Aplicativos, carreira, concursos, downloads, enfermagem, farmácia hospitalar, farmácia pública, história, humor, legislação, logística, medicina, novos medicamentos, novas tecnologias na área da saúde e muito mais!



segunda-feira, 25 de julho de 2011

“Precisamos de boas ideias”

Médica há mais de 40 anos, Silvia Regina Brandalise dedicou a vida aos cuidados de crianças e adolescentes com câncer. Tal empenho idealizou o Centro Infantil Dr. Domingos A. Boldrini, hospital que apresenta índices de 70% de cura da doença, mas isso é só uma parte do legado dessa brasileira

Questionada pelo rumo que a sua vida profissional tomou ao ser uma das mais conhecidas especialistas em câncer infantil, a pediatra e onco-hematologista, Silvia Regina Brandalise cita o filósofo Ortega y Gasset. “Eu sou eu em minhas circunstâncias”. Tais circunstâncias foram vividas por ela na Pediatria da Universidade e Campinas (Unicamp), onde a aversão inicial pela doença deu lugar à busca pela especialização, à idealização e fundação do Centro Infantil de Investigações Hematológicas Dr. Domingos A. Boldrini, em Campinas (SP), onde ocupa a presidência desde a fundação, hoje em regime voluntário.

Casada, mãe de quatro filhos, Silvia não para. Além do cargo no Boldrini, ela leciona na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, em regime de dedicação exclusiva ao ensino e à pesquisa. Integra também um grupo internacional de trabalho na Organização Mundial da Saúde (OMS), que discute políticas públicas de prevenção e controle do câncer da criança e do adolescente. Recentemente, começou a integrar o W.I.T.H. (Women Innovating Together in Healthcare), grupo com 63 mulheres, que se destacam no mundo em tecnologias inovadoras. O 2º encontro do grupo e o primeiro de Silvia, ocorreu em Paris, no final de maio. Após retornar da viagem, ela conversou com a FH.

FH: Quando você começou com a oncologia pediátrica?
Silvia Regina Brandalise: É uma história comprida (risos). Resumidamente eu fiz quase dez anos de pediatria geral e depois eu fui para área de hematologia/ oncologia.

FH: O índice de cura nos casos de câncer infantil é de 70%. Podemos afirmar que há maior possibilidade de cura se comparada a doença desenvolvida por adultos?
Silvia: A taxa de cura é maior do que desenvolvida por adultos, porque os tumores são diferentes da criança e do adulto. Um aspecto importante é que essa chance de cura só aparece em locais com alta especialidade em câncer, quer dizer, esses resultados são apenas em grandes centros especializados.

FH: Como a cidade de São Paulo, por exemplo?
Silvia: Quando pegamos os dados da região metropolitana de São Paulo, as chances de cura estão ao redor de 47%, porque a soma é de todos os centros que tratam de criança, mais especializados ou não. Em Campinas (SP), a maior parte dos doentes vem pra cá (para o Dr. Boldrini) e acaba tendo uma melhor chance de cura.

FH: Na sua opinião, como o Brasil se situa, se comparado a outros países, no tratamento de câncer infantil oferecido pelo sistema público de saúde?
Silvia: Os dados do registro de mortalidade pelo Ministério (da Saúde), pela Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica e os dados do registro de base populacional da região metropolitana de São Paulo mostram que nós estamos com dados de sobrevida, em média, iguais aos dados dos países do Leste Europeu. Ou seja, muito tem que ser melhorado para sairmos de 47% e irmos para 70%.

FH: E essa melhoria começa aonde? Quais são essas ações?
Silvia: A melhoria resulta de uma redefinição de quais são os centros que podem atender pacientes de acordo com a sua complexidade. Por exemplo, com tumor cerebral ou tumor ósseo ou outros tipos de câncer. Uma redefinição.

FH: Então, hoje existe uma falta de organização desses centros?
Silvia: Já existe uma definição da portaria, mas ela não é perseguida no dia a dia. Isso faz com que a gente tenha as estatísticas publicadas pelo Ministério da Saúde, pelo Instituto Nacional do Câncer e pelo registro de base populacional de São Paulo, que mostram sobrevida de 47%, e isso são resultados que se comparam com países do Leste Europeu.

FH: No Brasil, ainda há uma regionalização quanto ao tratamento de algumas especialidades médicas. O Estado de São Paulo concentra os grandes centros de especialidade, enquanto outras regiões como o norte e o nordeste são carentes. Existe iniciativas de levar o Boldrini a outras regiões?
Silvia: No projeto Criança e Vida, feito pela Fundação Banco do Brasil, essa preocupação já existe. O importante é saber que o Ministério da Saúde junto com a Fundação Banco do Brasil trabalhou na definição da regionalização. As portarias do Ministério, quando foram elaboradas também trabalham com a regionalização, na definição da complexidade, dos Cacons (Centros de Alta Complexidade em Oncologia) e etc.

O que acontece é que, na prática, acabaram tendo serviços que são clínicas isoladas ou que são hospitais gerais e que não contemplam quimioterapia, anatomia patológica, área de imagem. Essas crianças estão sendo tratadas em hospitais gerais ou clínicas isoladas e que, de alguma forma, acabam com um resultado pior.

FH: O Boldrini assim como os hospitais tem a preocupação com a humanização. E normalmente centros especializados em câncer infantil têm ações como voluntários e contadores de história. Isso contribui efetivamente para o tratamento?
Silvia: Isso ajuda na adesão. A criança acaba vendo o hospital não como um lugar de muito sofrimento. Ela acaba vendo o hospital como um lugar onde também se preocupa com o bem-estar.

FH: O Boldrini é um hospital filantrópico. Quantos atendimentos são provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS)?
Silvia: São 80% dos atendimentos vindos do SUS e 20% são de convênio. Isso significa que os pagamentos que vêm do Sistema Único de Saúde dão um aporte de 30% da receita do hospital. Então, 80% gera 30% da receita. Os outros 20% de convênios privados geram mais 30%, ou seja, convênio privado paga, em média, quatro vezes mais que o SUS.

Mas ainda não fechou a conta. A consulta médica do SUS é R$ 7,40, você acha que alguém pode receber R$ 7? E se o convênio paga três vezes mais é R$21. O valor que se dá para atenção da saúde é um valor irrisório, qualquer seja o convênio, SUS ou privado, são pagamentos muito baixos e isso faz com que o hospital fique na dependência de doação. Agora, quando nós vamos fazer um investimento como montar determinada unidade, como a de radioterapia, nós fazemos um mutirão para conseguir recursos. O hospital faz em médias três rifas por ano, onde procuramos ganhar recursos para fazer investimentos. Eu tenho a esperança que neste País, daqui há alguns anos terá uma porcentagem de recursos na área de saúde, feita de maneira adequada.

No Brasil, as políticas para saúde, educação e saneamento básico têm baixo investimento. E de uma forma importante, a saúde tem a ver com a educação e o saneamento básico.

FH: Esse foi seu primeiro ano no grupo W.I.T.H. (Women Innovating Together in Healthcare). Qual o balanço desta reunião?
Silvia: Eu acho que foi uma experiência muito interessante, porque trouxe a possibilidade de interação entre mulheres que desenvolvem uma expertise em novas tecnologias tanto em equipamento como materiais hospitalares de altíssima qualidade no mundo inteiro.

Esse ponto é importante pelo fato do grupo se reunir lá em Paris com o objetivo de que as mulheres de países mais desenvolvidos ajudem as mulheres de países menos desenvolvidos. Para nós do Brasil foi uma oportunidade fabulosa, a única coisa que eu tenho que trabalhar agora é fazer bons projetos e ativar esses relacionamentos. Um dos pontos importante que eu vejo é com o Instituto Pasteur de Paris e o Institut Gustave Roussy, (instituto de câncer em Paris). Acho que foi uma oportunidade fabulosa de conhecer essas pessoas e ver de maneira clara que a única possibilidade de desenvolvimento é através da pesquisa. Assistência de qualidade e a assistência alicerçada em uma tecnologia moderna é fundamental, mas não é suficiente. É necessário que além da assistência, trabalhe também na área de inovação tecnológica.

FH: De que maneira essa forte presença internacional contribui para o cotidiano do Dr. Boldrini?
Silvia: Eu não pegar no pé dos médicos, já é uma boa (risos). Quando eu estou fora eu consigo dimensionar onde nós estamos e o que precisa ainda caminhar. Porque se você fica olhando só para o seu mundo tendo você mesmo como referência você não tem ideia de onde se está e o que precisa caminhar. Hoje, eu não tenho dúvida de que nós temos que caminhar muito na área que realmente vai fazer a grande diferença que é a área da pesquisa.

FH: Como está o Brasil em relação à pesquisa do câncer infantil, comparando com outros países?
Silvia: Na hora da pesquisa, eu diria que estamos nos primeiros passos. Para andarmos de uma maneira mais rápida nós devemos ter de maneira clara grupos de pesquisadores contratados especificamente para essas funções e ter os financiadores da área de saúde, de novos equipamentos relacionados.

FH: O que falta para o Brasil para dar esses passos maiores? Quais são os entraves que impedem os avanços da pesquisa médica?
Silvia: Eu acho que um grande entrave é que se nós não otimizamos de maneira global a atenção para conseguir níveis de curas comparados ao primeiro mundo. Porque na hora que não temos resultados de cura, na média do Brasil, comparáveis aos do primeiro mundo, a gente mostra que o Brasil está aquém.

E o que a gente faz para ficar bem é melhorar a assistência. E segundo, galgando o passo da assistência, nós devemos buscar então novas tecnologias. A nova tecnologia e pesquisa acaba sendo o passo seguinte.

FH: Mas é necessário investimento para conseguir a tecnologia?
Silvia: Muito mais que investimento, precisamos de boas ideias. Uma coisa importante com esse grupo internacional é que elas têm experiência com novas ideias e conhecem a realidade como a África e a Índia e veem o que pode ser feito em termos de investidores para essa área.

FH: Você é membro e representante de entidades importantes na área do câncer infantil, uma delas é um grupo internacional de trabalho na OMS, que discute políticas públicas de prevenção e controle do câncer da criança e do adolescente. Quais são os avanços na área?
Silvia: A discussão de políticas públicas é mergulhar nas áreas de risco, conhecer os fatores de risco para o desenvolvimento do câncer da criança e do adulto. Eu basicamente fico mais sintonizada com o câncer da criança e do adolescente. E um aspecto importante é tentar entender porque o câncer da criança tem um aumento mensurável e o câncer do adolescente, nesses últimos 20 anos, também. E nós temos que entender os fatores de risco. Conhecendo tais fatores podemos trabalhar em políticas de prevenção.

FH: Quando se fala do câncer de adulto, claro são vários tipos, mas os médicos também apontam como causa os fatores externos como: ambiente, vida sedentária, estresse e alimentação e etc. E o câncer infantil, você falou que teve aumento?
Silvia: Esses mesmos fatores estão sendo envolvidos no câncer da criança com uma ênfase na condição de vida do trabalho do pai e da mãe, condições da gravidez, fatores ambientais em termos de disposição a pesticidas e metais pesados. Nós estamos fazendo um esforço para conseguir 1 milhão de crianças em alguns países para nós podemos definir quais são os fatores de risco e daí trabalhar estratégias de prevenção.

FH: Você é pediatra e hoje se aponta muito no setor a falta desse profissional, o que você pensa sobre isso?
Silvia: Eu acho que a medicina ficou muito centrada em procedimentos. Existe uma diminuição do clínico geral e do pediatria geral porque a medicina acabou dando privilégios a especialidade. Então, fica um atendimento fragmentado e muito ligado à produção de exames, porque é onde se paga melhor.

Não se privilegia o raciocínio, se privilegia mais os exames laboratoriais e exames de imagem . Isso faz com que as pessoas foquem nas atividades clinicas que implicam o raciocínio geral e o alicerce no conhecimento geral acabam sem adesão.

E, por isso, a tendência agora no primeiro mundo é não pagar por procedimento, é pagar pela doença em si, porque se você trabalha sem vincular ao procedimento, não paga ultrassom separado ou não paga ressonância separado, paga o pacote. Isso faz com que, no primeiro mundo, na hora de cuidar de, por exemplo, o paciente com leucemia vai ganhar US$ 800. A própria instituição começa a rever quais são os exames realmente necessários. Isso é interessante porque força um raciocínio de custo-benefício de diferentes procedimentos.

FH: E na área oncológica no Brasil, como você avalia a formação dos profissionais. Temos boas escolas ou é necessária especialização fora do País?
Silvia: Não sei falar da área de adulto. Mas na área pediátrica a formação dos profissionais nos grandes centros é uma formação adequada. Mas o que a gente precisa fazer é ajustar essa formação geral com a infraestrutura para o atendimento. Porque se não tiver uma infraestrutura global, onde se congrega tudo no mesmo ambiente, você não vai ter um resultado bom. Porque se eu tenho um indivíduo para fazer uma ressonância, e fica na fila de espera três meses eu vou ter um resultado ruim na avaliação. Ou se para fazer um exame de anatomia patológica ou de genética eu tenho que mandar para outro estado.

Fonte Agência Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário