Reprodução: Dori está há meses à espera de cirurgia |
Há dois anos, Maria das Dores Alves da Silva Santos, a Dori, de 46 anos, está com sangramento vaginal e ainda não encontrou solução para o seu caso dentro do SUS (Sistema Único de Saúde). De mulher corpulenta, ativa, cheia de disposição, hoje ela se vê desanimada, sem conseguir trabalhar.
Já se sentindo bastante anêmica (como ficou constatado em exame, feito em abril passado), ela só levanta da cama só para se alimentar e, de tempos em tempos, ir à UBS (Unidade Básica de Saúde ) Novo Jardim, a mais próxima de onde mora, na região de Santo Amaro, bairro de São Paulo. Dori vai para saber se a tão esperada consulta com um cirurgião, indicada por uma médica da unidade municipal, já pode ser marcada.
Vai e retorna cansada, pois, segundo ela, ouve a mesma resposta de sempre: está na fila, não há cirurgião. Então ela respira fundo e sai de coração apertado, sentindo a dor de muitos brasileiros, principalmente os que moram nas periferias, que não têm acolhimento adequado do serviço público. E fazendo de tudo para que o sangue não atrapalhe seu trajeto de volta.
— Tudo o que eu queria era conseguir uma consulta com um cirurgião. Do jeito que está, acho que vou morrer e não vou conseguir. Já vi algumas amigas minhas passarem por isso e morrerem sem o atendimento adequado.
As consultas na UBS, onde foi atendida quatro vezes nos últimos nove meses, têm servido mais para ela desabafar sua angústia com a médica. Já não pode passar as horas ativas em um salão de beleza, especializado em cabelos cacheados, trabalhando com a sobrinha.
A doutora, segundo ela, a escuta, lamenta a situação, indica a cirurgia mas diz que nada mais pode fazer além de lhe ter receitado o remédio Cerazette, que não está conseguindo conter o sangramento.
— Fico deitada o tempo inteiro, porque aí o sangramento melhora. Se me levanto, o sangramento volta forte. Tão forte que não uso mais absorvente, uso fralda.
Necessidade de cirurgia
Nesta turbulenta pré-menopausa (transição do período reprodutivo para o não-reprodutivo), tudo se agravou há nove meses, quando os sangramentos ficaram muito fortes. No dia 3 de abril de 2014, Dori foi atendida no Hospital M'Boi Mirim, municipal.
Ao R7, tanto a Secretaria Municipal da Saúde, de São Paulo, quanto a Estadual consideram que atenderam a paciente de maneira adequada. A Secretaria Municipal diz que ela foi avaliada pelo médico plantonista da obstetrícia, que mediu sua pressão e não constatou alterações clínicas ou instabilidade hemodinâmica (alteração de pressão). Mesmo medicada, quatro dias depois, Dori foi parar na mesa de cirurgia do Hospital Regional Sul, estadual.
Ela recebeu anestesia raquidiana e fez uma curetagem (retirada de material do útero). O hospital afirma que houve um aborto espontâneo e garante não ter detectado mioma no atendimento. Exame realizado dias depois pelo próprio Hospital Regional Sul, em parceria com o Centro Estadual de Análises Clínicas — Zona Sul e o Labpac (Anatomia Patológica e Citopatologia), apontou que ela tinha um mioma no útero.
— Não recebi informação nenhuma do hospital. Tive a impressão de que a cirurgia foi interrompida. Foi um descaso. Além do mais, não há como ter sido aborto espontâneo. Fiz laqueadura há 20 anos, após dar à luz ao meu filho mais novo.
Após novos exames em outro hospital municipal, o do Campo Limpo, pedidos pela UBS, ela retornou em 9 de junho à UBS, para marcar a cirurgia de retirada do mioma. Mas está esperando até agora, sem que o sangramento seja contido. Dori tem duas irmãs, mais velhas, que moram em Itabuna (BA) e, também com mioma, resolveram a situação no sistema de saúde local.
— Elas ficaram bem, tudo foi resolvido com rapidez. Não é possível que, no interior da Bahia, onde se imagina que o acesso à Saúde seja bem mais precário, minhas irmãs tiveram a situação resolvida e eu, em um centro grande como São Paulo, encontro tantos problemas.
Uma médica particular confirmou ser necessária uma histerectomia abominal (retirada do útero). O valor dessa cirurgia, porém, é inacessível para o padrão de vida de Maria das Dores, o que só aumentou seu desânimo.
— Sou humilde, pobre, se tivesse dinheiro já teria marcado uma particular. Isso é comum no Brasil, muitas mulheres estão na minha situação. Fui a um hospital privado e o valor cobrado é de R$ 7.020,00. Até as pessoas da unidade, que me veem por lá, lamentam por mim.
Drama familiar
Dori tem três filhos, de 27, 23 e 19 anos. O mais novo mora com os pais. O marido dela, atualmente desempregado, também está sentindo o peso da situação. O drama chega mais forte na hora de dormir, quando o silêncio da noite se alinha à falta de resposta do dia. Dori vira de um lado para o outro da cama, jogando os lençóis sem se livrar, no entanto, das preocupações.
— À noite deito e penso que não vou acordar. Acho que vou morrer. Gosto da vida, gosto de trabalhar, choro muito por não conseguir. Fico desesperada. Não tenho expectativa de vida. Penso que vou acabar morrendo por uma coisa simples.
Na última sexta-feira (13), ela reacendeu suas esperanças, ao ter sido procurada pela UBS para um retorno. Mas logo se decepcionou, porque mais uma vez não marcou a consulta com o cirurgião. Apenas foram pedidos novos exames. Segundo ela, deve demorar quase um mês para chegar o resultado. E seu caso é urgente, segundo guias que ela tem em mãos.
Acima de tudo, Dori está se sentindo humilhada por depender do poder público para resolver seu problema.
— O que estou vivendo é uma desconsideração com o ser humano. Sou humana também. Tenho sentimentos, como todos têm. Rico ou pobre, o sentimento existe. Acho que o pobre até tem mais sentimentos. Estou dependendo mais da minha fé em Deus, que eu tenho, do que do atendimento médico.
Mioma não é câncer
O mioma é um tecido diferente do uterino, que forma um tumor benigno e aparece em mulheres com menstruação. Atinge por volta de 50% das mulheres na faixa etária dos 30 aos 50 anos, em geral em idade fértil.
Segundo a ginecologista Fernanda Araújo Pepicelli, do Hospital Bandeirantes, o início do quadro ocorre em geral antes mesmo da pré-menopausa. As causas comumente são hereditárias ou por desequilíbrio hormonal, que pode favorecer o surgimento do tecido.
— Pessoas cujas mães tiveram um mioma são mais propensas a terem também.
Também nas mulheres pré-menopausa, porém, pode haver a ocorrência do mioma. É o caso de Dori. A médica considera o mioma uma anormalidade, mas o incômodo e a gravidade dependem da localização deste tecido, que pode ser na superfície do útero (pediculado), na parte externa (subseroso) ou no interior da parede uterina (intramural).
— Quando estão para dentro, geralmente o sintoma dos miomas é aumentar a menstruação, a quantidade de sangramento fica maior. Varia de mulher para mulher, conforme a localização.
Existem mulheres que chegam a ficar 10, 15 dias menstruadas por causa do mioma.
Fernanda afirma que é importante as mulheres terem a consciência de que o mioma não significa nenhum tipo de tumor maligno.
— Sempre tranquilizo dizendo que mioma não é câncer e não vai virar câncer.
Para ela, a indicação de cirurgia depende dos sintomas. A médica observa que, quando a menstruação é grande, há cólicas e a situação não melhora com medicamentos à base de progesterona, a cirurgia em geral é indicada. Mesmo em mulheres que estão para entrar na menopausa (fim da menstruação), que chega por volta dos 50 anos, a intervenção não deve ser descartada, conforme afirma a ginecologista.
Na menopausa, o útero e todas as ocorrências relacionadas a ela se inibem e quase nunca cirurgias são necessárias. Mas às vezes, mesmo que, em tese, falte pouco, não é possível esperar ela chegar.
— Claro que é levada em conta a idade. Mas a mulher pode ter 46, 47 anos, teoricamente estando perto da menopausa, e estar sangrando, sem melhorar com a medicação. Nestes casos, a própria paciente quer a cirurgia e nós acabamos fazendo, porque não é nada agradável ficar o tempo inteiro sangrando. Além disso, não dá para saber ao certo quando a menopausa irá chegar.
R7
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