Além de lesar fígado, vírus pode causar doença
cardiovascular; resistência à insulina que leva ao diabetes, inflamação
no rim, lesões na pele e até mesmo alterações cognitivas
Uma
campanha lançada pela Sociedade Brasileira de Hepatologia em conjunto
com a Sociedade Brasileira de Infectologia busca alertar pacientes com
mais de 45 anos a pedirem pelo teste de hepatite C – que é feito por
meio do sangue – e também pedir aos médicos que criem o hábito de
solicitar o exame para os pacientes acima dessa idade. E o teste é
simples, basta uma gotinha de sangue e 15 minutos de espera pelo
resultado. Se a doença for diagnostica antes que o fígado esteja
completamente lesado, as chances de cura aumentam.
A ênfase nesse
público é porque 70% dos infectados com a doença estão nessa faixa
etária. Uma explicação para esse panorama é a infecção ter acontecido há
anos e os sintomas demorarem a se manifestar. Em uma época em que
seringas de vidro eram usadas para injeções comuns (não se usava as
descartáveis) e transfusões de sangue começaram a serem feitas e, o
desconhecimento da existência da doença fez com que muitos se
infectassem.
“Em Salvador, na década de 70, muitos tinham o hábito
de tomar injeções de glicose antes da bebedeira do carnaval porque
achavam que isso impediria as consequências dela”, conta o hepatologista
Raymundo Paraná. Além de não surtir o efeito desejado, as seringas eram
de vidro, o que aumentava o risco de contaminação.
Em tempo:
quem tem o vírus da hepatite C e costuma beber com frequência tem a
evolução da doença antecipada, já que o álcool atrapalha o poder de
regeneração do fígado.
Entenda a doença
A
hepatite é uma doença silenciosa. Sua primeira manifestação, em algumas
pessoas, é como o de uma gripe comum, com dores no corpo e febre. “Se
ela fosse diagnosticada nessa fase, que é chamada de hepatite aguda,
100% dos casos teriam cura”, explica o hepatologista Raymundo Paraná,
presidente do Congresso Hepatologia do Milênio.
O problema é que
não é fácil suspeitar que, em vez de ser uma gripe, poderia ser hepatite
C. E, em 85% das pessoas, essa infecção aguda passa, mas o vírus não é
eliminado, começando lentamente a lesar o organismo.
E as
consequências não são restritas ao fígado. “O vírus pode também causar
problemas cardiovasculares; resistência à insulina que leva ao diabetes,
inflamação no rim que culmina na falência do órgão, doenças articulares
como artrites, lesões na pele e até mesmo alterações cognitivas”,
explica Érico Arruda, presidente da Sociedade Brasileira de
Infectologia.
Esses problemas podem, inclusive, aparecer bem antes
dos sintomas de lesão no fígado. “É a ponta do iceberg”, diz ele. Como o
fígado tem alto poder de regeneração, ele vai lutando contra o vírus
que o tenta destruir. A batalha, no entanto, costuma ser vencida pela
hepatite C, que demora cerca de 20 a 30 anos para danificar o fígado – e
mostrar os sintomas.
Jovens têm uma progressão mais lenta da
doença, pelo fato de o sistema imunológico estar trabalhando com toda
sua força. E as mulheres, de qualquer idade, têm uma proteção maior
contra o vírus da hepatite C: nelas, a doença progride mais lentamente. O
infectologista explica que o fato de a mulher ser programada
biologicamente para gerar filhos faz com que o sistema imunológico seja
mais forte.
Estigma social
Alguns pacientes
acima de 45 anos, ao se descobrirem com hepatite C, tendem a
silenciar-se diante da família, por acharem que o vírus pode ter sido
contraído por via sexual. “Esse tipo de contágio é muito raro", explica
Paraná. O contato por fluidos corporais não transmite o vírus, como
acontece com o HIV. Para a pessoa ser infectada, é preciso contato do
sangue com sangue, ou seja, tem de haver lesões mútuas.
“É muito
raro ver casais em que os dois têm hepatite C. E, em muitos desses
casos, quando se faz o exame, verifica-se que o tipo de vírus são de
genótipos diferentes nos dois”, explica o médico. “É mais fácil pegar o
vírus por compartilhamento de lâminas de barbear em casa do que por
contato sexual”, explica o médico.
Na verdade, não é tarefa fácil
saber exatamente onde se contraiu o vírus. Em quem fez transfusões antes
de 1992, quando não havia exames para detectar a hepatite C, a
probabilidade de ter sido por esse meio é de 44%. O uso de seringas –
compartilhadas ou as de vidro – somam 6% do total, drogas ilícitas
injetáveis ou inaladas adicionam mais 6% de risco, os piercings e
tatuagens têm a probabilidade de 3%, aqueles que trabalham com cuidados
da saúde, como médicos e enfermeiros, somam 7%, tratamentos dentários
com cirurgia oferecem o risco de 2% e contato familiar, 6%.
O
vírus, que segundo o hepatologista Raymundo Paraná já superou em
mortalidade os casos de Aids em 10 vezes no mundo, pode estar com os
dias contados graças à segunda geração de remédios que serão submetidos à
aprovação da Anvisa e estão já em aprovação nos Estados Unidos. Edson
Parisi, hepatologista, explica que muitos medicamentos estão em pesquisa
e outros já terminaram, apenas não estão no mercado por conta de
processos regulatórios.
Com isso, o prognóstico da doença para
2017, por exemplo, poderá ser bem diferente da realidade apresentada no
momento em que se descobriu o vírus: haverá 97% de chances de cura, com
efeitos colaterais pequenos e toleráveis.
iG
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