Um dos maiores casos envolvendo segurança de medicamentos nos anos recentes está relacionado ao aumento do risco de problemas cardiovasculares pelos novos antiinflamatórios não-esteróides (AINES) seletivos. O rofecoxib (Vioxx) e o valdecoxib (Bextra) foram retirados do mercado americano e o celecoxib (Celebra) agora carrega um quadro-negro de advertência.
Surpreendentemente, voltar aos fármacos mais antigos e largamente utilizados pode não ser muito melhor para o coração. Em meio à retórica, apontar de dedos e decisões judiciais dirigidos aos fabricantes dos novos agentes, um silencioso e talvez mais profunda reavaliação dos riscos e benefícios da classe inteira desses medicamentos está em curso, incluindo os fármacos tradicionais como ibuprofeno e naproxeno.
Evidências importantes sugerem que os AINES podem prevenir o câncer de cólon, mas eles também aumentam o risco de ataques cardíacos, derrames e outros problemas cardiovasculares, de acordo com Andrew Chan, Charles Fuchs e coautores.
Emprestando mais credibilidade às preocupações, um novo e abrangente estudo encontrou risco significantemente maior de ataques cardíacos e derrames em mulheres que tomavam AINES quase que diariamente ou em altas doses. O problema foi maior entre fumantes. O estudo revelou um risco similar para o acetaminofeno (Tylenol), mas não para a aspirina. Os pesquisadores não encontraram riscos aumentados com doses menores ou uso menos frequente destes medicamentos.
“Muitas pessoas assumiram há muito, talvez erroneamente, que porque esses fármacos estão em uso de forma indiscriminada e disponíveis sem receita médica, eles são seguros para serem usados em qualquer frequência e dosagem, por tanto tempo quanto você precisar deles,” disse o gastroenterologista Andrew Chan, instrutor de medicina da Escola de Medicina de Harvard no Hospital Geral de Massachusetts e primeiro autor do estudo. “A um nível prático, médicos e pacientes precisam pensar em utilizar esses agentes sempre na menor dose e período de tempo possíveis.”
Os AINES mais antigos foram objeto do mesmo tipo de estudo de longo prazo, controlado por placebo, como os medicamentos mais novos, afirma Jerome Avorn, professor de medicina da EMH e chefe da divisão de farmacoepidemiologia e farmacoeconomia do Hospital Brigham & Women´s. Equipes independentes, como a de Chan e seus colegas, estão trabalhando para preencher as lacunas existentes.
“Eu não acho que as pessoas devem desistir de utilizar esses fármacos,” disse Avorn, cuja equipe demonstrou que o ibuprofeno eleva a pressão arterial, um fator de risco para doenças cardiovasculares. “Sentir dor o tempo todo também não é melhor.”
Os AINES mais antigos bloqueiam as duas isoformas de ciclooxigenase (COX). Os agentes mais novos e seletivos evitam a COX1, que ajuda a proteger a mucosa gastrointestinal, e bloqueiam a COX2, mantendo sua ação contra a dor, febre e inflamação. A atração pelos inibidores COX2 estava na sua promessa de causar menos úlceras e distúrbios potencialmente fatais do trato gastrointestinal superior, coisa que permanece não confirmada para a maioria deles, a não ser para o rofecoxib. Mas eles foram prescritos largamente mesmo para a população sem risco destes efeitos e rapidamente se tornaram a escolha mais popular como AINE de primeira-linha.
Os efeitos colaterais mais preocupantes dos inibidores seletivos não foram detectados em longos testes para inibir o câncer de cólon, cinco anos após o FDA americano aprovou os inibidores da COX2 como seguros e efetivos. Um aumento de duas vezes nos eventos cardiovasculares durante um teste para a prevenção do Pólipo Adenomatoso como o Vioxx levou a Merck a retirar o fármaco do mercado em setembro de 2004. Esse estudo, randomizado, controlado por placebo, confirmaram sugestões de estudos de observação e a lógica biológica sobre os efeitos colaterais vasculares dos AINES seletivos.
Dois estudos similares foram interrompidos em dezembro de 2004, após 3 anos, quando uma revisão independente encontrou um aumento de 3 vezes no risco cardiovascular do uso de altas doses de celecoxib. Scott Solomon, professor de medicina da EMH e diretor de cardiologia não-invasiva no Hospital B&W´s, dirigiu a revisão e publicou os resultados no ano passado no New England Journal of Medicine pouco antes do pronunciamento do FDA sobre os inibidores da COX2.
“Por agora, muitas pessoas perguntam, como sabemos se os AINES tradicionais não estão associados com o mesmo tipo de risco?” expõe Solomon. “ A questão é, faz sentido tirar pessoas do tratamento com Celebra e colocá-las utilizando outro AINE?”
A resposta mais autorizada por enquanto – um qualificado “talvez não” - vem do estudo prospectivo observacional de Chan e colegas publicado na edição de 28 de março de 2006 na revista Circulation. Entre aproximadamente 71.000 mulheres tomando AINES mais do que 22 dias no mês aumentou o risco de problemas cardiovasculares em cerca de 50%, comparado com não usuárias. E a aquelas que tomavam mais do que 15 comprimidos por semana tiveram ainda o dobro do risco. Os pesquisadores ajustaram para o uso de outros analgésicos bem como para outros fatores de risco cardiovasculares. Eles também correlacionaram os números nos anos anteriores ao aparecimento dos inibidores da COX2 no mercado em 1999 e encontraram relação consistente com os AINES antigos e eventos trombóticos.
A natureza dos estudos observacionais não permitem aos cientistas acusar os AINES como causa inequívoca dos ataques cardíacos e derrames aumentados. Pois o uso frequente de AINES também corresponderam com menor atividade física, mais hipertensão e outros fatores de risco cardiovasculares, para os quais os pesquisadores procuraram normalizar o melhor que eles puderam.
A despeito do risco dos AINES, os benefícios potenciais são muito impressionantes para ignorar. Desafortunadamente, alguns riscos, como os benefícios, aumentam com doses maiores. “Existem boas evidências de que essas drogas podem prevenir o câncer coloretal,” disse Charles Fuchs, autor responsável pelo artigo publicado na Circulation. “O problema é que, fora a aspirina, eles todos parecem aumentar o risco de doenças cardíacas, ao menos em altas doses. E quando se fala em prevenir câncer de cólon, mais é melhor,” diz Fuchs.
Chan, Fuchs e seus colegas mostraram no mesmo estudo que os AINES estão associados com menor risco de câncer de cólon. E um AINES mais seletivo, o celecoxib, reduziu pela metade a taxa de detecção de adenomas em geral e em dois terços os adenomas de alto risco, como reportado por Mônica Bertagnolli, professora associada da EMH, no encontro de abril de 2006 da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer.
Todas estas informações clínicas contribuirão para o melhor entendimento dos mecanismos básicos da ação dos fármacos, prevê Chan, o que por sua vez levarão a melhores terapêuticas. Nesse meio tempo, Avorn e seus colegas oferecem um repositório online não-comercial de informações baseada em evidências dos AINES, incluindo inibidores da COX2, no Independent Drug Information Service. [Trad. do artigo original de Carol Cruzan Morton].
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