Conferência mundial pensa estratégia para baní-los, enquanto, no Brasil, recurso judicial da CNI questiona autoridade da Anvisa
Rio - Os cigarros aromatizados — adocicados e mentolados — são populares em todo mundo. São opções mais palatáveis, que, segundo alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS), aumentam o apelo ao consumo do tabaco, principalmente entre os mais jovens. A restrição de aditivos com sabores e aromas é hoje, portanto, um dos maiores alvos dos grupos antitabagistas e, não à toa, motivo de discórdia entre legisladores e indústrias do fumo de vários países, a exemplo do Brasil.
Para propor estratégias mais eficazes no combate aos aditivos, cientistas, representantes de organizações e governos darão especial atenção ao tema na Conferência Mundial do Tabaco, que começou ontem, em Abu Dhabi.
Austrália, Canadá, Chile, Estados Unidos, Turquia e a União Europeia estão em processo de restrição ou banimento dos aditivos. Essas medidas seguem na esteira da Convenção Quadro pelo Controle do Tabaco da OMS, um tratado internacional assinado por 192 países e que recomenda a proibição ou limitação deles. Entretanto, elas enfrentam forte resistência das empresas, sob o argumento de que seus produtos ficariam inviabilizados com essa restrição.
No Brasil, a briga é intensa e ameaça, inclusive, a autonomia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A disputa começou há exatos três anos, quando a agência lançou uma norma (RDC 14/2012) proibindo substâncias como açúcares e aromatizantes no cigarro. A guerra prosseguiu até que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovou, em setembro de 2013, uma liminar que liberou os aditivos no mercado brasileiro, e continua em vigor.
Norma da ANVISA posta em xeque
Nas mãos da ministra corre outro processo motivado pela polêmica dos aditivos. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) propôs uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin 4874) que questiona dois dispositivos da lei federal da Anvisa (9.782/99): um tratando da competência para estabelecer normas e executar políticas de vigilância sanitária e outro sobre a proibição de fabricação e importação de produtos que representem riscos à saúde.
— Se a ação for aceita pelo STF, na prática isto acarretará um efeito cascata, em que todas as normas editadas pela Anvisa se tornarão inconstitucionais. As consequências disto seriam muito sérias e iriam além dos efeitos na indústria do tabaco — alerta o presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/RJ, Leonardo Vizeu, que acompanha o debate.
O processo encontra-se no STF como “concluso ao relator”, o que significa que pode haver um parecer em breve. Em nota, a CNI explica ter ajuizado a ação porque a Anvisa “extrapolou suas competências, usurpando as do Congresso Nacional,” ao banir ingredientes “sem a demonstração de risco imediato e urgente”. E acrescenta estar “confiante que o STF reconhecerá que a Anvisa não possui poder normativo genérico”. Vizeu, no entanto, discorda:
— Compete à Anvisa regular o que é ou não nocivo. Isso não é atribuição da Câmara dos Deputados — afirma o especialista, destacando que a ação teria efeitos, inclusive, sobre a lista de substâncias ilícitas do país, podendo ocorrer algo semelhante ao recente caso irlandês, em que um processo de inconstitucionalidade de um indivíduo levou o país a liberar, sem querer, o uso de uma série de drogas, como a maconha. — Seria uma total irresponsabilidade.
O diretor-presidente da Anvisa, Jaime Oliveira, também demostra preocupação com a polêmica, mas adota um tom apaziguador.
— A Adin pode causar impactos grandes, tanto jurídicos quanto técnicos. Todas as informações já foram passadas ao STF, e não acreditamos que ele tome uma posição extrema — afirma Oliveira, que explica: — Para questionar os aditivos, a CNI aborda outras matérias que sequer dizem respeito ao tabaco e que afetariam outros setores, como medicamentos, alimentos, cosméticos...
Sobre a lista de substâncias ilícitas, Oliveira diz que há outros dispositivos legais que a resguardariam. Ele explica ainda que a liminar em favor da indústria do tabaco ocorreu por questões técnicas do processo, as quais já foram superadas. Por isso, espera um parecer favorável em relação à proibição dos aditivos.
Enquanto isto, a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo) garante não haver comprovação científica de que o banimento dos aditivos torna os produtos menos prejudiciais ao consumidor e critica a agência por adotar a medida “antes de realizar as necessárias análises técnicas e de impacto regulatório”, afirmando que ela é mais restritiva no Brasil do que em outros países. A Abifumo diz ainda ter documentos demonstrando que os aditivos “não tornam o cigarro mais ou menos atrativo ou tóxico e que não há relação direta entre o consumo de cigarros com ou sem aditivos e as faixas etárias dos consumidores”.
Em janeiro, a Anvisa divulgou um relatório de um grupo de trabalho composto por cientistas independentes e internacionais no qual afirma que os documentos fornecidos pela indústria do tabaco não são suficientes para convencer que os aditivos não seriam mais viciantes ou atraentes ao consumidor.
Além disso, quem contesta o argumento da indústria é a secretária-executiva da Convenção-Quadro para Controle de Tabaco do Instituto Nacional de Câncer (Conicq/Inca), Tânia Cavalcante, que participa da conferência em Abu Dhabi. Ela cita outro relatório, produzido pelo grupo, que compilou estudos científicos e documentos da indústria do tabaco (abertos ao público nos EUA e no Reino Unido) e mostra que os aditivos são usados pelos fabricantes para potencializar os efeitos farmacológicos da nicotina e tornar o sabor das marcas mais apelativo para os jovens.
— O que a indústria não explica publicamente é que alguns ingredientes, por exemplo o açúcar, aumentam a dependência. Após sofrer combustão e ser inalado, ele resulta em produtos tóxicos, potencializando a nicotina — afirma Tânia, lembrando que os aditivos estão presentes não só nos cigarros, mas em outros produtos como o narguilé, outro tema forte de debate da conferência.
O Globo
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