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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Não adianta multar e suspender - a Saúde Suplementar já virou SUS !

Um antigo ditado diz “a esperança é a última que morre” … mas a realidade é que pode demorar, mas ela também morre.
 
Por Enio Salu
 
A esperança de uma saúde suplementar que resolve os problemas da população em relação ao SUS já morreu há muito tempo: estamos vivenciando na saúde suplementar os mesmos problemas do SUS.
 
As pessoas que mais admiro na gestão da saúde têm advertido há anos:
 
- O SUS nunca poderá cumprir com a missão para ele desenhada, porque não existe recurso infinito para o financiamento;
 
- A Saúde Suplementar foi desenhada para uma escala menor de usuários. A questão não é a quantidade de usuários que cresceu, mas a escala que mudou;
 
- Os dois sistemas, SUS e Saúde Suplementar, não podem continuar existindo sem integração. O único prejudicado com esta separação é o paciente;
 
- Saúde Suplementar, como o próprio nome diz, deveria existir para ‘complementar o SUS’, e não para substituí-lo;
 
- A legalidade e formalidade da atividade pública não são compatíveis com a agilidade e urgência que o SUS necessita para cumprir sua missão;
 
- O planejamento da saúde não pode ser feito isoladamente, sem considerar o cenário da segurança pública, demandas geradas pelo sistema de transporte, e desenvolvimento da educação.
 
Se concordarmos com as premissas, e que os sistemas já se tornaram inviáveis há muito tempo, o que as multas e suspensões de planos na saúde suplementar vai realmente melhorar o cenário ?
 
Se a multa resolve, por que não aplicá-las ao SUS, que descumpre prazos e coberturas há muito mais tempo que as operadoras de planos de saúde ?
 
Se fizermos uma analogia, é como se o governo passasse a multar as empresas de segurança particular pelo crescimento do índice de roubos !!!!
 
Já estamos presenciando movimentos que resultarão no ‘tiro de misericórdia’ dos dois sistemas:
 
- As operadoras, que não suportam mais a inclusão de novos itens no rol da ANS nos planos que foram dimensionados sem eles, começam a pleitear não dar cobertura ao atendimento quando a origem se dá por ato inconsequente do usuário. Por exemplo: queda de moto em um ‘racha’, overdose de droga,etc. – análogo ao que faz a seguradora quando o veículo é avariado por responsabilidade de condutor não declarado na apólice;
 
- A população, que paga pela Saúde Suplementar porque não consegue ser atendida no SUS, não quer pagar pelo medicamento do tratamento, uma vez que não pagaria se estivesse no SUS. Como a operadora pode bancar, e qual a estrutura necessária para fornecer medicamentos para 45 milhões de pessoas ?
 
- Os hospitais públicos e benemerentes reivindicam parcela maior de atendimento na Saúde Suplementar para poder cobrir os custos que o SUS ‘não banca’. Mesmo não dispondo de vagas suficientes para atender a demanda do SUS sem aumentar a cota da ‘porta 2’.
 
Vivemos um momento crítico:
  • Pessoalmente demorei 45 dias para poder agendar uma sessão de acupuntura, na Cidade de São Paulo, sendo usuário de um plano que tem ‘fama’ de ser dos melhores do mercado. Conheço diversas pessoas que conseguem o agendamento com prazo maior que este, e quando chegou o momento do atendimento receberam a informação de que o prestador não atende mais a operadora;
  • Não conheço uma única pessoa que, tendo plano de saúde, não pagou pelos honorários médicos do parto. É sempre a mesma história: “rezar para que o médico esteja no plantão no dia do parto, ou pagar para não correr o risco”;
  • O agendamento de uma ressonância no SUS, de um dos meus melhores amigos, foi para 6 meses. Fica a torcida para que quando for fazer o exame o aparelho não esteja quebrado, não esteja havendo greve, ou alguma manifestação na porta do hospital, porque sabe que se não conseguir fazer o exame neste dia, serão mais 6 meses de espera;
  • Depois da ‘maratona’ de conseguir o médico que lhe dá confiança, descobre que ele ‘não opera’ no hospital que ‘você tem direito’, ou que ‘a tabela da operadora’ para aquela cirurgia não é a que ele pratica. E em um dos momentos mais delicados da sua vida, vai pagar a parte o médico e/ou o hospital e ‘pegar’ um reembolso ‘ridículo’.
Reforço o questionamento: o que multar e suspender vai trazer de benefício para a população que financia o SUS e a Saúde Suplementar e na prática já não consegue atendimento digno em nenhum dos dois sistemas se não dispor de reserva para pagar do bolso o ‘drible da dificuldade’ ?
 
Só não vê quem não quer: quando sai a notícia de que uma personalidade foi atendida dignamente em um hospital, só temos uma certeza:
  • Ou ele tem recursos para bancar o atendimento ‘do país das maravilhas’ que vemos na TV … nenhuma espera, médicos e profissionais do hospital a disposição para dar informações, etc.
  • Ou ele deve ter influência para ser atendido por um plano de saúde, ou pelo SUS, de forma diferente da que a população é atendida na prática, porque não é a forma como nós e as pessoas com que convivemos somos atendidas.
Na minha experiência prática de relacionamento com centenas de hospitais, operadoras de planos de saúde e estruturas de atendimento públicas foram raros (raríssimos) os casos em que presenciei má fé, dolo, e outras formas de não dar atendimento ao paciente. A realidade é a de que as pessoas que atuam em saúde são bem intencionadas, e não conseguem fazer melhor porque os sistemas de financiamento são inviáveis – não se trata de pessoas e empresas ‘do mal’, ‘arqui-inimigas da população’.
 
Então multar e suspender ‘no atacado’ por quê ? Só para ‘aparecer bem na fita’ ?
 
Se é para aparecer bem na fita, ‘cadê a multa do SUS’ cuja ineficiência é tão grande a ponto de ser a origem da saúde suplementar ?
 
Passou da hora de ao invés de elogiarmos este tipo de atitude, criticarmos a ideia de que todo mundo é desonesto na área da saúde, e que aplicando penalidades vamos resolver o problema !
 
Voltando as 6 observações que referenciamos dos especialistas, ficam as perguntas:
  • Quando a missão do SUS será ‘reformada’, acabando com a utopia de que é possível realizar tudo o que a ele é atribuído sem definir adequadamente o seu financiamento ?
  • Quando teremos pelo menos 15 % de tudo que se arrecada de tributos para financiar a coisa que é mais importante na vida humana – a saúde ? (de tudo mesmo … e 15 % é muito pouco em relação ao que se gasta com tanta bobagem … deveria ser mais);
  • Quando a Saúde Suplementar vai ser redefinida para ser realmente ‘Saúde Suplementar’ e não ‘Saúde Substituta do SUS’ ?
  • Quando o planejamento do SUS e da Saúde Suplementar passará a ser feito de forma integrada, se preocupando com o paciente e não com o ‘pedaço da população’ que é mal atendido em um sistema ou no outro ?
  • Quando o governo vai resolver a inadequação da estrutura pública, formal e necessariamente burocrática, em prol de uma estrutura ágil e dinâmica específica para as ações da área saúde ?
  • Quando as demandas de saúde geradas pelos problemas de segurança pública, transporte, drogas, educação e estarão adequadamente incluídas no planejamento do SUS e da Saúde Suplementar ?
  • E acrescento uma: quando a questão dos recursos próprios das operadoras será tratada de forma profissional e não só comercial ?
  • Já que é sabido o quanto os recursos próprios são importantes para viabilizar os custos das operadoras, por que não é obrigatória uma estrutura mínima, baseada em indicadores de efetividade para todas elas ?
Sem responder a estas perguntas considero que multas e suspensões apenas ‘enxugam o gelo’ … a população que o diga !
 
Em tempo:
  • Entendo que multar e suspender são obrigação da ANS, uma vez que isso está regulamentado;
  • Este texto não sugere que a multa e a suspensão não sejam feitas – apenas defende a ideia de que da forma como está sendo seguido, este não é o caminho para resolver o problema.

SaudeWeb

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