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sexta-feira, 7 de março de 2014

Sem documento e sem família, pacientes viram 'moradores de hospitais'

 Foto: Maria Fernanda Ziegler / iG
Sebastião Trindade, 71 anos, vive há 10 anos no hospital geriátrico
Vítimas de acidente ou com transtorno mental, os 'doentes sem nome' costumam deixar o hospital apenas quando morrem
 
Alex é apenas Alex. O rapaz teve um traumatismo craniano encefálico grave por conta de um atropelamento. Ficou em coma e foi operado de um coágulo no cérebro. Desde então, convive com sequela neurológica grave e intelectual. Comunica-se apenas por sorrisos e choros. Em sua certidão de nascimento, feita no hospital, consta apenas o nome Alex. Nada mais.
 
Com aparência de 35 anos, ele chegou ao Hospital Geriátrico e de Convalescentes Dom Pedro II, em São Paulo, no hospital em 10 de fevereiro de 2004. Naquela época, Dom Pedro ainda aceitava pacientes jovens. Nos últimos nove anos entram apenas idosos. "Ele atende por Alex. Então fizemos uma certidão de nascimento apenas com esta informação. É um caso raro de identidade tardia e com apenas uma informação", diz a assistente social Selma da Silva Freire.
 
Além de Alex, outros 28 pacientes que habitam o local atualmente chegaram ali sem identificação e seguem sem receber visita e sem nutrir qualquer expectativa de vida fora do espaço. Dali, os “sem documento” só costumam sair para o cemitério. E não é por incapacidade física.
 
A diretora técnica do hospital Dom Pedro II, Sueli Luciano Pires, explica que a maioria dos pacientes tem alta médica, mas não tem alta social. "Oitenta por cento dos pacientes são idosos, com histórico de falta de vínculo familiar. A grande maioria é de homens, que são mais desgarrados, não é? O que temos aqui são pacientes que precisam tomar um comprimido, ou ajuda para tomar banho, mas fora daqui não há alguém que faça isso por eles”, diz.
 
O Dom Pedro atende 338 pessoas, divididas em sete alas, por grau de dependência de cada paciente. Dois terços dos 338 pacientes nunca recebeu visitação de parentes ou amigos.
 
Sebastião Trindade, de 71 anos, é um deles. Há dez anos ali, ele conhece muito bem a expressão "sozinho no mundo". O homem tinha uma ferida grave no pé que piorou tanto que ele nunca mais voltou a andar. Morador de favela, vivia em condições precárias. Diabético e hipertenso, chegou sem nenhuma documentação. Mas com muita história na cabeça.
 
Se não tem documento não existe
Trindade é completamente lúcido. Tanto que os assistentes sociais do hospital conseguiram fazer a segunda via da carteira de identidade do homem a partir das declarações do próprio paciente, como nome, sobrenome, data e local de nascimento. Seu primeiro documento foi feito em 1951, provavelmente no orfanato.
 
O destino de Sebastião parece ser mesmo colado ao abandono. O homem que vive sem contato nenhum com parentes e na condição de paciente não identificado nasceu em Muriaé e, abandonado pelos pais, foi adotado por uma família da cidade. Na casa, lembra ele, apanhava das irmãs mais velhas. Então, aos oito anos, fugiu. “Batiam em mim até quando eu fazia xixi na cama. Aquilo não estava certo. Vi o ônibus e acabei indo para Belo Horizonte. Agora queria ver como é que elas estão. Se ainda existem ou não existem e também saber que a gente existe, não é? Eu preciso perdoar”, diz o homem que após completar 18 anos e sair do orfanato, mudou-se para São Paulo e viveu em condições insalubres em uma favela até que foi parar no hospital, aos 58 anos.
 
“Por que é importante fazer o documento? Porque eles passam a existir. Sem isso, eles não existem socialmente”, explica Sueli Luciano Pires. No Censo de 2010, pela primeira vez o IBGE incluiu no questionário informações sobre crianças sem registro. O Brasil tem cerca de 500 mil crianças que "não existem". Os dados sobre número de adultos sem identificação não existem.
 
Apenas um nome
O trabalho de busca de documentação é a parte investigativa do trabalho do trabalho dos assistentes sociais e que o maior entrave é o fato de o sistema de identificação não ser unificado no País. "Como não temos pressa, podemos fazer uma investigação mais aprofundada. Esperar o paciente se recuperar para dar as informações necessárias”, diz Selma.
 
A assistente conta que muito mais importante que a data de nascimento ou o nome dos pais, o que mais conta nas buscas, fora o nome, é o local de nascimento. “Se a gente não tem informação do local de nascimento do paciente fica muito difícil, pois os registros são feitos por estado. Uma identidade feita em Minas, por exemplo, não é registrada no sistema de São Paulo. Não tem como fazer o cruzamento de dados. Contamos muito com a identificação de pacientes a partir de matérias na imprensa", diz.
 
A Secretaria Estadual da Saúde tem em seu site um serviço com fotos de pacientes sem identificação para que eles possam ser encontrados por seus parentes. Neste momento, há 117 pacientes cadastrados no site, 637 já passaram por este cadastro. Mas, de acordo com Selma é mesmo a partir de reportagens veiculadas na imprensa que as famílias se encontram.
 
Um dos que foram encontrados é Xista Gomes Barros, de 76 anos e há doze dentro do hospital." Após uma reportagem, a família no Pará, com quem ela não tinha contato há anos, a reconheceu. Houve o reencontro, mas as duas partes preferiram manter a idosa aqui.”
 
Pelo jeito, com ou sem documento, com ou sem família, o destino de todos ali parece ser mesmo o de morador de hospital.
 
iG

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