Foto: Ana Meinhardt / Divulgação A carne só pode conter uma substância cancerígena quando fica levemente queimada, rebatem os especialistas |
Um pesquisa internacional publicada nesta semana no Cell Metabolism afirma que o alto consumo de proteína animal — incluindo carne, leite e queijo — representaria risco quatro vezes maior de morte por câncer em relação a uma dieta com baixo consumo proteico. Esse risco seria comparável ao prejuízo do tabagismo à saúde. Quem consome uma grande quantidade de proteína animal (pelo menos 20% do total de calorias diárias) também estaria mais suscetível à morte precoce em geral e, ainda, a morrer de diabetes. A pesquisa acompanhou 6.381 pessoas por 18 anos.
Os malefícios da proteína, entretanto, só valeriam para quem tem entre 50 e 65 anos. Para os mais velhos, ela teria efeito protetor. A explicação estaria no hormônio do crescimento IGF-1, que tem sido relacionado à morte por câncer. Necessária para equilibrar o organismo após os 65 anos, quando os níveis de IGF-1 caem drasticamente, antes disso, o excesso de proteína poderia deixar os índices desse hormônio altos demais.
Urologista e autor de um blog sobre dieta paleolítica (à base de proteína), José Carlos Souto questiona essa relação, pois outros estudos demonstraram que o hormônio IGF-1 estimula o crescimento de tumores já existentes, mas não é causador de câncer. Além disso, os carboidratos também são responsáveis por aumentar os índices de IGF-1.
Outro ponto fraco da pesquisa, na avaliação de Souto, é a ausência de dados sobre os hábitos de saúde dos participantes.
— Diversos estudos já apontaram que pessoas que consomem muita carne vermelha têm um comportamento menos saudável como um todo. Elas fumam mais, consomem mais álcool e são mais sedentárias. Não há como saber, com base nesse estudo, se é a proteína a culpada pelo câncer— afirma.
Para o nutrólogo Paulo Henkin, diretor da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) na Região Sul, a comparação com os riscos do tabagismo é absurda. Ele também problematiza o fato de não ter sido considerado o tipo de cozimento da carne.
— Só há uma circunstância em que a carne pode conter uma substância cancerígena chamada nitrosamina, que é quando fica aquele queimadinho. Enquanto isso, há dezenas de elementos químicos identificados na fumaça do cigarro que são sabidamente cancerígenos — frisa Henkin.
A pesquisa também perderia credibilidade por não detalhar os cruzamentos da quantidade de carne consumida pelos entrevistados com os demais componentes da dieta. Segundo Henkin, já foram identificados 24 mil micronutrientes presentes em hortaliças que teriam um efeito protetor contra o câncer. Uma alimentação balanceada poderia neutralizar as substâncias cancerígenas.
O nutricionista e bioquímico Gabriel de Carvalho destaca que os dados utilizados registram um único dia da alimentação dos participantes, sem discriminar se a proteína ingerida veio de carne vermelha, peixe, frango ou mesmo queijo e leite. Ainda, a diferença entre os hábitos alimentares dos americanos, nacionalidade dos participantes da pesquisa, e dos brasileiros deve ser considerada.
— O nosso gado é que os americanos chamariam de "gado verde", pois é criado livre no pasto. A carne consumida pelos participantes do estudo, muito provavelmente, tem origem em um gado confinado, tratado com hormônios para ganhar peso rapidamente, o que muda as características desse alimento — explica.
Por trás das ressalvas feitas pelos especialistas ouvidos por ZH, está a questão metodológica: por se tratar de um estudo observacional, ele não permitiria chegar a conclusões de causa, nem a números absolutos.
Chama atenção que, apesar de alardear a relação entre o alto consumo de proteína e o risco de morte por câncer, Valter Longo, um dos coautores do polêmico estudo, recomenda seguir os padrões de consumo das principais agências de saúde do mundo: 0,8 grama de proteína por quilo de seu peso total por dia, o que representaria em torno de 55 gramas para uma pessoa de 70 quilos.
Zero Hora
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