Rio - Um recente surto de sarampo nos Estados Unidos levanta um alerta sobre a negligência na vacinação desta e de outras doenças. Desde o final de dezembro, já foram registrados pelo menos 26 casos nos estados de Califórnia, Colorado, Utah e Washington, o que representa cerca de 10% do total esperado para todo o ano no país. Autoridades de saúde locais acreditam que tudo começou a partir de uma mulher contaminada e não vacinada que visitou o parque Disneylândia, na Califórnia, no último dia 28.
— A melhor forma de prevenir a ocorrência do sarampo e seu dispersamento é por meio da vacinação — recomendou Ron Chapman, diretor do Departamento de Saúde Pública da Califórnia, órgão que confirmou o início do surto, e pediu que os californianos notassem quaisquer sintomas: febre, nariz escorrendo e olhos vermelhos, no início; em seguida, marcas vermelhas pelo rosto e, depois, pelo corpo.
Vacina segura é acessível
O sarampo é uma doença altamente contagiosa, transmitida por via aérea. Embora exista uma vacina comumente aplicada em crianças na maioria dos países, o receio de determinados movimentos antivacina e de algumas famílias continua a confrontar evidências científicas e a levá-los a se esquivar deste e de outros imunizantes.
Com isso, doenças que tinham sido controladas voltaram a ter novos surtos. Os EUA são um exemplo disto. Segundo o Centro de Controle de Doenças do país (CDC, na sigla em inglês), o ano de 2014 ficou acima da média: foram 664 casos em 27 estados, maior desde o ano 2000, quando a doença foi considerada “eliminada”, ou seja, não havia registros de transmissão interna (autóctone), apenas de importação de casos por viajantes. A média anual de registros no país girava em torno de 200 casos.
Não existe uma lei federal que obrigue à vacinação nos EUA, mas todos os 50 estados exigem as principais vacinas — caxumba, sarampo, rubéola, difteria, coqueluche, tétano e poliomielite — para a matrícula em escolas públicas. Há exceções, mas geralmente os pais são responsabilizados no caso de contaminação de outros indivíduos além de seus filhos. Já no Brasil, a vacinação não é obrigatória, mas o país consegue ter uma cobertura que supera os 95% da população. Mesmo assim, não raro surgem grupos nos EUA e aqui que evitam vacinar seus familiares por receio das reações adversas.
— Optar pela não vacinação representa um risco não apenas para si próprio, mas para a comunidade e até o país — alerta Isabela Ballalai, infectologista e presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações. — Não há nenhuma base científica que questione a eficácia e a segurança da vacina tríplice viral (aplicada aqui, e que combate, além do sarampo, a caxumba e a rubéola).
Isabela cita ainda o exemplo da recente polêmica com a vacina do HPV, em que meninas perderam temporariamente os movimentos do corpo e relacionaram o episódio com a aplicação do imunizante.
— Claro que assusta, mas a vigilância em saúde é muito criteriosa com relação às reações adversas e acompanha e notifica os possíveis problemas relacionados. Até agora, não há porque duvidar de sua segurança — defende a infectologista. — O Brasil, felizmente, adere muito bem às campanhas de vacinação em geral.
No país, não há transmissão interna do sarampo desde o ano 2000. Mas isso não impede que casos importados desembarquem no país, e o ano passado também foi atípico: segundo dados do Ministério da Saúde, o número de casos passou de 220, em 2013, para 664, em 2014. Nos anos anteriores, os casos importados não passavam de cem. Os principais afetados foram os estados de Pernambuco e Ceará, e segundo a Secretaria de Saúde deste último estado, não havia surtos da doença desde 1997.
— Notamos sinais de retorno do sarampo aqui, especialmente de uma cepa que circula na Europa — explicou Isabela.
Medo de imunização persiste na Europa
A Europa, a começar pela Inglaterra, é uma das regiões que tiveram um aumento significativo no número de casos. Durante o período de novembro de 2012 a outubro de 2013, a União Europeia registrou 12.096 registros de sarampo, resultando em três óbitos.
Alguns grupos do continente rejeitam a vacina do sarampo desde que foi publicado, em 1998, um artigo científico na revista “Lancet”, uma das mais conceituadas do mundo, mostrando a relação entre o imunizante e a ocorrência de autismo em crianças. Logo depois, o trabalho do pesquisador Andrew Wakefield foi desacreditado por cientistas de todo o mundo, mas o medo persistiu, e o resultado foi o aumento de casos nos últimos anos, explica Isabela Ballalai.
Esse aumento tem preocupado autoridades, e a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou uma campanha para eliminar o sarampo e a rubéola (cujo aumento também foi notado) ainda este ano. Entre os dias 20 e 25 de abril, está prevista mais uma edição da Semana da Imunização Europeia, para reforçar a importância da vacina.
A OMS ressalta que o sarampo, apesar de prevenível, é uma das principais causas de mortalidade infantil, levando a 450 mortes por dia no mundo, muitas das quais não só por negligência individual, mas por baixa cobertura vacinal do país, como em alguns da Ásia e África.
O Globo
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