Essa é apenas uma das doenças da saúde pública brasileira (desgraçadamente, não a única). Pior que faltar médicos no país é o médico que falta aos seus deveres morais, o que ganha sem trabalhar, o que bate o ponto e vai embora, o que frauda o controle digital, o que suga o dinheiro público parasitariamente.
O trabalho escravo constitui o exemplo mais evidente de parasitismo, que consiste em explorar o esforço do escravo para se enriquecer ilicitamente. Isso configura uma das espécies de parasitismo, o social (ainda frequente no Brasil).
Sobre o parasitismo é fundamental a leitura de M. Bomfim, A América Latina. Existem várias outras formas de parasitismo. Ele, ao lado do teocratismo, ignorantismo e selvagerismo, constitui o conjunto das raízes do Brasil atrasado, o Brasil que deu errado.
Pode-se falar em parasitismo empresarial, funcional, político etc. Dentre eles destaca-se o profissional. Parasita profissional é o que se enriquece ou obtém vantagens em sua profissão sem trabalhar (ou sem cumprir sua jornada total de trabalho). O médico (ou qualquer outra pessoa) que ganha dinheiro público e não cumpre seus deveres funcionais e morais é um parasita da sociedade.
Deveriam os médicos parasitários atinarem para o mal terrível que estão gerando do ponto de vista ético e moral. Uma das graves consequências do parasitismo é a desmoralização da sociedade (carência ou desvio moral). Isso vem do nosso passado (e presente) colonial ou senhorial parasitário. Resultado de tudo isso (seguindo M. Bomfim) é a sociedade elevadamente imperfeita que construímos (até aqui): grande parte é ainda muito pobre, esgotada, ignorante, embrutecida, apática, sem noção do próprio valor. Espera dos céus os remédios para sua miséria. Isso favorece o clientelismo político.
Outra parte pede fortuna ao azar: loterias, jogo do bicho, romarias, rezas etc. Analfabetismo é a regra (somente 1 em cada 4 brasileiros sabe ler e compreender o texto lido assim como fazer operações matemáticas básicas – M.A. Setúbal, Folha 15/9/13, p. A3).
Outros males constatáveis das nossas raízes nefastas (que vão além das boas): incompetência, falta de preparo para a vida, superstição, crendices. Putrefação passiva generalizada (especialmente frente à televisão). Agitam-se interesses baixos, mesmo as altas categorias da sociedade. Os conflitos de grupos são dominados por um utilitarismo estreito e sórdido. Na internet tudo foi partidarizado e polarizado. Domínio do ódio. Os mais astutos não sabem querer nem pensar. Inclinam-se a parasitar.
O esforço contínuo para ganhar a vida não é a regra. Muitos andam por aí gemendo quando têm fome, grunhindo como bácoro quando estão fartos. Esse é o Brasil atrasado, o Brasil que deu errado, que conta com raízes bem conhecidas.
O parasitismo faz parte da nossa formação cultural (e do caráter de muitos brasileiros). Raiz do nosso atraso. Não única, mas é. Enquanto não eliminado ou drasticamente reduzido estamos condenados à degeneração, às barbáries, em suma, à ausência de civilização. Temos que construir uma nova sociedade, fundada na ética.
Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do portal atualidades do direito.com.br
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