Guito Moreto / Agência O Globo: Ana Paula Tobias mostra livro para a filha Lays, de 3 anos, já em fase final de tratamento contra câncer |
Rio - Antes de completar 1 ano, Layz Tobias começou o tratamento contra o Tumor de Wilms, tipo de câncer que atinge os rins. O diagnóstico ocorreu apenas quatro dias após a primeira consulta, mas seu quadro, quando descoberto, já estava avançado, conta a mãe Ana Paula. A partir daí, já foram três anos de um processo que incluiu cirurgia, quimioterapia, enjoos, dores e mudança de toda a estrutura familiar, já que todos moram em Petrópolis, e o tratamento só está disponível em centros especializados do Rio. Mas agora está perto do fim. É provável que Lays, uma menina agitada e simpática, comece a estudar no próximo ano. (Até então, colegas, só os de tratamento.) E mais, ela provavelmente vai comemorar seu primeiro aniversário em casa.
— Estamos torcendo muito — conta Ana Paula, que acompanha 24 horas por dia a menina. — Passamos momentos difíceis, mas ela está bem agora. O pior período foi quando teve a recidiva, poucos meses depois de passar por uma cirurgia, há uns dois anos. Agora, ela está com o quadro sob controle, mas tem as defesas imunológicas muito fracas.
O câncer pediátrico não é como o de adultos. Sua evolução é muito mais rápida e, se no caso dos adultos o diagnóstico precoce já é importante para garantir a sobrevida, para crianças e adolescentes a agilidade é essencial. As chances de cura neste caso e com tratamento adequado são de 80%.
Acelerando o diagnóstico do tumor
Mas, por enquanto, o diagnóstico ainda é um dos entraves no combate ao câncer. Com isso, hoje é a doença que mais mata indivíduos entre 1 e 19 anos (19,7% e 2.740 mortes em 2012), seguido de doenças respiratórias (16,9%) e do sistema nervoso (14%). A estimativa deste ano do Inca é de 11.840 novos casos no Brasil, sendo 940 no Estado do Rio.
Um levantamento inédito sobre a situação do câncer infantil mostra que em 12% dos casos de tumores sólidos leva-se mais de dois meses entre a primeira consulta e o diagnóstico no estado. E entre o diagnóstico e o início do tratamento, 29% dos casos também levam mais de dois meses. Esse é o prazo estabelecido por lei para o início do tratamento de pacientes adultos, mas no caso da criança, pode ser tarde demais. Os dados divulgados hoje, por conta do Dia Nacional de Combate ao Câncer Infantil, foram compilados pela Fundação do Câncer e pelo Instituto Desiderata, integrantes do grupo Unidos pela Cura, composto de gestores de saúde e organizações civis, que vêm trabalhando para que os pacientes suspeitos de câncer sejam encaminhados a um hospital de referência do Rio num período de até 72 horas. Por enquanto, segundo o instituto, entre 2008 e 2013, apenas 32% das crianças encaminhadas com essa suspeita foram acolhidas pelos hospitais nesse tempo.
— Quanto antes acontecerem a descoberta e o tratamento, melhor para a criança — afirma Roberta Costa Marques, diretora executiva do Instituto Desiderata. — O diagnóstico precoce ainda é um desafio fundamental para as chances de cura. Como os sintomas do câncer são similares a doenças da infância, ele não é fácil de diagnosticar, além de ser uma doença rara. Essa é uma bandeira muito grande nossa.
Sintomas que confundem
Sintomas semelhantes ao de uma virose são os primeiros sinais a aparecerem e nem sempre são levados em conta por pais e até profissionais de saúde.
— A criança não mente sobre o que está sentido, então é muito importante prestar atenção na sua queixa — orienta Sima Ferman, chefe do Serviço de Oncologia Pediátrica do Inca.
O câncer infanto-juvenil representa de 1% a 3% do total de cânceres estimados para a população adulta. Sima explica que o princípio é o mesmo em qualquer faixa etária, ou seja, a proliferação descontrolada das células. Mas os tipos são bastante diferentes, dependendo da idade: enquanto no adulto as alterações ocorrem nas células epiteliais (como mama e pulmão), na criança atingem as células do sistema sanguíneo e os tecidos de sustentação. A doença afeta, portanto, células mais primitivas e indiferenciadas, que, apesar de se proliferarem mais rapidamente, respondem melhor ao tratamento.
— É mais curável em relação ao adulto — afirma Sima, explicando que suas causas ainda não estão totalmente definidas. — Muitos estudos são feitos, mas a maioria ainda não tem uma confirmação do motivo do câncer infantil, e não temos como preveni-lo como no adulto, que tem geralmente fatores ambientais, como o tabagismo ou a obesidade, associados.
Um dos principais objetivos do novo levantamento foi exatamente compilar informações cujo acesso ainda é dificultado até para quem trabalha na área. Segundo Roberta Costa Marques, embora obrigatório, apenas três dos seis centros de tratamento do Rio fazem o registro hospitalar de câncer:
— É uma exigência, mas não existe sanção para quem não o faz. Enquanto não houver informações transparentes e não fizermos uso delas, não vamos avançar. Como avaliar e planejar a rede de atenção se não sabemos como ela está e do que precisa? — afirma. — A ideia é realizar este boletim anualmente a partir de agora.
O Estado do Rio tem 14 hospitais especializados pediátricos, sendo 11 na capital. Por isso, a adesão ao tratamento é outro desafio. No caso de Layz, ela mora em Petrópolis, mas é atendida na UFRJ e no Inca no Rio, onde chegou a passar por sessões de oito horas de quimioterapia. Por conta do próprio tratamento, ela precisa ficar na capital e, por isso, a solução foi a Casa Ronald McDonald, onde a menina recebe cuidados complementares, e as duas passam a noite, têm transporte e alimentação. Nos finais de semana, recebe visita da família.
— Ela fica contando os dias, mas tem muitos amigos aqui também — conta Ana Paula.
Layz foi quem encaminhou a reportagem para a sala de recreação e, no caminho, contava aos colegas que ia tirar fotos.
— É surpreendente ver como as crianças lidam com a doença. A maturidade que adquirem com esta vivência é incrível; elas têm uma alegria natural, e dão força aos pais — diz Sima Ferman.
O Globo
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