Um pote de iogurte por dia e a saúde de ferro está garantida. Graças aos comerciais de alimentos probióticos — aqueles que contêm bactérias benéficas —, muita gente vê nas garrafinhas um verdadeiro elixir.
Que eles fazem bem, os médicos e nutricionistas não têm dúvidas. O problema é saber exatamente quais os efeitos do consumo desse tipo de laticínio no intestino, onde vive uma rica e complexa flora, composta por diversas cepas bacterianas. Uma equipe internacional de pesquisadores foi atrás dessa resposta. Os cientistas descobriram que, embora não alterem a estrutura genética dos micro-organismos que povoam o ser humano, os probióticos mudam o metabolismo de substâncias ingeridas. Em particular, os carboidratos.
Segundo o principal autor do estudo, o cientista Jeffrey Gordon, da Universidade de Washington, câmpus de St. Louis, apesar de invisíveis, as bactérias que habitam o intestino foram uma comunidade extremamente complexa. “O número de genes que esses micro-organismos têm é 100 vezes maior do que o próprio genoma humano”, exemplifica ao Correio. “A microbiota intestinal humana é um marcador do bem-estar. Mudanças em sua composição podem refletir doenças e inflamações”, recorda Gregor Reid, pesquisador do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Cirurgia da Universidade de Western Ontario, em Londres. Ele foi convidado a comentar as descobertas de Gordon pela revista Science Translational Medicine, onde o artigo foi publicado.
Já se sabe que a ingestão diária de nutrientes é um fator que afeta os micróbios na mucosa oral e no intestino, entre outras partes do corpo. “Acredita-se que a inclusão de bactérias em alimentos como iogurtes, resultando nos probióticos, induz mudanças adicionais nesses micro-organismos. Os probióticos não colonizam o hospedeiro — no caso, o homem —, por isso, temos dúvidas se eles são capazes de alterar funcionalmente as bactérias originais do organismo”, diz Gordon. Como, contudo, é difícil estudar o intestino humano em tempo real, até agora a questão só foi investigada em modelos animais. O que a equipe do pesquisador fez foi avaliar, tanto em ratos quanto em pessoas, os efeitos dos probióticos sobre a flora já existente.
Teste em gêmeos
A Universidade de Washington recrutou voluntários saudáveis para a pesquisa, ao mesmo tempo em que preparou ratos de laboratório em um ambiente desinfectado. Sete pares de gêmeos aceitaram participar do estudo — como são geneticamente idênticos, seria mais fácil para os cientistas analisar as mudanças provocadas pelos probióticos, no caso de um dos irmãos tomar o iogurte e o outro não. “Eram pessoas absolutamente saudáveis, sem qualquer tipo de doença ou irritação intestinal, nem hábitos restritivos de alimentação, como o vegetarianismo”, esclarece Gordon. Os ratinhos também receberam doses diárias da bebida láctea, na mesma proporção que as cobaias humanas.
A equipe de Gordon acompanhou os voluntários e os animais antes, durante e depois da pesquisa. Os cientistas se asseguraram de que os gêmeos não haviam tomado antibióticos nem probióticos por um período de pelo menos seis meses, para não atrapalhar os resultados. Por quatro meses, eles receberam, em casa, lotes frescos de iogurte, produzido sempre pelo mesmo laboratório, contendo cepas das bactérias Bifidobacterium animalis lactis e Lactobacillus bulgaricus.
No período anterior da pesquisa, enquanto os gêmeos tomavam o iogurte e após o término do estudo, os cientistas coletaram 126 amostras de fezes dos participantes. Com técnicas sofisticadas de laboratório, eles analisaram o DNA da microbiota intestinal nesses três momentos, para verificar se houve alterações na quantidade de bactérias e na própria constituição dos micro-organismos. “Em resumo, o que posso dizer é que não houve qualquer mudança estrutural significativa na composição das bactérias. Nos ratos, o resultado foi o mesmo”, conta Gordon.
“A aparente estabilidade da microbiota intestinal, mesmo com a ingestão do produto duas vezes por dia, demonstra a notável capacidade de o hospedeiro desprezar novas variedades de bactérias não patógenas”, afirma Gregor Reid. Isso não quer dizer, porém, que os probióticos são propaganda enganosa. “Considerando que os iogurtes probióticos não afetam radicalmente a flora intestinal, é intrigante saber como a bebida, ainda assim, traz benefícios à saúde”, observa.
Mudanças, sim
De acordo com Jeffrey Gordon, a resposta está no metabolismo. Embora os probióticos não alterem nem a quantidade nem o fenótipo das bactérias já existentes no organismo, eles provocam uma alteração na forma como os nutrientes são digeridos. Os cientistas analisaram amostra de urina dos ratos e descobriram que, graças aos probióticos, os micro-organismos metabolizaram substâncias, especialmente os carboidratos, de forma diferente do padrão habitual, melhorando a digestão dos alimentos. “Voltamos, então, aos gêmeos para saber se isso também ocorre em humanos. E a resposta é sim. Não sabemos ainda o que promove essa alteração, por isso é preciso fazer mais pesquisas”, diz Gordon.
“A indústria dos alimentos funcionais é uma das que mais crescem, e isso incentiva o estudo dos probióticos por muitos cientistas. Muitas publicações confirmam que essas bactérias promovem a saúde e reforçam o sistema imunológico, além de melhorar a digestão”, lembra Matti Kankainen, pesquisador do Instituto de Biotecnologia da Universidade de Helsinki, na Finlândia. O cientista, que não participou do estudo publicado hoje pela Science Translational Medicine, também busca saber qual o segredo dos probióticos. Ele analisou o genoma da bactéria Lactobacillus rhamnosus GG, uma das mais usadas na indústria alimentícia. Kankainen descobriu que, nesse caso, a bactéria produz uma proteína que se une à mucosa intestinal, modulando a resposta imunológica do órgão. “Muitos outros motivos podem estar por trás da melhoria que os probióticos trazem à saúde. Sem dúvidas, um significativo campo de pesquisa está se formando ao redor desses micro-organismos”, disse ao Correio.
Fonte Correio Braziliense
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