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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Qual é a primeira reação do cérebro diante de uma tragédia?

Para o cérebro, o bem maior é a existência do indivíduo
Por vezes deixa-se de perceber o outro em prol da sobrevivência
 
Quem acompanhou a recente tragédia da casa noturna Kiss, no Rio Grande do Sul, que deixou quase 240 mortos, deve ter se colocado (pelo menos por alguns segundos) na pele das pessoas que estavam no local na hora do ocorrido.

Susto, medo, desespero, vontade de correr e se salvar, vontade de ficar e ajudar os outros. Fumaça, barulho, tensão, adrenalina e corre-corre. Ingredientes desfavoráveis... falta de tempo, falta de espaço.

Razão? Emoção? Correr para o lado certo, evitar o calor, não inalar fumaça, cobrir o rosto com toalha molhada, não pisar em ninguém... uma tempestade inédita de variáveis, poucos segundos para decidir. Como será que o cérebro faz suas escolhas na hora "H"? O que ocorre no corpo nesse momento?

 Conversamos com o Neurologista Leandro Teles, formado e especializado na USP, sobre a reação cerebral durante uma tragédia.

 — O cérebro humano apresenta um pacote de reações padronizadas em momentos de estresse agudo. O sangue é redirecionado, ocorre eleição de prioridades, sensações desnecessárias são omitidas da consciência e começa uma luta contra o relógio e pela sobrevivência — explica.

 Pedimos ao especialista que enumere e explique as principais mudanças fisiológicas ocorridas nesse tipo de situação:

 1 – Ativação do sistema de alerta: Ocorre uma descarga cerebral imediata (quase reflexa, mesmo antes de nos darmos conta adequadamente do problema, pois o cérebro desenvolveu padrões de risco de vida), segue-se aumento da liberação de adrenalina na corrente sanguínea que leva a alterações orgânicas bastante características: pele pálida, olhos arregalados, pupila dilatada, taquicardia, aumento da pressão arterial.

O sangue é direcionado aos músculos e ao cérebro (sai da pele e dos intestinos). Tudo tem razão de ser: perde-se a percepção visual de detalhes e passamos a enxergar melhor o todo, o sangue circula mais rápido e dá conta de nutrir toda a musculatura necessária para escapar da situação com vida.

 2 – Redução da percepção cerebral de algumas sensações: Nessa hora ocorrem mudanças das entradas cerebrais, sentimos menos sensações como a dor (podemos, por exemplo: quebrar um osso, pisar em cacos de vidros, esmagar um dedo e não sentir praticamente nada); também não sentimos vontade de ir ao banheiro, fome ou sede. Tudo isso fica paralisado, em segundo plano e só será retomado em momento oportuno.

 3 – Redução das escolhas racionais: A razão exige duas coisas que não temos em momentos de tensão agudos e inesperados: informações e tempo. O cérebro toma decisões mais emocionais, intuitivas e primitivas. A falta de ciência dos fatos e o temor antecipatório do sofrimento levam a atitudes que a pessoa nunca cometeria em situações ideais.

Pessoas podem pular de uma altura absurda para escapar de um mal menor, podem correr para o lado errado, podem atropelar e fazer mal às outras pessoas em prol da própria sobrevivência, etc. Por vezes as pessoas são encontradas em estado de choque, sem conseguir se comunicar ou formular um pensamento com começo meio e fim.

É comum as pessoas de fora da cena questionarem: por que não se fez isso ou aquilo? Agora, o substrato neurológico do momento nubla e perverte gravemente as vias do pensamento lógico. Qual seria a vantagem disso então? Certamente a velocidade de reação. Titubear, ficar indeciso ou mesmo paralisado consegue ser pior que correr o risco de tomar uma decisão equivocada.

 4 – Ativação de sistemas de manutenção da vida: Na hora "H" ficamos mais fortes, mais rápidos, mais firmes, decididos e muito mais corajosos. O foco extremo é ficar vivo. Para o cérebro, o bem maior é a existência do indivíduo. Com isso, falta trabalho em equipe e, por vezes, deixamos de perceber o outro, complicando algumas situações. Ao mesmo tempo, não faltam histórias de superação e feitos bem acima do esperado em prol da sobrevivência.

Agora, evidentemente que as mudanças decorrentes da vivência de uma tragédia não são apenas agudas. Podem surgir cicatrizes mais profundas no funcionamento cerebral dessas pessoas. Ansiedade, depressão, pesadelos, certo receio que não passa, certa culpa por não ter previsto ou agido melhor no momento, enfim.

É fundamental medidas de saúde aos sobreviventes e a todos os familiares. Paralelamente precisamos de treinamento intenso para situações agudas, de modo a automatizar a conduta, minimizando os erros interpretativos e reduzindo ao máximo o número de perdas nessas situações.
 
Fonte Diário Catarinense

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