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quinta-feira, 24 de julho de 2014

Judicialização mostra que a vida tem preço

Como a saúde é um valor que todos prezam, recorrer à justiça em busca dela virou uma cultura que estrangula o sistema e evidencia a falta de coesão entra os elos do setor

“A vida tem preço”. A afirmação praticamente resume o último Saúde Business Debate que trouxe a judicialização como pano de fundo para discutir as relações e o desenvolvimento do setor. Apesar da saúde ser, talvez, o bem mais valioso para o ser humano, ela custa, e custa caro. Prova disso são as crescentes e alarmantes ações judiciais – tanto na esfera pública quanto privada - que reivindicam desde cirurgias, medicamentos e planos de saúde mais baratos, até fraldas, cremes dentais e chocolates.

“Tudo é judicializado no Brasil. Já virou cultura”, afirmou o promotor e coordenador do Núcleo de Assuntos Jurídicos da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, Reynaldo Mapelli Júnior. Em geral, o consumidor recorre à justiça quando entende que o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), o Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) e as Agências Reguladoras não atendem de maneira satisfatória.

“Estes órgãos têm atuação limitada quando se trata em garantir o cumprimento do plano à determinada obrigatoriedade”, explicou o advogado do escritório Vilhena Silva Advogados, Rafael Robba, enfatizando que, por enquanto, a esfera judicial é a única opção com efetividade que o paciente/consumidor tem.

Apesar da opinião de Robba, é consenso entre os debatedores de que o judiciário está longe de ser o ambiente ideal para as questões da saúde. Entre as razões estão a má formação dos magistrados, que desconhecem as peculiaridades do setor, e o mandado de segurança como o meio mais recorrente de ir à justiça.

“Quase sempre o Poder cede liminar sem produção de prova, sem ouvir o outro lado, baseado apenas na prescrição do médico”, disse Mapelli Júnior, lembrando que a caneta do médico, na maioria das vezes, é o fator decisório.

O diretor de operações da Unimed Seguros, Helton Freitas, que presencia na operadora o aumento da judicialização principalmente por pedido de cobertura, espera que um dia a discussão em voga seja pela "desjudicialização", pois considera grosseira a análise atual feita pelo Judiciário. “É preciso encontrar outros mecanismos para valer as expectativas de direito. E, hoje, só tem um pagador disso tudo, o consumidor”.

O preço  
A máxima “saúde não tem preço” e “é um direito de todos” certamente é confortante, mas não é a realidade do mercado e nem dos gestores que tentam equilibrar a difícil equação acesso, qualidade e preço – ainda mais em um contexto de dois sistemas com regras e propósitos distintos como é o caso do SUS versus a saúde suplementar, dois universos que obrigatoriamente se cruzam em determinados processos judiciais.

“Direito à saúde é ter direito a qualquer coisa - não é isso que está na constituição. É preciso seguir os protocolos, a lista do SUS, o rol de procedimentos e quando há exceção, ela tem de ser provada”, ressaltou o promotor Mapelli Júnior. De acordo com ele, entre 50% a 60% das ações ajuizadas no Estado de São Paulo são da rede privada e, com a condenação, o Estado acaba fornecendo produtos que não estão nos protocolos clínicos, enquanto o paciente continua sendo tratado em um hospital particular. “Os sistemas público e privado têm que conversar mais”.

Freitas, da Unimed Seguros, tem uma gama dessas liminares concedidas para procedimentos que estão fora do rol e, diante desta situação, defende regras contratuais mais claras para ambos os lados.

Mesmo com a sobrevivência das operadoras de planos de saúde ameaçada, o advogado Robba diz ter aquelas que entram no mercado para serem “parasitas do SUS, pois não tem a mínima estrutura para prestar o serviço e continuam operando”.

Apesar da prevalência das críticas e incongruências reveladas durante o Saúde Business Debate, Robba fez questão de declarar que o judiciário está cada vez mais criterioso e buscando estabelecer critérios técnicos e consistentes para embasar as decisões.  “Existem decisões desarrazoadas, mas as vejo como exceções”, disse.

Alternativa  
A capital paulista já tem algumas ações para tentar resolver os casos fora do litígio, assim como para melhorar a formação dos profissionais, como por exemplo: a realização de cursos sobre direito da saúde na Escola Paulista da Magistratura; o livre acesso dos juízes à Secretaria de Saúde do Estado, caso precisem de informações técnicas antes de decidir um pedido de liminar; e a parceria de conciliação pré-processual, que consiste em um juizado especial da Fazendo Pública, formado por farmacêuticos que atendem às pessoas, sem a necessidade de recorrer aos processos.

Ao final do debate ficou evidente que o fenômeno da judicialização só é mais um reflexo do problema estrutural da saúde brasileira que coexiste com dois sistemas longe de serem integrados, e o diálogo entre os elos - incluindo os médicos, representantes de hospitais e da indústria farmacêutica -, é um caminho obrigatório, afinal, a interdependência entre todos é óbvia. 

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