Exame detecta categorias da bactéria causadora de quase metade dos casos da doença |
Kit desenvolvido pelo Instituto Butantan detecta bactéria E. Coli; doença mata 1,5 milhão de crianças no mundo a cada ano
Um kit semelhante ao dos testes de gravidez vendidos em farmácia foi desenvolvido no Instituto Butantan para ajudar a diagnosticar a causa da diarreia aguda, doença que mata anualmente 1,5 milhão de crianças menores de 5 anos no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
O exame é capaz de detectar três categorias da bactéria Escherichia coli, responsável por 30% a 40% dos casos nos países em desenvolvimento. Basta colocar uma tira de papel em uma amostra de fezes previamente preparada e, em 15 minutos, linhas vermelhas indicam se um dos três tipos do bacilo está presente.
“Existem seis categorias de E. coli capazes de causar diarreia, cada uma com diferentes características de virulência e epidemiológicas”, explicou a pesquisadora Roxane Maria Fontes Piazza, que coordenou o projeto “Imunodiagnóstico de Escherichia coli diarreiogênica”, financiado pela FAPESP.
O teste abrange duas categorias consideradas endêmicas no Brasil: a enteropatogênica (EPEC) e a enterotoxigênica (ETEC). Detecta também a E. coli produtora da toxina de Shiga (STEC), que, embora seja rara no país, preocupa os órgãos de saúde por causar formas graves da doença, podendo levar à colite hemorrágica e à falência renal.
“Há outra categoria bastante comum no Brasil que ficou de fora, a enteroagregativa (EAEC). Isso porque ela não produz uma proteína-alvo que permita sua identificação em testes desse tipo”, explicou Piazza.
Piazza coordena há 13 anos projetos de pesquisa apoiados pela FAPESP para melhorar o diagnóstico das infecções por E. coli. Os primeiros trabalhos obtiveram os anticorpos contra as proteínas ou toxinas produzidas por essas três categorias da bactéria. Em seguida, os anticorpos foram testados em outros métodos de diagnóstico para avaliar sua sensibilidade.
“Quando estávamos com todos os anticorpos em mãos, decidimos padronizar esse kit para realização do exame imunocromatográfico. Esse método é mais rápido, mais fácil de ser executado e tem custo acessível, podendo ser usado em qualquer laboratório clínico”, disse Piazza.
O trabalho resultou no doutorado de Letícia Barboza Rocha, realizado com Bolsa da FAPESP.
Como funciona
O kit é composto por uma fita de 6 centímetros de comprimento por 0,5 centímetro de largura. Nessa fita, três tipos de papel foram sobrepostos em uma base plástica.
“No início tem uma fibra de celulose de alta absorção, responsável por puxar a amostra e levá-la até a região da fita onde estão os reagentes. Em seguida vem a fibra de vidro, onde estão fixadas pequenas partículas de ouro chamadas de ouro coloidal. Nessas partículas esféricas, de apenas 20 nanômetros de diâmetro, estão aderidos os anticorpos”, explicou Rocha.
Os antígenos da bactéria, quando presentes, são absorvidos pela fibra de celulose, ligam-se aos anticorpos aderidos ao ouro coloidal e continuam pela fita até chegar a uma membrana de nitrocelulose, na qual sai o resultado do teste.
“Há várias linhas nessa membrana e o que determina qual é a categoria de E. coli presente na amostra é a região em que as linhas aparecem na fita. A reação é considerada positiva quando as duas linhas, teste e controle, apresentam-se coloridas”, disse Rocha.
A função do ouro é tornar as linhas visíveis. Para garantir a sensibilidade do método, porém, a fita não deve ser colocada diretamente nas fezes. Alguns tipos de E. coli produzem quantidades muito pequenas de toxinas, que passariam despercebidas no exame.
“É preciso colocar a amostra de fezes em um caldo de cultivo e deixar as bactérias se multiplicando de um dia para outro. A fita deve então ser colocada nesse caldo”, disse Rocha.
A ideia é que o kit seja usado em hospitais e laboratórios clínicos para acelerar a detecção da bactéria, o que ajudaria profissionais de saúde a tomar medidas de prevenção, de modo a evitar que surtos se alastrem, e a adotar condutas terapêuticas adequadas.
Segundo Piazza, o usual na rotina clínica é o médico não pedir exames e fazer o diagnóstico com base apenas na análise dos sintomas. “Só quando o quadro é mais persistente ou quando se suspeita da bactéria produtora da toxina de Shiga é que se manda uma amostra para um laboratório de referência analisar. Os demais laboratórios usam métodos antigos e pouco precisos”, disse.
Embora a montagem do kit já tenha sido concluída, o método ainda precisa ser validado. Piazza estima que o processo leve cerca de dois anos. “Antes de colocá-lo no mercado precisamos patentear e analisar questões comerciais, como a estabilidade de armazenamento”, explicou.
Enquanto isso não ocorre, Piazza coordena um novo projeto de pesquisa, também financiado pela FAPESP, com o objetivo de viabilizar a produção dos anticorpos em larga escala.
Fonte Estadão
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