Optogenia controla circuitos cerebrais específicos, e com isso, traz novas terapias contra ansiedade, Parkinson, entre outros
Foto: The New York Times
Cobaia durante experiência com aparelho optogenético: terapia localizada ajuda com ansiedade
O tratamento contra ansiedade já não exige anos de comprimidos ou psicoterapia. Pelo menos não para um grupo de ratos modificados pela bioengenharia.
Num estudo recentemente publicado na revista Nature, uma equipe de neurocientistas transformou essas amedrontadas presas em exploradores audazes – com o toque de um botão.
O grupo, liderado por Karl Deisseroth, psiquiatra e pesquisador em Stanford, empregou uma nova tecnologia, chamada optogenética, para controlar a atividade elétrica em alguns neurônios cuidadosamente selecionados.
Primeiro, eles projetaram esses neurônios para serem sensíveis à luz. Então, usando fibras óticas implantadas, eles piscaram uma luz azul numa via neural específica na amígdala cerebelosa, região do cérebro envolvida no processamento de emoções. E os ratos, que vinham se limitando aos cantos de seu confinamento, saíram em disparada pelo espaço aberto.
Embora tais ferramentas estejam bem longe de qualquer uso em humanos, cientistas afirmam que a pesquisa optogenética é emocionante por lhes oferecer um controle extraordinário sobre circuitos específicos do cérebro – e, com isso, novas percepções sobre uma série de doenças, entre elas a ansiedade e o mal de Parkinson.
Deisseroth reconheceu que ratos são muito diferentes de humanos. Mas acrescentou que, como “o cérebro mamífero possui notáveis semelhanças entre espécies”, as descobertas podem levar a um maior entendimento dos mecanismos neurais da ansiedade humana.
David Barlow, fundador do Centro de Ansiedade e Doenças Relacionadas da Universidade de Boston, adverte contra levar a analogia longe demais: “Tenho certeza de que os pesquisadores concordariam que essas síndromes complexas não podem ser reduzidas à ativação de um único circuito neural, sem considerar outros circuitos cerebrais importantes – incluindo aqueles envolvidos no pensamento e na avaliação”.
Mas uma visão mais profunda surgiu de um experimento de acompanhamento, onde a equipe de Deisseroth aplicou seu feixe de luz de forma um pouco mais ampla, ativando mais vias na amídala. Isso apagou inteiramente o efeito, deixando os ratos mais assustadiços do que nunca.
Isso implica que os atuais tratamentos com remédios, que são bem menos específicos e costumam causar efeitos colaterais, também poderiam estar trabalhando contra eles mesmos.
David Anderson, professor de biologia do Instituto de Tecnologia da Califórnia que também conduz pesquisas usando a optogenética, compara os efeitos das drogas a uma troca de óleo descuidada. Se você jogar um galão de óleo no motor de seu carro, parte dele irá escoar ao lugar certo, mas a maior parte acabará fazendo mais mal do que bem.
“Transtornos psiquiátricos provavelmente não se devem apenas a desequilíbrios químicos no cérebro”, afirmou Anderson. “Eles são mais do que uma enorme sacola de serotonina ou dopamina, cujas concentrações podem ser altas ou baixas demais. Em vez disso, os problemas provavelmente envolvem desarranjos de circuitos específicos, em regiões específicas do cérebro”.
Então a optogenética, que pode focar em circuitos individuais com uma precisão excepcional, pode ser algo promissor ao tratamento psiquiátrico.
Mesmo assim, Deisseroth e outros avisam que pode muitos levar anos até essas ferramentas serem usadas em humanos, se isso acontecer.
Para começar, o procedimento envolve uma bioengenharia que a maioria das pessoas pensaria duas vezes a respeito. Primeiro, biólogos identificam uma opsina, proteína encontrada em organismos fotossensíveis, como algas, que lhes permite detectar a luz. Depois, eles pescam o gene da opsina e o inserem num neurônio dentro do cérebro, usando vírus modificados para serem inofensivos – ou “seringas moleculares descartáveis”, como define Anderson.
Ali, o DNA da opsina se torna parte do material genético da célula e as proteínas resultantes da opsina conduzem correntes elétricas – a linguagem do cérebro – quando expostas à luz. Algumas opsinas, como a “channelrhodopsin”, que reage à luz azul, ativa neurônios; outras, como a “halorhodopsin”, ativada por luzes amarelas, silenciam neurônios.
Finalmente, pesquisadores delicadamente inserem fibras óticas através de camadas de tecido nervoso, e aplicam a luz apenas ao ponto certo.
Graças à optogenética, neurocientistas podem ir além de observar correlações entre a atividade dos neurônios e o comportamento de um animal: ativando ou desativando certos neurônios, eles podem provar que aqueles neurônios efetivamente comandam o comportamento.
“Às vezes, antes de palestras, as pessoas me perguntam sobre minhas ferramentas de 'imagens”', disse Deisseroth, psiquiatra praticante de 39 anos. Sua insatisfação pessoal com os atuais tratamentos o levou a montar um laboratório de pesquisa, em 2004, para desenvolver e aplicar tecnologias de optogenética.
‘`Eu digo: ’Curiosamente, uso o exato oposto das imagens, que é a observação.
Não estamos usando a luz para observar eventos. Estamos enviando luz para causar eventos’''.
Em experimentos iniciais, cientistas fizeram com que vermes parassem de se mexer e ratos ficarem correndo em círculos, como se tivessem um controle remoto.
Agora que a técnica recebeu seus louros, laboratórios do mundo todo começaram a usá-la para compreender melhor o funcionamento do sistema nervoso e para estudar problemas como dores crônicas, mal de Parkinson e degeneração da retina.
Algumas das percepções obtidas com esses experimentos em laboratório já estão abrindo caminho à prática clínica.
O Dr. Amit Etkin, psiquiatra e pesquisador de Stanford que colabora com Deisseroth, está tentando traduzir as descobertas sobre ansiedade em roedores para aprimorar a terapia humana com ferramentas existentes. Usando a simulação magnética transcraniana, técnica muito menos específica que a optogenética mas com a vantagem de não ser invasiva, Etkin busca ativar o correspondente humano dos circuitos da amídala que reduziram a ansiedade nos ratos de Deisseroth.
O Dr. Jamie Henderson, seu colega no departamento de neurocirurgia, já tratou mais de 600 pacientes de Parkinson usando um procedimento padrão chamado estimulação cerebral profunda. O tratamento, que requer o implante de eletrodos de metal numa região do cérebro chamada núcleo subtalâmico, melhora a coordenação e ajusta o controle motor. Mas também causa efeitos colaterais, como contrações musculares involuntárias e vertigens, talvez porque ativar eletrodos no interior do cérebro também ativa circuitos alheios.
“Se pudéssemos descobrir como ativar apenas os circuitos que oferecem benefícios terapêuticos sem mexer naqueles que causam os efeitos colaterais, obviamente seria algo bastante útil”, disse Henderson.
Além disso, como ocorre em qualquer cirurgia invasiva do cérebro, implantar eletrodos traz riscos de infecção e hemorragia fatal. E se, em vez disso, você pudesse estimular a superfície cerebral? Uma nova teoria sobre o grau em que essa estimulação afeta os sintomas de Parkinson, baseada no trabalho de optogenética em roedores, sugere que isso poderia funcionar.
Recentemente, Henderson iniciou testes clínicos em pacientes humanos e espera que essa abordagem também possa tratar outros problemas associados ao Parkinson, como distúrbios de fala.
No prédio ao lado, Krishna V. Shenoy, pesquisador em neurociência, está trazendo a optogenética para trabalhar com primatas. Estendendo o sucesso de uma iniciativa similar, conduzida por um grupo do MIT dirigido por Robert Desimone e Edward S. Boyden, ele recentemente inseriu opsinas no cérebro de macacos rhesus. Eles não apresentaram efeitos nocivos dos vírus ou das fibras óticas e a equipe conseguiu controlar neurônios selecionados usando a luz.
Segundo Shenoy, que integra um empenho internacional financiado pela Defense Advanced Research Projects Agency, a optogenética promete novos dispositivos que poderiam, eventualmente, tratar lesões cerebrais traumáticas e equipar veteranos de guerra feridos com próteses neurais.
“Os sistemas atuais podem mover um braço prostético até um copo; porém, sem uma sensação artificial do toque, é muito difícil pegar esse copo sem derrubá-lo ou estilhaçá-lo”, afirmou ele. “Ao enviar informações de sensores nos dedos prostéticos diretamente ao cérebro – usando a optogenética _, seria possível, em teoria, proporcionar uma sensação artificial de tato com alta fidelidade”.
Alguns pesquisadores já estão imaginando como os tratamentos de optogenética poderiam ser usados diretamente em pessoas, caso o desafio biomédico de entregar novos genes aos pacientes possa ser superado.
Boyden, que participou do desenvolvimento inicial da optogenética, administra um laboratório dedicado a criar e disseminar ferramentas cada vez mais poderosas. Ele declarou que a luz, diferente de drogas e eletrodos, pode ativar neurônios – ou, como ele mesmo coloca, “desligar um circuito inteiro”. E desligar circuitos superexcitáveis é exatamente o que você gostaria de fazer com um cérebro epilético.
“Se você quer desligar um circuito cerebral, e a alternativa é uma remoção cirúrgica de uma região do cérebro, implantes de fibra ótica podem parecer preferíveis”, explicou Boyden. Vários laboratórios estão trabalhando no problema, mesmo que as aplicações reais ainda pareçam distantes.
Para Deisseroth, que trata pacientes com autismo e depressão, a optogenética oferece uma promessa mais imediata: abrandar o estigma enfrentado por pessoas com doenças mentais, cuja aparência de saúde física pode gerar incompreensão junto a familiares, amigos e médicos. “Para nós como sociedade, simplesmente entender que alguém com ansiedade possui uma diferença de circuito conhecida ou passível de ser conhecida já é incrivelmente valioso”, disse.
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