Mais do que estrutura técnica e profissional, a eficiência de um tratamento médico recebe influências de ordem comportamental e psíquica, considerando tempo e espaço. Descubra que não existe apenas medicina baseada em evidência, mas também arquitetura hospitalar
A medicina baseada em evidência, que alia ciência a resultados da prática clínica para orientar a tomada de decisão terapêutica, tem seu modelo replicado para outros setores do âmbito hospitalar, como a arquitetura. Nos últimos tempos, cientistas desenvolveram estudos que mensuram o impacto do design da saúde na eficiência do tratamento. Itens como leitos individuais Vs leitos compartilhados, redução de barulho no ambiente hospitalar, melhoria da iluminação, aperfeiçoamento da ventilação interna, entre outros foram comprovadamente apontados como influenciadores no resultado final da assistência hospitalar.
De acordo com o estudo “The role of the Physical Environment in the Hospital of the 21 Century: A Onc in a Lifetime Opportunity”, de Roger Ulrich e Craig Zimring, é possível reduzir a taxa de infecção hospitalar através do aumento da lavagem de mãos das equipes assistenciais com ações que vão além de campanhas de incentivo. Ações como inserir depositórios de álcool gel próximos ao leito e nas saídas dos quartos, bem como pias próximas aos locais em que são administradas as medicações, contribuem para um aumento da lavagem de mãos e consequente redução de infecção hospitalar.
Para este tipo de preocupação se dá o nome de arquitetura hospitalar baseada em evidência. O termo foi criado pelo Center for Health Design, instituição norte-americana, que o definiu como sendo o “processo de basear decisões de projetos sobre o ambiente construído em pesquisas com credibilidade, para atingir os melhores resultados possíveis”. Na prática, é um protocolo completo de projeto, que tira proveito da experiência de uma equipe multidisciplinar e do corpo do conhecimento científico publicado na área de projetos, com ênfase para a busca de evidências, registro de hipóteses, mensuração e publicação dos resultados.
Uma vez que as instituições hospitalares tomam consciência de que o ambiente construído influencia em larga escala a resolutividade de sua prática assistencial, a produtividade dos seus recursos e, por consequência, seu resultado financeiro, elas tendem a exigir mais segurança com relação aos resultados esperados de cada decisão de projeto. Como por exemplo, qual a influência de oferecer salas de cirurgia com antessalas de preparo de paciente para o turnover de sala.
De acordo com o diretor executivo e arquiteto da Kahn do Brasil, Arthur Brito, a metodologia de um projeto baseado em evidência deve seguir os seguintes passos:
• Definição do objetivo e escopo do estudo;
• A busca sistemática por fontes de informações;
• A interpretação de evidências;
• A definição de hipóteses;
• A coleta da base de dados (dependendo da metodologia de pesquisa);
• O monitoramento da aderência de projeto;
A medição e publicação de resultados. Assim como fazem, quando escolhem uma modalidade de investimento financeiro e posterior monitoração de resultados.
Para Brito, “a intenção da metodologia é exatamente a de comprovar os casos em que a arquitetura e engenharia beneficiam resolutividade e qualidade da assistência e quando sua influência não é clara ou decisiva”.
Os hospitais que tomam a decisão de adotar uma arquitetura baseada em evidência precisam envolver um grupo heterogêneo de pessoas em uma equipe de projeto que pode chegar a contar com:
• Proprietário, planejador hospitalar, arquiteto e construtor;
• Liderança executiva: Gestão financeira e tomadores de decisão;
• Pessoal da linha de frente: enfermagem, médicos, técnicos e equipe de apoio;
• Consultores: tendências e tecnologias;
• Representantes dos pacientes (reais ou emulados);
• Líderes das comunidades: quando há influência urbana e Pesquisador.
Segundo o arquiteto, o hospital que aplica a arquitetura baseada em evidência se foca nos resultados das suas decisões de projeto, construção e operação. Será, portanto, muito mais provável que implemente uma solução efetiva e, certamente, terá elementos para monitorar se está atingindo os resultados esperados e antecipar uma possível ação corretiva, caso não esteja no caminho almejado. “Será um hospital preparado para os desafios do futuro”, pontua Brito.
Aderência
De acordo com o diretor da Kahn do Brasil, o projeto hospitalar anseia por método e organização. “Os administradores já descobriram isto, quando buscam as certificações de qualidade (ISO, Joint Comission, ONA etc.) e são igualmente receptivos a projetos e profissionais acreditados”, sinaliza.
Ter o projeto arquitetônico que comprovadamente garante mais eficiência ao tratamento beneficia as instituições em acreditações. A Joint Comission, por exemplo, já tem envolvimento com o CHD, pois grande parte dos seus critérios versa sobre a segurança do paciente. “Uma vez que o a arquitetura baseada em evidência tem como agenda a busca por soluções comprovadas no tema, a certificação de edifícios projetados com a metodologia é muito fácil”, defende Brito.
Para Márcio Oliveira, presidente de Desenvolvimento Técnico Científico da ABDEH (Associação Brasileira para o Desenvolvimento do Edifício Hospitalar), a cultura do design baseado em evidência é nova no Brasil e poucas instituições adotam, influenciadas pelos técnicos dos projetos, que entrando em contato com as metodologias, colocam isso como elemento a ser perseguido. “No Brasil não há uma divulgação de resultados, por meio de pesquisas científicas. Isto precisa ser fomentado nos hospitais”, avalia.
Benefícios clínicos da arquitetura
Em 2009, o Hospital Beneficência Portuguesa, de São Paulo, desenvolveu um plano diretor, que contemplava a modernização e ampliação da estrutura com foco em humanização e eficiência da arquitetura. Fruto deste planejamento foi a reforma da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neurológica, inaugurada em 2011 com novo design e 33 leitos. De acordo com Viviane Veiga, médica intensivista e assistente da UTI Neurológica da instituição, durante o projeto de reforma e mudança, a equipe médica participou de forma ativa junto com a arquitetura para que, baseado em estudos americanos, a UTI fosse reestruturada.
Como resultado, os leitos das UTI´s ganharam janelas, aumentou-se a distância entre os leitos, permitindo que a família fique junto ao paciente e criou-se uma ante-sala com televisão e sofá para a família ou acompanhantes aguardarem enquanto o paciente permanece na UTI. Para Viviane, a mudança estrutural viabiliza que a família acompanhe de forma mais confortável o paciente. “Tivemos uma mudança física e cultural, pois a equipe multiprofissional já aceita de uma forma mais natural a presença da família na UTI. E a família consegue perceber todo o processo e trabalho da equipe assistencial”, conta.
Com um investimento da ordem de R$ 7,2 milhões na UTI neurológica, a instituição conseguiu identificar benefícios clínicos com essas mudanças. Foi realizado um estudo avaliando 22 leitos da instituição, dos quais 11 já tinham janelas implantadas e os outros 11 não tinham (era ambiente fechado), em um período de 15 dias, com todos os pacientes internados. Chegou-se a conclusão de que na UTI sem janelas os pacientes tiveram 33% mais delírio do que os pacientes que tinham janelas, em análise feita de acordo com a metodologia CAM-ICU. “Os pacientes que tiveram mais delírio tiveram aumento de internação na UTI e consequentemente aumento de custo”, reforça a médica.
Para Viviane, a arquitetura do hospital deve ser reorganizada com olhos voltados para processos, para a área clínica e para o estético. “É preciso criar mecanismos para facilitar os processos, o tratamento, além da estética”, completa.
O Hospital realizou o mesmo tipo de modernização nas áreas de hemodiálise e pronto atendimento, com um foco maior em humanização.
Humanização e Arquitetura Baseada em Evidência: divididos por uma linha tênue.
No processo de humanização hospitalar, a arquitetura é um dos elementos chave. Entretanto, quando se trata de um projeto de design baseado em evidência, o inverso não é verdadeiro. Os elementos adotados para ganhar em qualidade assistencial não necessariamente precisam estar atrelados à humanização do tratamento.
Outra instituição que trabalha na linha tênue entre humanização e arquitetura baseada em evidência é o Hospital Vita Curitiba. Construído em uma antiga estrutura de hotel, a entidade aproveitou a arquitetura hoteleira, adequando-se às necessidades médicas. “O Centro cirúrgico foi construído próximo ao Pronto-socorro, área de exames e UTI´s facilitando a locomoção de pacientes. A UTI geral tem um acesso direto com o centro cirúrgico”, conta o superintendente da instituição, Flaviano Feu Ventorim.
A arquitetura dos leitos foi mantida preservando as varandas, desta forma proporcionando uma área aberta exclusiva para cada apartamento e possibilitando espaço para o paciente tomar banho de sol com privacidade e maior espaço para acompanhantes.
O hospital conta com um grupo de trabalho, chamado Time do Ambiente, formado por profissionais de diversas áreas do Vita, que estão constantemente avaliando riscos e sugerindo oportunidades de melhorias na estrutura, com o objetivo de aprimorar a qualidade e segurança assistencial. Reformas e novas áreas são planejadas conforme experiência anterior, relatos das equipes multiprofissionais e pesquisa com os clientes. “As obras passam por avaliação da equipe médica. As sugestões e orientações da gerência médica e equipe multiprofissional, formada por psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiros e nutricionistas, são fundamentais para a definição dos projetos de reformas e novas obras”, complementa o superintendente.
No caso das Unidades de Terapia Intensiva, o hospital além de ter jardim de inverno, áreas amplas, os boxes contam com claridade externa, com espaço físico privativo e tons claros. Nas UTI´s geral e cardiológica é utilizada a cor azul, considerada suave, capaz de proporcionar calma, tranquilidade, afetuosidade, paz e segurança. “É conveniente utilizar o azul em locais sujeitos a muita tensão, pois esta cor também ajuda a baixar a pressão sanguínea e a reduzir o estresse e a tensão”, pontua Ventorim.
De acordo com o executivo, no processo de recuperação do paciente, a iluminação pode auxiliar na orientação temporal e na manutenção do ciclo sono-vigília, já que o uso de sedativos impede que o paciente diferencie dia e noite.
Com exemplos nacionais como este, a cura antes instituída exclusivamente ao tratamento médico, com o tempo vai ganhando influências de ordem comportamental e arquitetônica, mostrando que o controle sobre a eficiência de um tratamento não está somente nas mãos do médico, nem do paciente, mas também do ambiente em que está inserido.
Fonte SaudeWeb
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