Suicídio infantil: maioria dos casos está ligada à depressão, que é tratável |
Dados preocupam porque suicídio é subnotificado
e, além disso, estimam-se 300 tentativas para cada suicídio infantil;
especialistas criticam falta de programas de prevenção
"Mas
você tem tudo o que quer. Por que fez isso?" Seja em um choro dolorido
ou aos gritos de raiva, a frase é comum no pronto socorro de psiquiatria
para onde são encaminhadas as crianças e adolescentes que tentaram se
matar. Sai da boca dos pais, atônitos com a confissão do filho que se
cortou todo ou que ingeriu uma dose cavalar de medicamentos. Pouco
falado, o suicídio na infância e adolescência tem crescido nos últimos
anos.
Dados do Mapa da Violência, do Ministério da Saúde, revelam
que ele existe e está crescendo. De 2002 a 2012 houve um crescimento de
40% da taxa de suicídio entre crianças e pré-adolescentes com idade
entre 10 e 14 anos. Na faixa etária de 15 a 19 anos, o aumento foi de
33,5%.
"Ao contrário do adulto, que normalmente planeja a ação, o
adolescente age no impulso. São comportamentos suicidas para fugir de
determinada situação que vez ou outra acabam mesmo em morte", afirma a
psiquiatra Maria Fernanda Fávaro, que atua em um Pronto Socorro de
psiquiatria em São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo.
Aos cuidados de Maria Fernanda, são encaminhadas as crianças e os
adolescentes que chegaram feridas ao hospital após tentarem se matar.
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Ao
serem perguntados sobre o motivo de terem se mutilado com lâmina de
barbear, se ferido com materiais pontiagudos, cortado o pulso ou
ingerido mais de duas dezenas de comprimidos, a resposta é rápida, e
vaga. "A maioria diz que a vida não tem sentido, que sentem um vazio
enorme. Muitos têm quadros associados à depressão", afirma Maria
Fernanda. O cenário é tão recorrente, diz a psiquiatra, que há sites,
blogs e páginas de rede social que ensinam as melhores técnicas e
ferramentas para que a criança tire a própria vida.
Para
os mais novos, se matar é, de fato, mais difícil. Dados mostram que, a
cada suicídio adulto, há de 10 a 20 tentativas que não acabaram em
morte. No caso de crianças, são estimadas 300 tentativas para um
suicídio consumado, seja porque elas usam método pouco letal, seja por
dificuldade de acesso a instrumentos. "Muitos, quando chegam aqui contam
que vêm se cortando a mais ou menos um ano, e a família não sabe
disso", diz Maria Fernanda.
Assunto proibido
Esse
desconhecimento familiar não deve ser encarado como descaso, mas
precisa ser visto sob a lógica do quanto o tema do suicídio ainda é um
tabu na sociedade, afirmam os especialistas. No caso de crianças e
adolescentes, a situação ainda é pior: ninguém fala sobre o assunto,
apesar de estudos mostrarem que 90% dos jovens atendidos em emergência
psiquiátrica chegam lá após tentativas de se matar.
"Existe
o mito de que o suicídio se concentra nos países nórdicos. Essas nações
realmente lideravam o ranking, mas tomaram atitudes e conseguiram
reverter o quadro. Enquanto isso, a gente aqui no Brasil continua sem
falar nisso e vê os números crescendo", alerta Carlos Correia,
voluntário há mais de 20 anos do Centro de Valorização da Vida, o CVV.
Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na semana passada mostraram que o Brasil é o quarto país latino-americano com
o maior crescimento no número de suicídios entre 2000 e 2012 e o oitavo
do mundo em números absolutos de pessoas que tiram a própria vida.
Foram 11.821 suicídios no período, aumento de 10% em relação à década
anterior.
Uma situação que, segundo os especialistas,
reflete a falta de programas de prevenção. Apesar de a taxa no Brasil
ainda ser inferior a 10 suicídios por 100 mil habitantes – a partir da
qual a OMS considera alta, a população é muito grande e, portanto, o
número de casos também.
“O que não pode é o Brasil votar em março
sobre o relatório da OMS, mas não promover o plano de prevenção ao
suicídio”, afirma o médico Carlos Felipe Almeida D’Oliveira, da Rede
Brasileira de Prevenção do Suicídio.
O
psiquiatra infantil Gustavo Estanislau compara as iniciativas de
prevenção brasileiras com as de países desenvolvidos. "Lá fora, existem
projetos de prevenção há muito tempo. Eles já têm isso tão bem
organizado, que funcionam como um guia. Tem equipes até para agir nas
escolas quando, por exemplo, uma criança se mata. No Brasil, não conheço
nenhum projeto desse tipo."
Por onde começar
A
criação de um programa de prevenção ao suicídio eficaz deve ter como
prioridades a identificação de fatores de risco, o investimento em
serviços especializados e o mapeamento de quais são as populações mais
vulneráveis, com atenção àqueles que já cometeram tentativas de
suicídio.
Maria Fernanda conta que boa parte das crianças e
adolescentes que ela atende no pronto socorro psiquiátrico é
reincidente: já tentaram se matar outra vez e, machucados, passaram por
um clínico geral que os liberou em seguida. “É a realidade da maioria,
porque ainda são poucos os serviços especializados. No hospital
convencional, a medida comum é cuidar do ferimento e mandar para casa”,
diz.
Quando essa mesma criança que tentou se matar tem acesso a um
serviço especializado, o resultado pode mudar seu futuro. “Atendo e
avalio se ela mantém o risco suicida. Se ela diz que tentou se matar e
continua querendo, a gente interna. Se não há risco, indicamos um
acompanhamento ambulatorial. Só não pode é voltar para casa do jeito que
chegou”, afirma Maria Fernanda.
Como eu vou saber?
Os
especialistas afirmam que é preciso prestar atenção a qualquer sinal
que a criança ou o adolescente demonstre sobre a vontade de tirar a
própria vida. Além de comunicar verbalmente o objetivo de se matar, ele
pode apresentar sinais como tristeza prolongada, mudança brusca de
comportamento, agressividade e intolerância.
“A primeira
coisa a fazer é considerar que há um risco. Não pode achar que é
bobagem, coisa momentânea ou feita para chamar atenção. O suicídio tem
um aspecto importante, que é a comunicação. Se a pessoa está dizendo que
tem um tipo de sofrimento e que não encontra saída, é preciso ficar
atento e procurar um serviço de saúde mental”, afirma D’Oliveira, da
Rede Brasileira de Prevenção do Suicídio.
Detectado o risco, a primeira providência é conversar.
Parece óbvio, mas não é. Na maioria dos casos, os adultos acreditam que
se fingirem que não perceberam, a criança ou o adolescente pode mudar de
ideia. Outros tantos acham que falar em suicídio é uma ameaça típica da
idade. Ambas atitudes estão erradas. “É preciso sempre levar a sério e
acreditar no que a criança ou o adolescente diz. É importante ter uma
conversa, sem julgamentos, para que ele não se sinta tolhido em falar”,
afirma a psicóloga Karen Scavacini, mestre em saúde pública e
especialista em prevenção ao suicídio.
Pode ser que,
nessa conversa, o adulto perceba sinais bem sutis, como a dificuldade de
tolerância à frustração, falta de sentido na vida, sensação de
desamparo e pressão interna. "É também nessa idade, que muitos se dão
conta de sua orientação sexual. No caso de se perceberem homossexuais,
podem achar que é um problema e que não tem solução", afirma Karen.
A
psicóloga explica que, nesta conversa, é importante que o adulto
pergunte se a criança ou o adolescente já pensou em se matar mais de uma
vez. “Assim, é possível saber se a ideia já virou um plano e então
encaminhar a criança para um atendimento.”
Mesmo porque
no momento do atendimento, explica a psicóloga, percebe-se que a
vulnerabilidade dessa faixa etária é tão grande que muitos tentam tirar a
vida sem ao menos saber o que isso significa. “Crianças mais novas e
pré-adolescentes tem uma impulsividade e não têm a capacidade de avaliar
que a morte é para sempre.
iG
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