento. Os exames preventivos poderiam ser aplicados até mesmo no início da vida, quando a neuroimagem é capaz de acusar se a criança tem uma predisposição a experimentar bebidas alcoólicas mais cedo, ou se ela é mais sensível aos efeitos de drogas ilegais.

Um teste com imagens de alimentos também poderia indicar se o paciente é mais inclinado a buscar a comida como recompensa, uma relação que pode levar à obesidade. De acordo com pesquisas feitas na última década, um exame na amígdala, a região do cérebro envolvida na resposta ao medo e a outras emoções negativas, é o suficiente para saber se o tratamento contra a depressão terá resultados meses depois. O neuroprognóstico ainda poderia indicar, por exemplo, se o indivíduo responde aos medicamentos, ou se uma terapia comportamental bastaria para resolver o problema.

No entanto, a detecção de neuromarcadores ainda não é rotina no tratamento de distúrbios neuropsicológicos. “Exames de imagens nos mostraram que há diferenças específicas em distúrbios psiquiátricos, e isso é importante, mas como essa informação pode levar a benefícios práticos?”, questiona John Gabrieli, professor de tecnologia e neurociência cognitiva no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Ele é um dos autores de artigo publicado recentemente na revista Neuron, no qual ele analisa como as últimas duas décadas de pesquisas na área da neuroimagem indicam que características estruturais e funcionais do cérebro estão associadas a determinados comportamentos, e como essa predição pode ser usada para ajudar as pessoas.

Uso combinado
“Acho que o problema é menos sobre diagnóstico e mais sobre como ajudar pessoas a encontrarem formas de ter êxito”, explica Gabrieli, que defende o uso das neuroimagens em conjunto com as antigas avaliações psicológicas. “Medidas comportamentais têm, em muitos casos, poder limitado para predizer uma variedade de resultados, como qual tratamento funcionará melhor para um problema mental, qual criança terá dificuldade em aprender a ler, se um indivíduo está usando uma abordagem eficiente para ele deixar de fumar. Nesses e em outros casos, há grandes evidências que os exames de imagem cerebral fornecem previsões para esses resultados na saúde e na educação”, defende o especialista.

Uma das áreas mais exploradas nesse nicho é o aprendizado. Hoje, é possível examinar o cérebro de uma criança e saber se ela pode sofrer com dificuldades com a leitura ou com a matemática ao longo da aprendizagem. Estudo feito nos Estados Unidos há 15 anos, por exemplo, mostrou se uma criança seria disléxica por meio de um simples exame de eletroencefalografia feito horas depois do nascimento. Por meio do mesmo método, que não é invasivo, seria possível dizer, ainda na primeira semana de vida, se a pessoa teria um desenvolvimento saudável da linguagem até os 5 anos.

Especialistas defendem que esse conhecimento poderia ser aproveitado por pais e professores, que estariam preparados para os problemas enfrentados pelos pequenos e empregariam técnicas de compensação já na idade precoce. “Existem pessoas que têm inteligência normal, mas apresentam dificuldade de se adaptar a esse processo. Se a genética de uma pessoa a predispõe a ter dificuldade de aprendizagem, nós podemos, com estímulos e com a educação voltada a ela, ajudar essa pessoa a atingir o potencial máximo”, aponta Augusto Buchweitz, pesquisador do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul, da PUC-RS.

Para o brasileiro, o desafio mais urgente na aplicação desse método na educação de crianças é a falta de pesquisas robustas o suficiente para gerar dados que sejam adotados em exames reais, antes do diagnóstico comportamental. O Instituto do Cérebro é um dos vários que trabalham na identificação de neuromarcadores que identifiquem crianças em risco de desenvolver dificuldades de aprendizado, e atualmente trabalha com pequenos no início da fase de alfabetização que serão acompanhados por mais três anos. “Você precisa de estudos populacionais maiores. Nesse projeto, começamos com quase mil crianças. Aí, passa o ano, você perde 30%. Na realidade, o ideal seria começar com 20 mil crianças, e chegar ao fim com 5 mil”, ressalta Buchweitz.

Segurança Quando se trata da saúde mental, a questão não é tão simples quanto um exame de sangue. Os testes de neuroimagem, que ainda dependem das avaliações comportamentais, têm uma margem de erro considerada alta, não sendo suficientes para determinar se uma pessoa vai ou não sofrer determinado distúrbio. “Existe um certo exagero na crença de que os marcadores são muito fidedignos. Isso não é verdade. A maioria dessas medidas não tem ainda estudos de valor preditivo. Você não pode assumir que a confiabilidade do teste que você tem em uma amostra pequena será a mesma em uma amostra maior”, ressalta Jorge Moll, diretor do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor).

Para o brasileiro, que trabalha com pesquisas para identificar marcadores de distúrbios como a depressão e a psicopatia, a técnica ainda deve levar alguns anos até atingir o potencial de exatidão necessária para que seja adotada de forma sistemática por profissionais de saúde. “A questão é se o ganho que você tem nessa previsão compensa. Talvez não neste momento. Mas é uma técnica interessante. Se esses métodos vão se tornando cada vez mais fidedignos, pode ser que em algumas situações valha a pena”, pondera Moll, que também é membro da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC).

Até que o método seja consolidado, especialistas continuam discordando sobre o seu uso em aplicações mais controversas, como em clínicas de tratamento ou na Justiça criminal. Existem, por exemplo, estudos que tentam defender a aplicação da neuroimagem como forma de avaliar criminosos em reabilitação: um trabalho citado no artigo da revista Neuron testou quase uma centena de condenados que foram liberados da sentença e concluiu que aqueles que apresentaram uma baixa atividade no córtex cingulado anterior, a área responsável pelo autocontrole e resolução de conflitos, teriam o dobro de chances de retornar para a cadeia.

A psiquiatra Sally Satel, autora de Brainwashed: The seductive appeal of mindless neuroscience (sem edição no Brasil), acredita que ver uma área do cérebro se acender em um exame de ressonância magnética não é uma forma totalmente segura de compreender como a mente de um indivíduo funciona, e que há questões mais subjetivas que precisam ser consideradas em um cenário como esse. “Quando se trata do sistema criminal, o problema mais sério é o quão precisas essas predições devem ser para justificar a restrição da liberdade de uma pessoa”, avalia a especialista.
 
Saúde Plena

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