Em um recente artigo no Health Affairs, Jeff Goldsmith apresenta duas diferentes abordagens discutidas nos Estados Unidos atualmente, mas que tem uma lógica para qualquer sistema de saúde: a responsabilidade pelo aumento crescente dos custos na saúde vem do lado da demanda (paciente) ou do lado do fornecedor (médicos)?
A primeira abordagem o autor chama de “narrativa conservadora”, onde muitos jogam para o paciente, ou para o lado da demanda, a responsabilidade pelo aumento dos custos do sistema de saúde. Os defensores desta abordagem colocam principalmente os fatores de comportamento do paciente (obesidade, falta de cuidado com sua saúde, fumo, atividade física, etc), como responsáveis por isso. E como os pacientes pagam por sua saúde uma pequena parte, há um efeito conhecido como risco moral (isto é, um tipo de falha de mercado em que a existência de um seguro contra um determinado risco aumenta a probabilidade de ocorrência do evento que origina esse risco). O problema desta narrativa está em ignorar os fatores sociais, os quais são os maiores determinantes da saúde de uma população, segundo diversos estudos.
Por outro lado, há uma abordagem que o autor chama de “narrativa progressista”, onde a responsabilidade do aumento de custos é jogada para os fornecedores de serviço, onde os médicos se encaixam. Neste caso, o grande fator a ser considerado como determinante está no modelo de remuneração dos serviços prestados, onde o aumento do custo é direcionado pelos prestadores que buscam aumentar suas rendas através da prestação de serviços que são desnecessários. Muitos autores falam que os médicos têm uma meta de ganho em função de suas necessidades e, em virtude disso, utilizam do modelo de remuneração vigente para atingir estas metas, autogerando demandas ou solicitando serviços adicionais em que sejam beneficiados. Muitos autores acreditam que se utilizando de incentivos adequados este tipo de comportamento modifica. Assim, modelos como Pagamento por Performance, ou pagamentos baseado em valor, estão sendo o alvo das reformas em muitos países para resolver esta questão.
A tendência em buscar culpados é natural do ser humano. O problema é imaginar que a elevação de custos está relacionada à apenas um lado da balança (demanda ou fornecedor). Isto é um grande equívoco, assim como separar o custo da qualidade. O custo é uma das dimensões fundamentais da qualidade. Vamos então usar a palavra “valor”. Da mesma forma, a percepção de valor por parte de quem usa um serviço de saúde está relacionada ao benefício (qualidade de vida relacionada à saúde e a satisfação), mas também ao esforço (acesso e preço). Portanto, um conceito com este nível de abrangência não tem apenas um responsável por sua falta.
O problema é muito maior e é sistêmico. E problemas sistêmicos somente são resolvidos com ações sistêmicas. Indiscutivelmente, tanto do lado da demanda como do lado do fornecedor devem haver ações integradas e estruturantes, um se responsabilizando pela sua saúde e o outro se responsabilizando pela entrega de um serviço de qualidade, centrado no lado que a demanda. Além disso, não podemos esquecer dos fatores sociais e ambientais que influenciam a saúde. No recente livro da Miriam Leitão (A História do Futuro) ela nos traz questões importantes com relação à saúde, pois foi assessorada pelo André Medici em boa parte deste capítulo. Ela deixa claro que a saúde da população não é de responsabilidade apenas do Ministério da Saúde, são ações longitudinais que estão na responsabilidade em outras áreas, como saneamento, segurança, educação, dentre tantas outras. Enquanto tratarmos a saúde como algo isolado e buscando culpados não solucionaremos estes problemas.
Independente disso, as ações devem ser iniciadas por algum lugar. Eu defendo veementemente o início pelo lado do fornecedor, reformulando o seu modelo de remuneração vigente. Esta, na minha opinião, deveria ser a ação prioritária, obviamente com diversas ações paralelas, tais como: aumentando o nível de responsabilidade do paciente pela sua saúde, através de prêmios e uso de co-participações; ações mais agressivas com relação a geração de demandas desnecessárias com ganhos secundários; repensar e reformular a lógica da atenção, buscando uma visão horizontal do paciente priorizando a atenção básica; dentre tantas outras. Independente destas ações, o fundamental agora é termos a clareza de que para qualquer ação que se faça, a necessidade de medir é fundamental. Não se pode melhorar aquilo que não se mede, e o pior, não é possível nem sequer ter a noção de qual ação tomar se não tivermos condições de gerar dados para construir indicadores que nos apontem isso.
Em suma, nosso problema ainda está em resolver coisas muito mais básicas, como gerar dados adequados em nossos sistemas de informação… Mas o importante é começar. Só se consegue melhorar a qualidade de um indicador se começar a medí-lo.
Saúde Business
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